Manipulando as regras do jogo

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“Jogo é treino e treino é jogo”!

Esta frase nunca foi tão real como nos dias de hoje no futebol brasileiro. Cada vez mais, os profissionais das comissões técnicas, têm aderido em seus treinamentos o incremento de jogos com regras adaptadas. A utilização desta ferramenta pelos profissionais, até certo tempo atrás causava estranheza (e até preconceito), em atletas, dirigentes, mídia, torcedores e, por vezes, entre os próprios membros das comissões, por gerar dúvidas quanto a sua eficácia em condicionar os jogadores. Porém, com cada vez mais pesquisas e estudos a respeito, mais um paradigma vem sendo quebrado e os jogos com regras adaptadas estão se popularizando e ganhando cada vez mais espaço nas periodizações das equipes, seja nas categorias de base ou equipes profissionais.

Das várias vantagens de se utilizar jogos com regras adaptadas para o treinamento, destaco aqui a possibilidade de gerar a imprevisibilidade, tão marcante no futebol, e assim respeitar um dos grandes e principais princípios do treinamento, a especificidade. Os treinos, sob o viés do jogo, podem ser extremamente próximos da realidade que os atletas encontrarão em uma partida, sendo o futebol tão imprevisível, é necessário que os atletas estejam preparados para isso. Logo não haverá nada mais específico na preparação de uma equipe, para as situações imprevisíveis de um jogo, do que a utilização do próprio jogo como ferramenta de treino.

Entretanto, ao mesmo tempo que os jogos com regras adaptadas têm grande poder em preparar os atletas, se não bem planejados, tem o mesmo poder em gerar um efeito negativo na equipe. Vejamos o exemplo destes dois jogos abaixo:

jogo1-jogo2

Regras:

 – Jogo 1: A equipe só poderá finalizar ao gol após trocar no mínimo 7 passes sem que perca a posse da bola ou ela saia para fora do campo, caso aconteçam essas situações, a contagem dos passes deve ser zerada.

– Jogo 2: A cada 7 passes que a equipe trocar será acrescido 1 ponto a mais ao valor do gol quando este for marcado. As duas equipes iniciam o jogo com seus gols valendo 1 ponto.

Os dois jogos possuem os mesmos objetivos, são iguais em dimensão do campo e quantidade de atletas, havendo diferenças “somente” em suas regras específicas. São duas atividades que já utilizei com as equipes que trabalhei.

Dado estes cenários, vejamos a tabela abaixo que mostra os principais comportamentos que estes jogos irão induzir nos jogadores:

Jogo 1 Jogo 2
Ofensiva A tendência é de que haja um alto número de tentativas de trocas de passes, sem que estes necessariamente busquem progressão ao gol adversário, e de baixo número de finalizações. A tendência é de que haja um equilíbrio maior entre o número de passes e de finalizações, e que os passes busquem mais a progressão ao gol adversário.
Defensiva Os jogadores tendem a exercer uma marcação mais branda, pois têm a vantagem de o adversário não poder atacar seu gol a qualquer momento. Os jogadores tendem a exercer uma marcação mais intensa, visto que o adversário pode atacar seu gol a qualquer momento.
Transições Serão mais lentas. Não há a necessidade de progredir ou impedir progressão imediata do adversário. Serão mais rápidas. É vantajoso progredir ou impedir a progressão imediata do adversário.
Bolas Paradas Basicamente serão cobradas de forma curta e não necessariamente buscando progressão ao gol adversário. Poderão ser cobradas direta ao gol ou buscando colocar a bola em uma situação de risco ao adversário.

Ainda que sejam duas atividades com os mesmos objetivos e estruturas, a diferença de regra entre elas, as tornam muito diferentes em termos de resultados da dinâmica do jogo. Como podemos ver na tabela, fica claro que o jogo 2 conseguirá contemplar os dois objetivos primários de forma mais satisfatória e, principalmente, este respeita muito mais o princípio da especificidade, ele é muito mais imprevisível que o jogo 1. Além disso, a quantidade de repetições de ambos os fundamentos (passe e finalização) no jogo 2 será mais satisfatória, haverá mais finalizações e passes objetivos. As diferenças de comportamento que cada jogo irá induzir nos atletas também são marcantes, enquanto o jogo 2 estimula os jogadores a serem mais rápidos no processo tomada de decisão+ação, o jogo 1 causa o efeito contrário, os deixando mais lentos neste processo.

Claro que somente o jogo pelo jogo não será suficiente para se alcançar objetivo nenhum, a frase do Prof. Dr. Alcides Scaglia “A didática transcende o método” sempre ecoa em minha mente a cada nova sessão de treino, a didática de quem aplica o treino é extremamente importante para que este seja efetivo, aliado ao conhecimento e domínio do método que se pretende aplicar. Caberá ao treinador realizar as abordagens adequadas às situações que ocorrem no treino, afim de que este faça sentido para os atletas, que sejam tangíveis e contextualizadas as ações do treino para o jogo.

Aqueles que optam pela utilização dos jogos com regras adaptadas devem ter bem claro quais são os objetivos com estes jogos, que comportamentos estas regras irão induzir em seus jogadores, se a dinâmica deste jogo irá contemplar os princípios de especificidade e imprevisibilidade, além de garantir um elevado índice de repetições dos objetivos desejados. Esta tarefa não é simples e exigirá o consumo de certo tempo de planejamento refletindo sobre os jogos, porém, quando a comissão encontra as características adequadas dos jogos para a equipe e as ideias de futebol que possuem, as chances de se obter bons resultados aumentam consideravelmente.

Metodologia

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