Futebol: a fisiologia do desgaste, a resistência de concentração, a criatividade e os erros de decisão

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O futebol jogado em altíssimo nível competitivo tem peculiaridades muito importantes.

Claro, como esporte coletivo que é, de "invasão de território", com companheiros, adversários, bola, terreno de jogo e alvos bem definidos é de se esperar que um "sem número" de eventos bem interessantes e particulares se expressem a todo o tempo durante partidas de futebol.

Assim como outros esportes coletivos de invasão, existem diversas ações de alta intensidade durante um jogo; ações que nascem de maneira aleatória, acíclicas e interligadas, e intercaladas por momentos de recuperação – (recuperação ativa ou não, fisicamente falando – a partir do viés sistêmico, a recuperação é sempre ativa).

Sob o ponto de vista fisiológico o futebol é surpreendente. Nos tempos atuais, um jogador de futebol pode percorrer 14,0 km em uma partida (nos dados apresentados pela Uefa, em jogos da Champions League, não é incomum que esse valor apareça) – o mais comum é que a distância final média percorrida por um jogador em 90 minutos fique entre 8,5 e 12,0 km, dependendo da posição, função, equipe e circunstâncias do jogo.

Estudos mostram que, no futebol europeu, é mais comum distâncias finais mais próximas de 11,0 km. No Brasil, os poucos trabalhos publicados com jogadores profissionais a respeito do tema e os dados monitorados por alguns clubes, mostram mais frequentemente algo por volta de 9,0 km.

Dentre os esportes coletivos de invasão – (como por exemplo, futsal, basquetebol, handebol, rúgbi, etc.) é o futebol aquele em que a distância percorrida pelos jogadores e equipe é maior: no basquetebol enquanto um jogador percorre algo em torno de 5,0 km, no handebol cerca de 4,6 km, no futsal no campeonato espanhol por exemplo 4,6 km, e no último jogo do FC Barcelona na Champions League, 10,8 km para o jogador Iniesta – em jogo que sua equipe venceu pelo placar de 4 a 0.

Claro, as dimensões do terreno de jogo no futebol, associadas ao tempo de duração e ao número reduzido de substituições de jogadores em uma partida, o tornam um dos mais desgastantes dentre todos – e se pesarmos o fato de que o futebol é jogado ao ar livre, sob sol, sereno e/ou chuva fica mais fácil ainda entender as dimensões do desgaste que proporciona aos seus praticantes (e a acentuada perda de massa corporal nas partidas).

Autores importantes da fisiologia e bioquímica do esporte (como por exemplo, Bangsbo, Gunnarsson, Nédelec, Nielsen e seus colaboradores) vem relatando ao longo dos anos que se todos os procedimentos nutricionais e de recuperação forem realizados em favor do jogador após uma partida em que jogou 90 minutos, é possível que após 96 horas do jogo (ou seja, mais do que as 72 horas normalmente admitidas como necessárias), o atleta ainda não tenha conseguido recuperar 100% do seu glicogênio muscular – combustível importantíssimo para jogar futebol.

Se tomarmos o Brasil como exemplo, é possível que por questões geográficas, associadas a variáveis logísticas de viagens, clima e gramados, as preocupações com o desgaste sofrido por um jogador tenham que ser ainda maiores do que as normalmente tidas como "padrão".

E o grande número de acelerações, frenagens e tomadas de decisão que um jogador de futebol realiza em uma partida (com ou sem bola) faz com que o desgaste metabólico/energético não seja o único grande problema para a recuperação e para os jogos: há ainda prejuízos neuromusculares importantes que na prática levam ao aumento de erros nas "ações técnicas", por prejuízo na coordenação fina – e acumuladamente a lesões – além de erros de decisão que podem levar o jogador a ações técnico-táticas equivocadas.

O futebol é também essencialmente um jogo de "resistência de concentração", onde há uma "briga" constante para a manutenção do foco naquilo que precisa ser feito em nível de excelência e em frações ínfimas de tempo.

Então, sob o ponto de vista da neurociência e da psicologia do esporte, o desgaste global do jogador de futebol em uma partida é resultado de um sem número de fatores que interligados e integrados criam um emaranhado de variáveis que dão caráter de complexidade sistêmica ao jogo.

Esse desgaste sistêmico, acumulado ao longo de semanas de jogos e recuperações incompletas vão resultando, a médio prazo, em jogadores com desempenhos menos constantes, ações técnicas menos precisas e repressão a criatividade.

A longo prazo os prejuízos acumulados podem levar a jogos menos atrativos, jogadores mais cansados, propensos a lesões, e claro, carreiras atléticas de alto nível competitivo encurtadas.

Como escrevi no início do texto, o futebol, jogado em altíssimo nível competitivo tem peculiaridades muito importantes, e se não olharmos para elas "complexamente" poderemos não entender ocorrência em princípio atribuídas a "sorte" e "acaso".

É isso…

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