Estevam Soares – treinador de futebol

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Estevam Soares, 61, é um excelente exemplo da instabilidade que acompanha a trajetória de treinadores de futebol no Brasil. O profissional trabalha nessa seara desde 1993, quando encerrou trajetória como atleta – havia sido anteriormente um zagueiro marcado pela virilidade e pelo estilo sério. Prestes a completar 25 anos desde que realizou a transição dos campos para as pranchetas, já inseriu pelo menos 38 trabalhos em seu currículo (acumulou três passagens pela Portuguesa e outras três pelo Grêmio Barueri, por exemplo). Jamais emplacou duas temporadas completas no comando de uma mesma equipe.

Apenas em 2016, por exemplo, Estevam trabalhou na Portuguesa, no Tupi-MG e no Bragantino. Voltou ao Canindé em março de 2017, mas foi demitido após dois meses – está desempregado atualmente. A passagem mais longeva do treinador aconteceu no Palmeiras, time que ele comandou por 47 partidas entre 2004 e 2005.

No entanto, Estevam não está resignado. Ao contrário: ainda sonha com chances para deixar de ser um treinador que tem um currículo com mais clubes do que títulos. Para isso, busca inspiração até na trajetória de Telê Santana.

“Ele montou grandes times, foi à Copa de 82 com aquela seleção fantástica e perdeu, montou a seleção de 86 e perdeu, foi para um lado e para outro e acabou sendo premiado na década de 1990 com aquele São Paulo campeão da Libertadores e do Mundial”, disse Estevam em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.

No bate-papo, o treinador falou sobre as aspirações profissionais que ainda mantém e a avaliação que faz sobre o atual estágio do futebol brasileiro. Também explicou sua relação com categorias de base e os perigos que identifica para que elencos profissionais assimilem os atletas mais novos.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Universidade do Futebol – Quais são as bases teóricas do seu trabalho?

Estevam Soares – As referências do meu trabalho estão calcadas em coisas importantes. Comecei como técnico em 1993, quando encerrei minha carreira de atleta no Primavera-SP, mas já vinha me preparando havia algum tempo. O que mais procurei fazer no fim da carreira foi observar treinadores, prestar atenção em tudo que eles faziam, identificar coisas que podiam ser copiadas e ver outras que eu não queria repetir. Tive o privilégio de trabalhar com excelentes pessoas durante minha carreira, e acho que esses técnicos foram minha maior escola. Alguns comportamentos horríveis, que eu abominava, eu procurei tirar da minha forma de trabalhar. Alguns exemplos em termos técnicos, táticos ou de liderança, sempre procurando aperfeiçoar.

Universidade do Futebol – Você se inspira em outros profissionais da sua área? Quais?

Estevam Soares – Como disse antes, ao longo de 21 anos como atleta eu procurei observar meus treinadores e tentar pegar o máximo deles – o bom e o ruim. Hoje é difícil você se inspirar em um técnico A, B ou C porque você não acompanha o trabalho – você apenas observa a equipe adversária ou o time dele jogar. Não dá para ver treinamento, acompanhar o dia a dia ou saber sobre o comportamento como acontecia quando eu era atleta. E no Brasil, nos últimos anos, vimos poucas coisas diferentes. Nós reconhecidamente não temos aqui essa coisa de treinadores criadores na parte tática. Tivemos algumas mudanças, e talvez a maior tenha sido o 4-3-3 que se criou em 1958, mas ainda assim foi circunstancial: Pepe era o titular, mas se machucou na última hora e deu lugar ao Zagallo, transformando num 4-3-3 o que era um 4-2-4.

Nos últimos anos, acho que a grande coisa que tivemos no Brasil foi o Cruzeiro do Marcelo Oliveira, que jogava num 4-2-3-1 que nós trouxemos da Europa. É o 4-2-3-1 que o Mano trouxe, talvez como pioneiro, no Corinthians de 2007/2008. A diferença é que aquele time tinha dois extremos e um meia, e o Marcelo Oliveira montou um time com três meias que rodavam o tempo todo. Era muito difícil de marcar. Talvez não tenha visto muita gente da imprensa falando sobre isso, mas foi uma mudança importantíssima.

Agora, a grande diferença dos últimos anos ou décadas foi o Fernando [Diniz, ex-técnico do Audax-SP] com aquele futebol total – maluco, até. É uma coisa difícil de fazer igual, a não ser que você observe treinamentos ou coisa parecida. Talvez não seja uma fonte de inspiração, mas de admiração.

Universidade do Futebol – Existe um modelo de jogo com o qual você se identifica? É o mesmo que você aplica nos times que comanda?

Estevam Soares – Nós, treinadores do Brasil, somos copiadores da Europa. O futebol foi inventado lá desde o anárquico, piramidal, clássico. Eu até tenho uma palestra sobre isso, mas faz tempo que não faço. As criações táticas, as variações, o próprio 4-2-3-1 de agora… Tudo veio da Europa. Até por causa da instabilidade, treinadores brasileiros não conseguem aplicar o que pensam. Eu, particularmente, gosto muito do 4-2-3-1. Acho muito importante porque você pode transformar rapidamente num 4-1-4-1. Mas acima de tudo, independentemente do sistema, acho importantíssimo trabalhar em cima dos triângulos. O Barcelona deu um exemplo para nós alguns anos atrás, principalmente pelas beiradas, de como as triangulações são importantes. É uma possibilidade muito grande de atacar o contra-ataque, que é usar os dois jogadores da base do triângulo para a retomada quando o que está no vértice perde a posse.

Universidade do Futebol – E um perfil de jogador? Existe um estilo que você prefira ou com o qual você goste mais de trabalhar?

Estevam Soares – Eu seria tolo se respondesse. Acho que diferentemente da maioria dos treinadores o que nós queríamos, o que sonhávamos, é um atleta de porte físico maravilhoso, tecnicamente perfeito, taticamente exuberante, um cara com uma liderança muito boa e que seja respeitador do grupo. Mas é difícil você alcançar ou conseguir reunir tudo isso dentro de um elenco. Em um trabalho com 28 ou 30 atletas, sempre vai ter aquele que você não queria que estivesse ali ou um que te agrade em uma parte X e seja completamente fora do que você pensa na parte Y. Daí acho que é preciso ter uma sensibilidade muito grande, pensar muito e procurar, até certo ponto, relevar algumas coisas. Acima de tudo, são seres humanos e não são completos. Nós não conseguimos ter tudo que queremos. Então, é preciso ter paciência em determinados momentos e ser firme. Se o comandante for firme e mostrar confiança para seus comandados, fatalmente os que têm algum problema vão se enquadrar e você poderá tirar o melhor deles.

Universidade do Futebol – Na sua opinião, quais são as responsabilidades de um treinador de futebol?

Estevam Soares – Totais. Se você falar em termos de resultados finais de jogo, sem demagogia, o treinador tem de assumir vitórias, empates e principalmente as derrotas. Apesar de, como eu falei anteriormente, a situação para o treinador ser muito difícil no Brasil. São poucos que conseguem chegar a um time e montar um elenco a seu gosto. Você pede um atleta X, mas ele traz o Y. “Ah, não deu, não acertou, não foi atrás”. Ele acaba trazendo um que é do interesse dele ou do empresário. Isso diminui um pouco a responsabilidade do técnico, mas só internamente. Na opinião da grande torcida e da imprensa, você acaba pagando por isso.

Agora, no meu íntimo a minha grande responsabilidade dentro de um clube é uma coisa importantíssima, que eu procuro fazer a qualquer custo: tratar todos os atletas com igualdade de condição em todos os aspectos de treinamento, oportunidade, elogio e até na hora de chamar atenção.

E acima de tudo, o que eu não abro mão é de me preocupar com o lado social. Em todas as reuniões, pelo menos uma vez por semana, procuro citar exemplos bons, coisas boas, alertar para possíveis armadilhas que a carreira e a vida sempre pregam. Acho que é essa a função do treinador: mais do que professor, amigo, irmão ou pai, até pela vivência, é uma coisa de se colocar naquela situação para poder ajudar os atletas.

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Estevam Soares no Tupi-MG /Foto: Marina Proton

Universidade do Futebol – No futebol, o que é talento para você?

Estevam Soares – Para mim, talento é uma questão muito complexa nesse contexto. Consigo encarar aquele jogador diferente, ou aquele talento, como alguém que consegue juntar vários fatores importantes: técnica, tática, e principalmente a parte comportamental. Acho que isso é o mais importante. Em determinados momentos, você tem um talento acima da média, mas o comportamento dele ou o empenho em campo não são o desejado. Então, acho importante esses fatores ou um agrupamento de coisas. É preciso reunir a parte técnica, a leitura tática e a parte física, o que é possível adquirir com o trabalho, mas acima de tudo é importante ter caráter.

Universidade do Futebol – Como você avalia o nível de talento existente no futebol brasileiro atual?

Estevam Soares – Tenho uma visão sobre futebol que é um pouco diferente do que é dito pela maioria dos ex-atletas e da mídia, pessoas que dizem que antigamente não se ganhava dinheiro e que hoje é só isso. Proporcionalmente para a época, o futebol sempre pagou bem. Outra coisa que se fala muito é que hoje não há mais talentos e que antigamente tínhamos craques, o que é outra mentira. Hoje tem muito cabeça de bagre, mas antigamente, mesmo com talentos, também eram muitos cabeças de bagre. O Corinthians da década de 1950 ou 1960 teve um time que foi apelidado de “faz me rir” em alusão a uma música famosa, uma chacota direcionada a um time que era muito ruim. Então, claro que os tempos mudaram, que a parte física tomou conta, que a evolução depois da Copa de 1974 foi estrondosa, mas eu acredito que ainda tem talento no Brasil. Só que o futebol é outro e não se espera mais aquele romantismo que pegava, dominava, girava e pensava. O Brasil ainda é o maior celeiro de craques, mas a diferença para os europeus diminuiu. Antigamente era absurdo. Os próprios times da América do Sul eram horríveis. Só tinha Uruguai e Argentina.

Universidade do Futebol – E a qualidade do jogo, como um todo? Qual é sua avaliação sobre o futebol praticado no Brasil atualmente?

Estevam Soares – Particularmente, tenho visto uma evolução muito boa. Ainda estamos distantes daquilo que pensávamos e do que queríamos, mas volto a frisar uma situação interessante: nosso calendário, por mais que tenha melhorado e que nós tenhamos um mês de janeiro de preparação, ainda é muito ruim. Sou completamente contra os campeonatos regionais e acho que deveríamos ter sete ou oito divisões de Campeonato Brasileiro. Nós já temos A, B e C, uma realidade muito grande, mas poderíamos criar outras, regionalizadas. Talvez quatro divisões jogando de fevereiro ou março até dezembro e outras jogando de fevereiro até outubro, com mata-mata nas finais para economizar. Acho que com isso teríamos mais qualidade e até um aproveitamento maior dos jovens.

Vejo uma evolução, sim. O país está muito mais preocupado com a tática, os treinadores estão se preparando cada vez mais, estudando mais, proporcionando ou propondo um jogo melhor. Mas ainda estamos um pouco longe do que imaginávamos. Acho que a questão disciplinar dos atletas dentro do próprio jogo é um quesito que tem de ser estudado e mudado por completo. As reclamações, bolos em cima dos juízes, quedas em campo. Também acho que deveria existir árbitro de vídeo pós-partida. Todo jogo deveria ser avaliado pela federação, e o jogador que fizer uma simulação tem de ser punido.

Universidade do Futebol – Como você lida com limitações técnicas ou táticas de jogadores que poderiam ter sido corrigidas nas categorias de base?

Estevam Soares – Lido com naturalidade porque não se pode fazer nada. O que teria de existir é uma conscientização de nossos dirigentes, do tratamento deles com os atletas, com menos paparicação e mais firmeza. Eu até procuro orientar para trabalhar isso ou aquilo e falo para os atletas fazerem atividades específicas quando termina o treino, porque eu sei que essas limitações não são culpa deles: o que o atleta mais quer é aprender. Acho que é nesse quesito que eu trabalho. Não adianta você criticar porque ele foi mal orientado, não foi corrigido. Você tem de dar moral e orientá-lo de uma maneira sutil para que o jogador melhore. Com trabalho ele pode diminuir a margem de erro.

Universidade do Futebol – De acordo com sua experiência, quais são os pontos positivos e negativos da influência provocada por agentes externos, como empresários, amigos e cônjuges, no desempenho do jogador? Como você atua nesse contexto?

Estevam Soares – Acho que a influência é muito grande em todos os aspectos. Hoje nós temos empresários para todos os lados, de todos os tipos, e poucos são os que realmente contribuem para o bem-estar do atleta a não ser apenas por interesse. Temos famílias que conhecemos que atrapalharam seus filhos, endeusaram demais. Temos amigos aproveitadores, familiares e principalmente mulheres. Os atletas estão sempre saindo de um lugar para outro, e quando se chega a uma cidade nova a aproximação acontece por causa da fama e do sucesso. Temos visto jogadores com casamentos errôneos, o que prejudica toda a carreira, tendo separação, divisão de bens e coisas parecidas. Isso virou um pouco uma bola de neve. Talvez antigamente fosse mais fácil ter alguma ascendência sobre os jogadores. Hoje eles estão muito blindados. Por mais que você tente orientar, sempre rola um “mas eu falei com meu empresário”.

Universidade do Futebol – No âmbito da capacitação profissional, você está satisfeito ou planeja próximos passos?

Estevam Soares – Não, satisfeitos nós nunca devemos estar. Tenho orgulho por tudo que conquistei em 45 anos no futebol e tive a felicidade de trabalhar em grandes clubes, grandes centros, com uma frustração por nunca ter conquistado um título de maior expressão. Apesar de ter feito trabalhos excelentes e de ter lançado jogadores de muito bom nível, ainda planejo muito para mim. Acho que nunca é tarde para conseguir aquele objetivo que você tem, e eu cito sempre o exemplo do Telê Santana: foi campeão brasileiro com o Atlético-MG em 1971, montou grandes times como a seleção de 1982 e acabou sendo campeão da Libertadores e do mundo com o São Paulo na década de 1990. Acho que nunca é tarde, e eu estou sempre ligado em tudo de novo que acontece no futebol.

Divulgação/Agência Estado
Divulgação/Agência Estado

Universidade do Futebol – Quais são seus sonhos?

Estevam Soares – Acho que o sonho ainda maior é ser reconhecido nacionalmente. Tive boas passagens por Palmeiras e Botafogo, citando os dois de maior expressão, mas ainda acho que isso pode vir através de um grande trabalho ou de uma grande conquista de nível nacional.

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