Preguiça, “migué”, “tiriça”… será que é sempre só isso mesmo?

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Amigos leitores, quem aqui, em algum momento de sua vida, não sentiu um certo desânimo, falta de vontade, preguiça (popularmente chamada de “migué” ou “tiriça” no meio futebolístico) para realizar algum tipo de atividade? Acredito que este seja um sentimento natural a todo ser humano. Este sentimento pode ser motivado por diversos fatores, porém, em grande parte, aflora em função da atividade a ser realizada. Dificilmente temos este sentimento em realizar atividades prazerosas a nós; ele vem atrelado à realização de atividades que não nos geram motivação, prazer. Como já dito, algo natural dada a condição.

O futebol deve ser algo prazeroso a quem pratica e a quem assiste. Em minha concepção, se isso não estiver ocorrendo, há algo de errado em algum ponto do sistema. O despertar do interesse pelo futebol nas crianças se deve ao prazer que ele proporciona, a alegria de correr atrás da bola, de marcar um gol, de driblar, defender um pênalti, de assistir uma partida do time de coração junto aos pais, ir ao estádio… Tudo isso fascina as crianças e, logo cedo, as impulsiona a sua prática no quintal de casa, driblando o cachorro, nas escolinhas e em outros espaços (ao longo dos anos essas práticas primárias do jogo vêm perdendo espaço para atrativos eletrônicos, mas este é outro assunto.).

Com o passar do tempo e o seu amadurecimento, as crianças começam a fomentar um sonho maior, desejam ser jogadores profissionais, jogar em estádios lotados, defender a camisa do clube de coração, da seleção, do time onde seu ídolo joga e, em busca da realização destes e outros sonhos, buscam ingressar nas categorias de base dos clubes. A esta altura, o cuidado com estes sonhos deve ser muito grande, principalmente por parte de pais e treinadores, que também possuem aspirações pessoais ligadas aos jovens jogadores.

Síndrome de Burnout é uma síndrome psicológica identificada e estudada primeiramente pelos psicólogos Herbert J. Freudenberger, Christina Maslach e Susan Jackson, entre as décadas de 70 e 80. Foi o termo adotado ao estado de fadiga e exaustão, ou perda de energia física e mental, despersonalização e reduzida realização profissional, fruto de aspirações exageradas a alcançar objetivos não realistas traçados pelo indivíduo ou pelos valores da sociedade, e também pelo envolvimento com pessoas dependentes, de algum modo, de sua ação profissional. Os estudos direcionados à presença do Burnout no contexto esportivo apontam que não é o grau de profissionalismo que determina sua presença, mas sim as circunstâncias esportivas e as fontes de estresse associadas à pratica esportiva a qual o sujeito está exposto, tais fontes e circunstâncias podem ser: o estilo do treinador, altas demandas competitivas, estratégias de enfrentamento, estilo de vida externo, monotonia do treinamento e escassez de reforços positivos. No intuito de melhor diagnosticar e mensurar a síndrome em atletas, pesquisadores desenvolveram o Athlete Burnout Questionnaire (ABQ), considerado o mais adequado para o contexto esportivo. Além da falta de motivação, queda de desempenho e exposição a lesões, uma das últimas consequências da síndrome é o abandono da prática esportiva.

Agora, num contexto em que há jogadores com muitos sonhos e aspirações, pais e treinadores com grandes expectativas e ambições a respeito do desempenho destes jogadores, estão desenhando um propício cenário ao desencadeamento desta síndrome em atletas. Isso não quer dizer que, repentinamente, estes irão abandonar a prática esportiva, esse processo ocorre de forma mais lenta e muitas vezes silenciosa. Mas é claro, isso não é uma regra, nem todos virão a desenvolver, mas todos estão sujeitos se não bem conduzidos e orientados quanto aos aspectos psicossociais do jogo e de tudo o que o cerca.

Reflitamos sobre a seguinte situação, após uma temporada exaustiva, repleta de concentrações, sessões de treino e jogos, o que grande parte dos atletas vão fazer em seu período de férias? Participar das famosas “peladas” de final de ano, jogos sem cunho competitivo e muitas vezes de apelo a causas sociais, quando o placar do jogo é o menos importante e os jogadores buscam o prazer em “bater uma bola”. É fácil constatar que o futebol continua a ser efetiva fonte de prazer a estes atletas e que eles não deixam de encontrar motivação para sua prática, mesmo após concretizarem muitos dos sonhos de criança. Sendo assim, por quais motivos observamos estes jogadores apresentarem desleixo, displicência, desmotivação, os famosos “migué ou tiriça” em treinos e jogos ao longo da temporada? Por que jogadores de notória capacidade passam a apresentar um desempenho aquém do que poderiam alcançar? Será que só o caráter competitivo é o desencadeador destes comportamentos? Por que Adriano “Imperador” desistiu do futebol tão cedo? Por que aos 42 anos Zé Roberto continua atuando? Por que jogadores como Zidane e Pirlo, já com idades avançadas, 34 e 35, disputaram finais de Copa do Mundo e Champions League, enquanto jogadores como Ronaldo e Ronaldinho já não figuram mais no protagonismo da disputa de grandes títulos?

O prazer, a motivação, a inspiração, a alegria, são fatores intrínsecos ao jogo, cada apaixonado pelo futebol, ao tentar voltar a mais remota lembrança de contato com o jogo, trará a memória tais sentimentos. A desmotivação, falta de alegria, de prazer pela prática, são fatores que se desencadeiam ao longo do processo, muito em função de fatores estressantes identificados no Burnout.

Finalizo esta coluna com a seguinte questão: Se a alegria, o prazer, o lúdico, são elementos motivadores que podem facilitar o bom desempenho e estão no cerne da prática do futebol, por que então não os levar em consideração, estimular e utilizar como aliados no planejamento e aplicação dos treinos?

Bons treinos! Que nossa ação seja mais motivadora e condutora de realização de sonhos, do que desestimulante e condutora da deserção do jogo. Até a próxima.

REFERÊNCIAS

PIRES, D. A.; BRANDÃO, M. R. F.; SILVA, C. B. Validação do questionário de burnout para atletas. Revista da EDUCAÇÃO FÍSICA/UEM, Maringá – PR, v. 17, n. 1, 2006. http://eduem.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/3353 

VERARDI, Carlos Eduardo Lopes. Burnout e estratégias de enfrentamento em jogadores de futebol profissionais e amadores.. 2008. 115 f. Tese (Doutorado em Medicina Interna; Medicina e Ciências Correlatas) – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, 2008. http://bdtd.famerp.br/handle/tede/83

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