Por que o êxodo de jogadores brasileiros não é apenas questão de dinheiro

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Dois dos principais alicerces do Cruzeiro que venceu o Campeonato Brasileiro em 2013 e 2014, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart também simbolizaram o esfacelamento do elenco celeste no início do ano passado – foram para o Ah-Ahli, dos Emirados Árabes Unidos, e Guangzhou Evergrande, da China, respectivamente, e tomaram caminho que foi seguido por Egídio, Marcelo Moreno e Lucas Silva. Uma temporada mais tarde, o sucesso colocou outro clube na alça de mira de equipes do exterior. Semanas após ter vencido o Nacional de 2015, o Corinthians perdeu Jadson (Tianjin Songjiang), Ralf (Beijing Guoan), Renato Augusto (Beijing Guoan) e Vagner Love (Monaco). A desconstrução alvinegra ainda pode ter Gil, Elias e Malcom, assediados por times de outros países. Em dois anos, o mercado deu lições perfeitas sobre alguns dos problemas mais contundentes do futebol brasileiro.
O êxodo de jogadores nacionais existe há décadas e não cresceu de forma expressiva nos últimos anos. No entanto, o que chama atenção é o perfil. Primeiramente, todos os destaques do futebol brasileiro nas últimas temporadas foram negociados. Além disso, de toda a lista citada, apenas Lucas Silva (Real Madrid) foi para uma das principais equipes do planeta. Dos quatro últimos protagonistas do Campeonato Brasileiro, um está nos Emirados Árabes (Éverton Ribeiro) e três foram para a China (Ricardo Goulart, Jadson e Renato Augusto).
É claro que a alta do dólar torna o mercado brasileiro mais suscetível às negociações. O Fluminense recebeu 16 milhões de euros (R$ 60 milhões) da Roma pelo meia Gerson, por exemplo. Em uma transação, o time tricolor amealhou o dobro do que o Corinthians recebeu da Caixa Econômica Federal em 2015 pelo patrocínio máster (R$ 30 milhões). A variação cambial interfere diretamente no peso que a cessão de atletas tem para o faturamento das equipes – sobretudo as que têm maiores dívidas de curto prazo ou menor potencial de receita.
Também é claro que há uma onda causada pela ascensão da China como mercado comprador. O país asiático conviveu durante muito tempo com políticas restritivas a esportes coletivos, mas o atual presidente é entusiasta do futebol. Existe um plano de longo prazo para evolução na modalidade, e isso passa diretamente pela compra de mão de obra qualificada no curto prazo. Tudo isso num cenário em que os clubes têm situação econômica estável e são controlados por empresas ou empresários com enorme poder financeiro.
Contudo, é chocante notar a fragilidade dos clubes brasileiros, que não conseguem sequer endurecer negociações de seus principais jogadores – Roberto de Andrade, presidente do Corinthians, falou abertamente sobre isso em entrevista coletiva concedida na semana passada. Também é estranho ver que os protagonistas do futebol nacional não encontram espaço nas equipes mais fortes do planeta e acabam concentrados em mercados periféricos, sem alto nível de competitividade ou disputa técnica. A consequência direta disso é a queda de desempenho, o que afastou nomes como Diego Tardelli, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart da seleção brasileira.
O cenário escancarado pela atual janela de transferências mostra algumas características relevantes dos jogadores que dominam o alto nível do futebol brasileiro atualmente. Os atletas que vivem auge técnico e físico estão longe do país, que tem predominância de jovens em estágio de formação ou atletas em curva decadente. Não é por acaso que Lucas Silva (22) e Gerson (18) são os únicos citados no texto que foram para mercados relevantes. As equipes de maior poder técnico do planeta não investem em atletas que tenham mais de 25 anos e que estejam longe da Europa.
Ao negociar jogadores que ainda estão em estágio de evolução, o Brasil se priva de viver a maturidade desses atletas. Neymar teve uma ascensão extremamente precoce, mas é inegável o quanto ele evoluiu – e está evoluindo – na Espanha. O auge do camisa 11 do Barcelona não aconteceu no Santos, time que o moldou e que aproveitou por pouco tempo um talento em quem investiu tanto – e que trouxe resultados nesse curto prazo, diga-se.
Principalmente em períodos de Real em baixa, é impossível para um clube brasileiro competir financeiramente com equipes de outros países. Também existe uma questão de característica do mercado local, que sempre tratou a negociação de atletas como fonte de receita relevante. O que todas essas cifras oferecem, entretanto, é uma chance para o Brasil olhar além do dinheiro e da distância econômica para outros centros.
O caso de Renato Augusto é exemplar. Há dois meses, o meia do Corinthians chorou ao fazer um gol pela seleção brasileira – não apenas pelo feito, mas por ter chegado à titularidade da equipe nacional após temporadas de irregularidade e lesões. Na última semana, trocou tudo isso por um salário de R$ 2 milhões (livre de impostos) na China.
Como qualquer profissional, Renato Augusto deve ter colocado as coisas na balança quando recebeu a proposta da China. De um lado, a chance de ter uma condição financeira estável por muito tempo e alguns ganhos pessoais – contato com uma cultura nova, por exemplo. De outro, perda técnica, distanciamento da seleção, nível de competitividade mais baixo e qualidade de vida inferior (Pequim é uma cidade com nível de poluição mais alto, e a China tem questões como um governo menos democrático).
A lista dos argumentos contra a transferência poderia ser bem mais eficiente se houvesse algo a pesar no Brasil além da seleção (que perdeu relevância em termos de carreira) e qualidade de vida. O que falta nessa equação é plano de carreira.
No Brasil, nos acostumamos a entender plano de carreira como um projeto para aposentadoria ou para o longo prazo. Na verdade, o que falta em casos como o de Renato Augusto é uma ideia de como ele pode ser aproveitado (e valorizado) no mercado nacional.
O meio-campista talvez não tenha um potencial para faturar com marketing ou venda de propriedades comerciais. Talvez não seja nem essa a ideia do Corinthians para ele. No entanto, é simplista entender a saída dele apenas como uma equação financeira. Nenhum profissional decide uma mudança tão drástica na carreira apenas por dinheiro, ainda que esse seja o fator mais relevante.
Existe uma discussão sobre antecipação de riscos no caso – a multa rescisória do contrato dele era baixa, fruto de uma política errada do Corinthians, e o clube precisava se desfazer de atletas para equacionar receitas. No entanto, a discussão mais pertinente no caso é o que o time tem a oferecer a seus principais atletas. Se não por dinheiro, por que Renato Augusto poderia ficar?
Enquanto não se preocupar com isso, o Brasil seguirá chorando por não poder concorrer com outros mercados. Caso contrário, talvez o país entenda que a NBA está longe de ser a única liga de basquete com dinheiro no planeta. Aliás, está longe de ser a liga com mais dinheiro no planeta. Contudo, não é apenas por dinheiro que todos os jogadores de basquete do mundo querem jogar nos Estados Unidos.
E sem contar o dinheiro, algum jogador ainda tem o futebol brasileiro como sonho de carreira?

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