Cristiano Ronaldo, Neymar e Messi: heróis da cultura!

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Não sei se este meu artigo vai provocar qualquer expressão vulcânica de antipatia, ou que o acoimem de arcaico e submisso a ideias feitas. Por mim, considero tão legítima uma opinião depreciativa pela minha tese, de hoje, como a minha reverência pelos nomes maiores da História do Desporto.

De fato, no meu modesto entender, e cingindo-me só ao futebol, o Neymar, o Messi, o Cristiano Ronaldo, o Ibrahimovic, o Ribéry, etc., etc. são para mim heróis da cultura! E não utilizo, unicamente, um critério romântico, o meu critério é verdadeiramente racionalista, como adiante o tentarei provar. Mas completo a minha tese: os jogadores acima citados são, para mim, heróis da cultura, ao lado de qualquer cientista, literato ou artista, notáveis por muitos títulos. Às interrogações: Saramago ou Ronaldo? Tom Jobim ou Neymar? Borges ou Messi? Ribéry ou Paul Ricoeur?

Responderei, sem receio: em inteligência, em generosidade, em vontade de transcendência (ou superação), em genialidade, os futebolistas aqui nomeados são iguais a qualquer nome grande da vida cultural. Ao volver à roda, percebo que colhi de surpresa muita gente: Mas será possível o Ronaldo ser tão inteligente como o Saramago ou como o neurocientista, Dr. António Damásio? É verdade! O Ronaldo nada deve, em inteligência, aos grandes escritores, artistas, ou cientistas portugueses. E porquê?

Foi aceite pelos cientistas a teoria das inteligências múltiplas que nos ensina que são sete as inteligências que encontramos, no ser humano (H. Gardner, La inteligencia reformulada. Las inteligencias múltiples en el siglo XXI, Paidós, Barcelona, 2003). Posteriormente, este mesmo autor acrescenta mais três inteligências às sete apresentadas, inicialmente. Vejamos então as dez inteligências que se encontram, nas pessoas, com predominância, em cada um dos sujeitos observados, de uma sobre as outras: musical, linguística, espacial, corporal-quinestésica, lógico-matemática, intrapessoal, interpessoal, naturalista, existencial e espiritual. Que o mesmo é dizer: a inteligência humana tem todas estas características, mas há quem tenha uma delas muitíssimo mais desenvolvida do que as outras, o que acontece com os gênios, com os superdotados.

Portanto, o Ronaldo ou o Neymar beneficiam de uma inteligência corporal-quinestésica que não estava ao alcance do gênio literário e musical do José Saramago ou do Tom Jobim. Por seu turno, o Dr. António Damásio, um homem universal das neurociências, com a sua extraordinária aptidão mental (e muito lido em Descartes e Espinoza) não conseguiria nunca fazer de Portugal inteiro uma grande família celebrando, em uníssono, alguns êxitos de indiscutível relevo internacional.

É que o desporto, mormente o futebol, é o fenômeno cultural de maior magia no mundo contemporâneo. E do futebol são o Neymar e o Messi e o Ronaldo três intérpretes de eleição, como outros não se encontram, hoje, nos seus países. Assim, porque o futebol é uma Atividade Humana e o ser humano manifesta-se, sobre o mais, através de uma expressão cultural, seja qual for o modo de expressão utilizada – o futebol é cultura e os seus agentes são também agentes culturais.

Ora, o Messi, o Neymar e o Cristiano Ronaldo fazem do futebol, como ninguém, uma expressão cultural: fazem do futebol uma façanha inspirada no misticismo patriótico; e do gesto desportivo um movimento de incontornável eficiência e beleza; e da sua motricidade um espaço de transcendência (ou superação) e portanto de abnegação, de pundonor, de grandeza de ânimo. O que pretendo eu dizer com a palavra “transcendência”?

Quero dizer que não há determinismo na História e no ato da transcendência o impossível pode ser possível. Com o Cristiano Ronaldo como seu capitão, a seleção nacional portuguesa de futebol têm um exemplo de transcendência, bem ao seu lado. E não é na convivência dos nobres exemplos que os valores se revigoram e se tomam como divisas?

Somos a decana de todas as nações da Europa; navegamos por mares nunca dantes navegados; deixamos em terras ignotas os nomes dos nossos santos e heróis; há uma arte de ser português, que o Teixeira de Pascoais explicou, consignou em livro célebre; transfundimos boa parte do nosso sangue a nações que geramos, na América, na África, na Ásia, na Oceania – os feitos de Cristiano Ronaldo são factos culturais e vêm dizer-nos que chegou a hora intransferível de voltarmos a ser portugueses, despojando-nos do sectarismo partidário, ou do retorno a um requentado fascismo, ou do neoliberalismo anglo-saxónico (onde até a língua é um instrumento de colonialismo), porque a Pátria está em perigo. Cristiano Ronaldo, um herói da cultura, provou-nos que, na unidade da fé, na unidade do patriotismo, na unidade da ação, o milagre do ressurgimento de Portugal é possível.

Quero realçar, por fim, a liderança sagaz do selecionador Paulo Bento. A superior criatividade (digamos mesmo: fantasia criadora) do Ronaldo encontrou espaço de concretização, assomou singular de inconformidade, de opulenta espontaneidade e quase de matemática certeza, porque a tática se congeminou, com demora e minúcia, para que o CR7 pudesse servir os objetivos da equipa, em todo o esplendor das suas inigualáveis potencialidades. Três golos inesquecíveis de Ronaldo?

Numa análise severa e meticulosa destes golos, estão os seus colegas de equipa e o Paulo Bento. Dou lugar especial, neste momento, a quem idealizou a tática, até porque ela é a expressão de um temperamento e de uma cultura e o reflexo de uma posição especial em face do mundo. No Suécia-Portugal do dia 19 de Novembro de 2013, não houve Cristiano Ronaldo sem uma equipa que o ajudou a que as suas inteligência e personalidade se revelassem. Essa equipa teve um líder: Paulo Bento! E um gênio: Cristiano Ronaldo! E uma grande família à sua volta: Portugal!

Sou português e acabei por dar realce especial ao Cristiano Ronaldo. Mas eu sei que o Neymar e o Messi podem fazer o que o Ronaldo fez na Suécia. Todos eles são heróis da cultura, todos eles beneficiam de uma inteligência quinestésico-corporal de que bem poucos podem usufruir.

 

*Manuel Sérgio é antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

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