O Nordeste, a Inglaterra e o boxe: futebol é entretenimento

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O técnico Arrigo Sacchi, que comandou a seleção italiana na Copa do Mundo de 1994, disse uma vez que o futebol é “a coisa mais relevante entre as coisas menos relevantes do mundo”. É um segmento que emprega milhares de pessoas, movimenta cifras incalculáveis e tem papel preponderante como agente formador. Por isso, a verdade é que exigimos demais do futebol.

Queremos que ele empregue mais pessoas, seja mais austero, divida melhor as receitas e forme pessoas melhores. Em muitos momentos, quase nos esquecemos de algo fundamental: antes de tudo, futebol é entretenimento. O término dos principais torneios estaduais do Brasil mostrou isso.

No último domingo (03), decisões no Ceará e no Rio Grande do Sul acabaram em batalhas campais entre torcedores. Futebol é coisa séria, sim, e mexe com paixões capazes de fazer com que até mesmo pessoas sensatas participem de coisas assim. E isso não é um juízo sobre o ato, mas uma constatação: trata-se de um segmento que exerce enorme impacto no aspecto emocional das pessoas.

É aí que muitas vezes nos perdemos. Por ser algo com uma carga tão dramática e que movimenta tanta gente, acabamos esquecendo que futebol é essencialmente entretenimento. Que pode e deve ser levado a sério – como outras áreas do entretenimento, aliás –, mas que não pode extrapolar essa noção.

E por que essa discussão é pertinente? Ora, vejamos o que aconteceu no último fim de semana: com tantas decisões de Estaduais e tantos jogos extremamente representativos, que tipo de entretenimento foi oferecido aos torcedores? Que tipo de lembrança eles terão além do que aconteceu nas quatro linhas?

Em São Paulo, por exemplo, nem a liturgia do Hino Nacional foi respeitada. Enquanto a música era executada, o Palmeiras entrava em campo – apenas o Santos estava perfilado. O atraso deveu-se a um desses absurdos logísticos do esporte nacional – a chegada do ônibus alviverde coincidiu com a entrada de uma torcida organizada, e o policiamento teve de ser destacado para acompanhar os adeptos.

A Fifa dá um exemplo simples disso ao criar produtos alusivos aos jogos da Copa do Mundo – eram camisetas em 2010, na África do Sul, e foram copos personalizados em 2014, no Brasil. O futebol brasileiro não consegue sequer organizar uma festa de premiação que seja atrativa para quem está no estádio ou vê a partida pela televisão.

Pensar no futebol como entretenimento é entender que a experiência de um jogo não tem a ver apenas com o que acontece dentro das quatro linhas. O torcedor é um consumidor que precisa ser instigado a todo instante e que tem de ser considerado em cada ponto do planejamento.

O futebol, afinal, concorre diretamente com o cinema e com o teatro. É o lazer das pessoas, e as pessoas investem em lazer porque esperam um retorno em experiências. Aqui vale a lógica dos apaixonados por viagem (“viajar é a única coisa que você compra e que faz você ficar mais rico”).

O último fim de semana teve um exemplo contrário. Ninguém passou incólume pela luta entre Manny Pacquiao e Floyd Mayweather. O duelo de boxe foi tratado como a “luta do século”, promovido exaustivamente e recheado de histórias além do ringue. Com tanto em jogo e tanto entregue ao público, o que aconteceu no ringue foi o de menos.

Agora tente lembrar de qualquer jogo de futebol no Brasil durante o último fim de semana. Mesmo com tanto em jogo, qual Estadual teve um esforço de promoção tão grande? Qual teve tantas histórias e tantas coisas para as pessoas acompanharem?

Em vez disso, os exemplos que ficam são as confusões. As brigas em campo e o que aconteceu em Santa Catarina são as marcas dos torneios regionais (uma disputa judicial impediu a federação catarinense de confirmar no domingo o título conquistado pelo Joinville).

Por isso, parece até utópico falar em conceito de entretenimento. Os torneios regionais do Brasil são exemplos do contrário: não conseguimos sequer fazer o básico na estrutura do esporte nacional.

Organizar adequadamente o esporte demanda conhecer melhor o consumidor. É o caso dos estaduais, por exemplo: eles são relevantes e importantes para a manutenção de toda a cadeia, mas ainda têm o mesmo apelo? Há sentido na manutenção das atuais bases? Existe um público para isso?

A Copa do Nordeste é uma demonstração do quanto é impensável manter os atuais formatos. É o torneio regional mais bem sucedido no Brasil em 2015 – na relação custo-benefício e na questão de popularidade. É um exemplo em muitos sentidos: promoção, geração de mídia espontânea, relação com os parceiros de transmissão, aproveitamento de recursos, divisão de receita e venda de produtos, por exemplo.

Esse sucesso começa a chamar atenção de outros clubes. Tem muito a ver com a copa ter uma estrutura própria, muito mais ágil e profissional do que as federações estaduais. Num cenário em que uma liga nacional é politicamente inviável, esse é um modelo híbrido e já representa enorme evolução.

Não é necessário matar os estaduais para termos um futebol melhor. Precisamos apenas mudar o jeito de pensar sobre os campeonatos – e isso independe de quais campeonatos. Precisamos passar a ver o futebol como um produto de entretenimento, com todas as coisas necessárias a um bom produto.

É uma discussão que o Brasil precisa ter, mas que os dirigentes daqui evitam. Na Inglaterra, onde o tratamento dado ao futebol é o de um produto, os torcedores já entenderam bem isso. Não por acaso, na semana passada a torcida do Arsenal entoou um grito irônico sobre o Chelsea, que conquistou no último domingo o título nacional (algo como “Chato, chato, Chelsea”, como você pode ver aqui, ó: https://goo.gl/UUF2wz).

Os torcedores ingleses reclamaram porque não querem um jogo que seja apenas sobre vencer ou perder. Futebol é muito mais do que isso e envolve emoções que não podem ser traduzidas apenas pelo placar. A sobrevivência dos estaduais depende de os dirigentes entenderem isso.

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