Princípio das propensões

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No íntimo da periodização tática, tudo e todos interagem nos diversos níveis, o que contribui decisivamente para modelar as “probabilidades do jogar.” E o princípio das propensões está intrínseco a isso. Não caminha só. Precisa da interação dos outros princípios, de outros fenômenos e do entendimento situacional-contextual.

Estar propenso há algo não é simplesmente escolher um determinado aspecto isoladamente ou escolher uma propriedade estática pré-determinando mecanicamente algo, mas sim criar um contexto inerente a uma situação que prepare realmente para uma situação superior.

Além dessas grandes interações, múltiplas propriedades devem ser levadas em conta na operacionalização desse princípio, pois elas criam estados que geram propensões e vão criando naturalmente cenários de diversos formatos que não são possibilidades lógico-matemáticas, restritras ou fechadas, mas sim probabilidades/tendências abertas, abertas ao novo, o que ocasiona a elaboração da construção de estágios propensos evolutivos.

Crédito: Imagem criada pelo autor
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É imperativo perceber que um jogar contém diferentes partes, umas maiores e mais complexas, outras menores e menos complexas, mas todas elas ligadas e implicadas no coletivo1. Ao treinador cabe criar contextos ricos de vivenciação, que permitam que os desempenhos dos jogadores verifiquem uma elevada ocorrência de inter-ações relativas ao jogar, e de modo particular às nuances que o jogar vai verificando ao longo dos vários dias do Morfociclo2.

Os exercícios devem ter uma propensão que faça acontecer. O mesmo é dizer, tem de fomentar uma dinâmica concreta, uma funcionalidade específica, mais macro ou micro, mas sempre representativa do jogar que se deseja1.

E a especificidade que é a geometrização da funcionalidade, advém de levar a efeito o princípio metodológico das propensões. O Morfociclo é levado a efeito com o quê? Com os princípios metodológicos, com a propensão. Os exercícios, o jogo no início, não é começar a jogar de uma forma menos complexa, é não ser possível a máxima qualidade, mas que isso vá acontecer ao longo de todas as outras semana3.

Crédito: imagem criada pelo autor
Crédito: imagem criada pelo autor.

O propósito não passa por quantificar ações, mas antes de criar contextos de exercitação que conduzam a uma determinada dominância relativa ao jogar, sem deixar de ter em conta o padrão de desempenho e de desgaste que caracterizam aquele dia do Morfociclo, os tipos de contração muscular, a matriz metabólica e outros aspectos2.

A calibragem do contexto tem de acontecer respeitando um pressuposto fundamental: a permanente correspondência com o padrão de solicitação implicado nos desempenhos do jogar que se pretende1.

A questão não é simplesmente propor algo para a equipe do nada, sem fundamento, sem uma prévia adaptabilidade ou realmente sem uma densidade significativa de aspectos pretendidos. A propensão é algo que acontece e faz acontecer com critérios que respeitem uma lógica as relações criadas que vão ganhando contornos evolutivos experiênciados e vivenciados na prática.

Criar propensões é calibrar o contexto para que este fomente uma dinâmica, mas uma dinâmica inteira, isto é, não apenas uma funcionalidade mas também a estruturalidade (bioquímica, neuromuscular, anatômica), todas dimensões (tática, ténica e psicológica) e a bionergética que gera o novelo energético do jogar. Entendendo isso, dosando corretamente os tempos de esforço, os tempos de intervalo, cria-se a teia do jogar não atrapalhando o padrão bionergético pretendido1.

Crédito: imagem criada pelo autor
Crédito: imagem criada pelo autor

Julian Tobar, treinador que realiza um grande trabalho na equipe Sub-20 do Joinville Esporte Clube, profundo conhecedor da periodização tática, em uma breve conversa com o autor da coluna, reforça ainda mais o princípio das propensões:

 “O princípio metodológico das propensões refere-se à modelação dos contextos de propensão/exercitação”, com o objetivo de criar contextos relativos ao jogar que se pretende, que possibilitem o aparecimento do que se quer treinar com elevada frequência. A ideia de propensão tem a ver com o fato de proporcionar que o exercício (“contexto de propensão”, talvez seja a palavra mais ajustada) seja mais propício ou provável a ocorrência de determinado acontecimento, no caso do treino de futebol, determinada interação e mais especificamente, no nosso caso, deverá promover o aparecimento de interações intencionalizadas condizentes com nossa ideia de jogo. 

Daí a ideia de modelar o contexto no sentido de tornar mais provável aquilo que se deseja que aconteça, fazendo com que o caos seja determinístico, sobre determinando-o. O princípio das propensões tem a ver com a contextualização dos propósitos que se querem alvo de repetição sistemática, sendo que o que se pretende é que as preocupações de momento do treinador apareçam regularmente em treino, em vez de outras quaisquer – a todos os níveis. Por exemplo, se eu quero aprimorar alguns aspectos da minha organização defensiva, só conseguirei treinar e desenvolver isso com qualidade se criar e operacionalizar em treino, um “contexto de exercitação” que, através da sua configuração, faça com que os jogadores (aqueles que quero “dar ênfase”) passem a maior parte do tempo defendendo, e, portanto, experienciando as interações intencionalizadas que pretendo.

Definitivamente, quando pensamos na criação de um exercício, ele deve estar configurado e, portanto, propenso para que o que queremos treinar ocorra muitas e muitas vezes, consoante à configuração da unidade de treino preconizada pelo Morfociclo Padrão e os propósitos pretendidos. Pegando no exemplo recém citado, ainda que o mais importante (nesta situação hipotética) seja defender, o contexto de propensão na maioria das vezes não deve se limitar a levar os jogadores apenas e unicamente a defender, ainda que este seja seu objetivo prioritário, pois o jogo é um todo e portanto – na medida do possível (e se for desejável) – deve-se promover a conexão e a articulação de sentido dos momentos do jogo, numa escala macro, meso ou micro. De modo a facilitar que, com o que queremos treinar, apareça com elevada frequência (a todos os níveis do desempenho), as regras impostas, o espaço de jogo, a duração do exercício, o número de jogadores, o período de recuperação e “exercitação”, as intervenções do treinador, são algumas das ferramentas que ajudam o treinador a modelar um contexto de exercitação, direcionando-o para o que lhe interessa.

Devo destacar, contudo, que o princípio metodológico das propensões não possui como propósito propiciar a vivência exacerbada somente da ideia de jogo do treinador nas suas diferentes escalas (macro princípios, meso princípios e micro princípios), mas também promover com elevada frequência o aparecimento de um determinado tipo de contração muscular (predominante), da matriz metabólica implicada, determinadas dinâmicas de desempenho e recuperação, da intensidade máxima relativa a vivenciar e experienciar, e um conjunto de outras coisas, segundo o dia do Morfociclo. 

Atirar todas as velhas evidências e os vícios conceituais para “o saco do lixo”, por vezes não é fácil. Dentro de um processo de construção do entendimento metodológico de uma nova tendência, muitas vezes se peca em não conhecer com profundidade a natureza interativa das coisas.

Também está claro que a propensão não é um princípio isolado que se desenvolve apenas selecionando conteúdos e ponto final; ela visa gerar maiores probabilidades de ocorrências de interações que se pretende na equipe. Mas não existe certeza do futuro, apenas probabilidades de acontecimentos futuros. E esta propensão pode ser perfeitamente dinâmica em função do evoluir dos aspectos acontecimentais. Não existe um futuro certo, apenas propensões criadas para jogar dentro do jogo. O futuro não é estático e as propensões também não.

Abraços e até a próxima quarta!

 
 
 
 
1 – AMIEIRO, NUNO. Os exercícios de treino aos Olhos do Enquadramento Conceptual e Metodológico da Periodização Táctica. Textos Professor Vitor Frade, 2017.
2 – MACIEL, JORGE. Pelas Entranhas do Núcleo Duro do Processo. Artigo não publicado, 2010.
3 – FRADE, VITOR. Periodização Tática: fundamentos e perspectivas. Entrevista realizada a Paulo Henrique Borges. Conexões, 2015.

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