A transparência e o futebol brasileiro

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A presidente Dilma Rousseff assinou na última quinta-feira (19) uma medida provisória que flexibiliza a negociação de dívidas dos clubes brasileiros com a União, mas estabelece como contrapartidas uma série de mudanças no processo de gestão de entidades ligadas à modalidade (confederação, federações e times). Podia ter sido um marco para o esporte nacional. Entretanto, foi apenas uma demonstração do quanto o buraco é profundo.

A MP ainda será encaminhada ao Congresso Nacional para virar lei, mas prevê refinanciamento das dívidas dos clubes brasileiros – atualmente, a soma dos débitos fiscais gira em torno de R$ 4 bilhões. Essas agremiações teriam 20 anos para pagar, com parcelas reajustadas pela Selic. Para terem acesso a essa linha de crédito, contudo, as equipes teriam de se comprometer a apresentar auditorias regulares, pagar em dia as obrigações contratuais, trabalhistas e previdenciárias, limitar gastos a 70% da receita bruta do futebol, aumentar investimentos na base e no futebol feminino, vetar antecipação de receitas de mandatos futuros, adotar um programa de redução de déficit e respeitar medidas de transparência previstas na Lei Pelé.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e as federações já se posicionaram contra o modelo – sobretudo porque a MP restringe o tempo de permanência de dirigentes em seus cargos. Mas essas críticas foram feitas em microfones, bem longe de um debate produtivo.

A Fifa também manifestou preocupação com a MP. A entidade internacional é sempre avessa ao que ela considera intervenção estatal na gestão do futebol. Por causa disso, a Nigéria chegou a ser suspensa até que seus governantes retrocedessem e cancelassem medidas que haviam tomado para mudar a gestão do esporte no país. Assim como a CBF e as federações, porém, a Fifa fez isso nos microfones. Não houve colaboração para o debate, mas crítica ao que foi feito.

O pacote de contrapartidas estabelecidas pela MP é fruto de uma aproximação entre governo federal e o Bom Senso FC, grupo formado por atletas para discutir o futuro do futebol brasileiro. Foram medidas pensadas em fóruns abrangentes, e entidades como CBF e Fifa foram incitadas a participar do debate.

Em vez disso, porém, Fifa, CBF e federações preferiram a articulação política. Não houve uma discussão que mostrasse por que essas medidas são ruins para o futuro do futebol brasileiro, mas um trabalho para que elas não sejam ratificadas pelo Congresso.

Todo esse contexto é importante para entender o peso de uma reportagem feita no último fim de semana pelo jornal alemão “Bild”. O diário publicou uma denúncia sobre a empresa de engenharia e serviços Bilfinger, que teria desembolsado 20 milhões de euros (R$ 70 milhões) em propinas para obter contratos da Copa do Mundo de 2014.

Em comunicado publicado após a reportagem, a Bilfinger disse que as primeiras investigações apontam que realmente houve pagamento de propina. A empresa, entretanto, ainda considera impossível apontar responsáveis pelo esquema.

E qual é a relação entre as duas histórias? São dois exemplos de como o futebol precisa urgentemente de transparência na gestão. Isso vale para a Fifa, para a Copa do Mundo e para o cotidiano dos clubes nacionais. E a comunicação tem papel determinante em todo esse processo.

Se quiser realmente evoluir, o futebol brasileiro precisa adotar práticas que assegurem uma gestão mais transparente. Isso é fundamental para construir credibilidade, e credibilidade é um item fundamental na venda de qualquer produto.

Você não compra um artefato de uma marca desconhecida ou pouco confiável. Se não houver uma diferença gritante em outros influenciadores (preço ou localização, por exemplo), você sempre vai preferir o produto que dá mais segurança. É uma lógica universal de mercado, e o futebol ainda não entendeu que está submetido a isso.

Não, não existe outro futebol para as pessoas consumirem se elas estiverem infelizes com o atual. O problema é que a concorrência, nesse caso, é bem mais abrangente: um consumidor que começa a se distanciar do futebol passa a não ver problema em trocar o esporte pelo cinema, pela TV ou por qualquer outra forma de entretenimento.

Tente medir o que teve mais repercussão no último domingo: os jogos de campeonatos estaduais ou o clássico entre Barcelona e Real Madrid? O confronto espanhol é tratado como um evento, e sempre que acontece é cercado de enorme movimentação midiática. Existe um trabalho de comunicação para que aquele produto seja valorizado.

Não, Barcelona e Real Madrid também não são exemplos de gestão transparente. O clube catalão, aliás, ainda está sendo investigado na Justiça por causa da transferência do atacante Neymar. O ponto é que existe no caso do clássico uma comunicação intensiva, voltada a minimizar isso.

E o futebol brasileiro, o que faz? Que medidas a CBF e as federações têm tomado para que suas imagens não sejam afetadas pelo combate à MP? Não existe.

A falta de transparência é endêmica no futebol mundial. O que faz o exemplo brasileiro ser pior é o descaso: os dirigentes passam uma impressão de que não estão minimamente preocupados com arranhões na imagem.

O episódio mais claro nesse sentido é a célebre entrevista de Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, à revista “Piauí”. O mandatário criticou a imprensa e a sociedade brasileira, admitiu conchavo com a TV Globo e prometeu fazer “maldades” com quem o desafiasse.

O futebol brasileiro precisa urgentemente de um choque de gestão, e a MP assinada por Dilma podia ser um marco nessa rota. Mas o futebol brasileiro precisa, antes de qualquer coisa, se preocupar com a própria imagem. 

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