Porque o Brasil não dá Liga

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Prega a epistemologia que, para dizer o que uma coisa é, primeiro é preciso definir o que ela não é. E a impressão que eu tenho é que muita gente no Brasil não sabe muito bem o que é uma liga. Então, vamos primeiro definir o que não é uma liga.

O Clube dos Treze não é uma liga.

Não é, nunca foi e nunca será.

Quando ele nasceu em 1987 e criou a Copa União, quase virou uma liga. Mas ficou por aí, no quase.

Uma liga é, de maneira bem simples, um campeonato. Nada mais do que isso.

Ela é constituída pelos clubes que disputam esse campeonato e serve como uma instituição coletiva que se preocupa com a organização, a comercialização e a sustentabilidade do torneio.

Daí, portanto, a razão de o C13 não ser uma liga. Apesar de ele, de fato, ser responsável por uma parte significativa da comercialização da Série A do Campeonato Brasileiro, o órgão não é formado pelos clubes que participam da competição, e sim por um grupo de clubes que não necessariamente toma parte do torneio. É, enfim, uma aberração esportiva.

Suponhamos que o Brasil tivesse uma liga, tipo a Bundesliga – provavelmente o melhor exemplo de liga no futebol tirando a MLS, e que ela se chamasse ‘Liga Brasil’, pra facilitar as coisas. Fosse verdade, o nome certamente não seria esse, já que iriam inventar algo do tipo ‘Grande Liga Brasileira’ ou homenagear algum personagem histórico da administração do futebol nacional, tipo ‘Liga Onaireves Moura’.

De qualquer maneira, a Liga Brasil teria que ser uma entidade independente e soberana, onde fariam parte do seu conselho os representantes de todos os clubes que disputam o campeonato ou campeonatos, caso a LB também cuidasse da Série B. Nesse conselho, os clubes teriam voto único e teriam que obedecer a um estatuto muito bem redigido que deixaria o poder da LB superior à vontade desses clubes sob qualquer hipótese.

Para uma liga dar certo, ela precisa ser muito mais importante que os clubes que fazem parte dela, independentemente do tamanho ou importância histórica do clube.

Aí já aparecem dois problemas que inviabilizam a formação de uma liga no Brasil. Primeiro, porque a igualdade entre clubes nunca vai acontecer. Essa igualdade não se dá apenas na representação política, ou seja, na ideia do “um voto para cada participante da liga”. A igualdade, na verdade, se faz muito mais presente na distribuição de receitas, já que todos os clubes participam do mesmo campeonato e cinco clubes sozinhos não conseguiriam disputar uma competição que durasse um ano inteiro.

Como as receitas provenientes de outras fonte é escassa – como as receitas de dia de jogo -, os clubes grandes só conseguem obter vantagem competitiva através do formato atual do contrato de televisão. Portanto, eles não estariam dispostos a abrir mão da atual divisão de receitas em prol do fortalecimento da liga sob o risco de perder dinheiro e, consequentemente, vantagem competitiva.

O segundo impeditivo é quem seria o representante do clube na LB, ou LON, no conselho da liga. No C13, quem representa os clubes são os presidentes. Em uma eventual liga, os representantes precisariam ser executivos remunerados e com dedicação exclusiva aos clubes, uma vez que o fato de um presidente eleito de clube só permanecer no cargo por um período que pode ser a partir de dois anos faz com que a rotatividade do conselho da liga seja muito alta, o que certamente atrapalharia seu funcionamento.

Pior: presidentes que se movem por ações políticas e ações políticas de clubes dificilmente se conciliam com o interesse da coletividade. Para o presidente de um clube (e principalmente para seus eleitores), é muito mais importante superar o grande rival e ter vantagem em tudo que for possível do que pensar num acordo coletivo. Isso invariavelmente afeta o comportamento de uma liga e impede que ela consiga ser mantida por muito tempo. Um executivo provavelmente teria não apenas mais segurança de continuidade como pautaria suas decisões em concordância com variáveis mais racionais.

Adicionando a esses dois fatores, a própria ideia fundamental de uma liga impede a sua criação de maneira apropriada no Brasil. Uma liga tem que buscar a sustentabilidade financeira do seu campeonato. Portanto, mais importante do que gerar receitas, uma liga bem sucedida precisa implementar fórmulas de contenção de custos. De nada adianta aumentar receitas se os custos com salários e transferências aumentam ainda mais. Só que para controlar esse tipo de coisa, a liga precisaria, novamente, afetar os clubes, principalmente os grandes.

Métodos de controle de gastos teriam que ser implementados, o que impediria clubes de cometerem loucuras financeiras em prol do resultado em campo. E dificilmente o presidente de um grande clube conseguiria se submeter a esse controle caso o time estivesse seriamente ameaçado de rebaixamento.

No fim das contas, a verdade é que uma liga precisa favorecer a pluralidade em detrimento da individualidade. E no Brasil, clubes, presidentes, conselhos e sócios estão mais preocupados com o seu próprio umbigo. Enquanto isso permanecer – e nada indica que haverá qualquer mudança -, qualquer tentativa de liga não conseguirá funcionar direito por muito tempo. Independentemente de quem for o seu presidente. Nem se for o Onaireves Moura.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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