Daniel Destro, ex-árbitro e autor do livro “Grandes árbitros do futebol brasileiro – o desenvolvimento do futebol pelo olhar da arbitragem”

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O advento do VAR (sigla em inglês para árbitro auxiliar de vídeo) é uma das grandes novidades da Copa do Mundo de 2018, disputada na Rússia. A tecnologia, contudo, não encerrou as polêmicas em torno da participação dos mediadores do jogo. Ainda que dúvidas tenham sido dirimidas, as decisões finais continuam nas mãos de pessoas que sofrem com uma pressão muito maior do que o nível de preparação ou as condições de trabalho.
O uso da tecnologia é uma evolução considerável para o dia a dia da arbitragem, mas não encerra algumas das principais questões do segmento: os profissionais seguem precisando dividir o cotidiano com outras áreas de atuação, fazem uma preparação que depende mais de seus esforços do que de entes externos e sofrem com a falta de um protocolo de feedback.
“Esse, creio, é o ponto crucial para a maioria dos árbitros: ter que se dividir entre sua atividade profissional e a arbitragem. Quem tem mais rotina treina de manhã ou à noite. Outros treinam quando dá. Eu tinha que planejar minha semana de treinos e estudos e com muita dedicação e usar meu tempo livre para me preparar. Ser árbitro demanda parte do descanso ou hora livre. É preciso abdicar de parte de sua vida pessoal, familiar e profissional”, relatou o ex-árbitro Daniel Destro em entrevista à Universidade do Futebol.
Formado em ciências da computação, Destro já tinha carreira em tecnologia em 2004, quando foi convencido por um amigo a estudar para atuar como árbitro. Integrou o quadro da FPF (Federação Paulista de Futebol) de 2005 a 2016.
Neste ano, o ex-árbitro lançou um livro chamado “Grandes árbitros do futebol brasileiro – o desenvolvimento do futebol pelo olhar da arbitragem”. A proposta da obra é fazer um apanhado sobre a evolução do esporte nacional a partir de um olhar para os profissionais da arbitragem. A conclusão: ainda que a categoria tenha evoluído, há muito a caminhar.
“Corremos o risco de ter uma geração de árbitros que será esquecida no futuro. Acho que há toda uma conjuntura que nos fez chegar a este ponto. Entendo que o futebol mudou e, consequentemente, a cobrança sobre os árbitros também mudou. Tudo evoluiu no meio, mas a arbitragem evoluiu em um ritmo menor, com preparação e investimentos aquém do que o esporte demanda hoje em dia. Além disso, o árbitro perdeu espaço e respeito no futebol, e não foi por culpa dele. Antigamente eles tinham voz, mais autonomia e valorização. Vejo que é reflexo de um futebol que se esqueceu da importância dessa categoria”, completou Destro.

Divulgação: Arquivo Pessoal

 
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Universidade do Futebol – Quando e por que você decidiu trabalhar com arbitragem?
Daniel Destro – Sempre gostei de futebol, mas nunca imaginei ser árbitro. Um amigo apitava pela FPF (Federação Paulista de Futebol) e eu, curioso, sempre perguntava a respeito. Ele então me incentivou a fazer o curso e tentar a carreira, pois ele dizia que eu gostava de futebol e tinha um bom perfil para ser árbitro. Dois anos depois resolvi fazer o curso e me apaixonei pelo ofício.
Universidade do Futebol – Como foi sua capacitação para a área? Você fez apenas uma formação inicial ou continuou estudando?
Daniel Destro – Em 2004, o curso de árbitros da FPF tinha duração de um ano, uma vez por semana, incluindo sala de aula, algumas aulas práticas em campo e orientação de preparo físico. Após formado, a FPF sempre manteve encontros bimestrais ou trimestrais para ajudar no desenvolvimento dos árbitros, discutindo pontos da regra, orientações de conduta e atuação em campo, interpretação das regras e acompanhamento físico. Mas, basicamente, o árbitro também deve estudar e se desenvolver sozinho, uma busca constante pelo aperfeiçoamento profissional.
Universidade do Futebol – O que você achou dessa formação? Na sua opinião, que tipo de conteúdo deveria ter sido valorizado e não foi?
Daniel Destro – O curso que fiz foi muito bom, completo em muitos aspectos. Na época deu-se pouca atenção a questões psicológicas e da nutrição (alimentação). Porém, creio que o curso atual cubra a formação do árbitro de maneira mais integral, em diversos pilares do árbitro e do ser humano, incluindo orientações no plano financeiro pessoal (eu mesmo dei aulas para algumas turmas da FPF). Mas ainda assim, entendo que o árbitro precisa de um acompanhamento mais próximo durante sua carreira, com o intuito de desenvolver e preparar melhor o profissional para os desafios, e corrigir eventuais falhas. Algo como uma tutoria ou mentoria.
Universidade do Futebol – Você seguiu trabalhando com tecnologia após ter iniciado carreira como árbitro. Por quê?
Daniel Destro – Nunca deixei minha profissão no mundo corporativo de lado, que era minha atividade principal. Por alguns motivos. O árbitro nunca sabe quando será escalado, principalmente por causa da lei que impõe sorteio, e também não há garantias que será escalado frequentemente. Se o árbitro erra ou se lesiona, fica fora das escalas de jogos. Não há garantia mínima de ganhos financeiros. Ou seja, o árbitro vive quase que à mercê da sorte. Outro ponto é que uma carreira sólida em tecnologia me dava ganhos financeiros muito maiores e eu tinha uma projeção de futuro melhor.
Universidade do Futebol – Como a dupla jornada afetou sua carreira na arbitragem? Em que momentos você treinava, estudava e se concentrava?
Daniel Destro – Esse, creio, é o ponto crucial para a maioria dos árbitros: ter que se dividir entre sua atividade profissional e a arbitragem. Quem tem mais rotina treina de manhã ou à noite. Outros treinam quando dá. Eu tinha que planejar minha semana de treinos e estudos e com muita dedicação e usar meu tempo livre para me preparar. Ser árbitro demanda parte do descanso ou hora livre. É preciso abdicar de parte de sua vida pessoal, familiar e profissional.
Universidade do Futebol – No período em que você atuou como árbitro, que tipo de feedback recebeu de dirigentes de clubes, federações e confederação? Qual é sua opinião sobre esse modelo de retorno?
Daniel Destro – Esse, para mim, foi e é o ponto mais falho na relação entre as federações (FPF ou CBF) e os árbitros. Eles deveriam ser acompanhados mais de perto, ter feedback frequente e mais claro, além de um trabalho específico e individualizado de desenvolvimento e aperfeiçoamento. Cansei de ir a jogos, inclusive televisionados, e nunca ter recebido um feedback sequer sobre minha atuação ou pontos de melhoria. Você fica cego e não sabe se está na direção certa. Os árbitros de jogos da primeira divisão até têm certo acompanhamento hoje, com tutores e assessores na avaliação da partida, mas os árbitros da base têm pouco ou quase nenhum acompanhamento. Se você não trabalha bem o árbitro desde a base, não terá árbitros bem preparados no futuro e nas principais competições. Quanto aos clubes, a única coisa que chega até os árbitros são a reclamações.
Universidade do Futebol – Por que você decidiu se afastar da arbitragem? Sua mudança para a Europa teve alguma coisa a ver com isso?
Daniel Destro – Com a alteração na direção da arbitragem em São Paulo, que entrou em 2016, com a chefia do diretor Dionísio Domingos, as coisas mudaram muito lá dentro. Muitos árbitros acima dos 32 anos foram deixados de lado por causa da idade e acabaram desistindo da carreira. Seus métodos e a maneira que gerencia a arbitragem não são bem vistos pelos próprios árbitros, que estão descontentes em sua maioria. As mulheres foram esquecidas, infelizmente. Com esse cenário todo, vi que perdi espaço e seria mais difícil evoluir na carreira. Coincidentemente, recebi um convite de uma multinacional para me mudar para a Europa e decidi ir. Felizmente, sempre privilegiei minha atividade profissional principal. Muitos árbitros se esquecem disso e terminam a carreira sem opções.
Universidade do Futebol – Como você iniciou o projeto de estatística e informação para árbitros? Em que estágio está isso?
Daniel Destro – Comecei em 2005 reunindo dados para acompanhar minha própria carreira. Pela facilidade com tecnologia, decidi criar um sistema e acabei fazendo a análise de todos os jogos da FPF desde 2007. Com o tempo, inclui também dados da CBF. Hoje possuo um sistema, o Progols, com mais de 50 mil partidas, das categorias de base até o Brasileirão, que apresenta estatísticas e perfis dos árbitros de futebol. Ele dá uma visão de informações aos clubes, aos árbitros e à gestão da arbitragem. Ainda não está sendo comercializado, mas pretendo em breve.
Universidade do Futebol – Que avaliação você faz da arbitragem no Brasil atualmente? Que comparação é possível fazer com o restante do planeta?
Daniel Destro – Temos bons árbitros, mas acredito que não temos tantos nomes de peso como antigamente. Corremos o risco de ter uma geração de árbitros que será esquecida no futuro. Acho que há toda uma conjuntura que nos fez chegar a este ponto. Entendo que o futebol mudou e, consequentemente, a cobrança sobre os árbitros também mudou. Tudo evoluiu no meio, mas a arbitragem evoluiu em um ritmo menor, com preparação e investimentos aquém do que o esporte demanda hoje em dia. Além disso, o árbitro perdeu espaço e respeito no futebol, e não foi por culpa dele. Antigamente eles tinham voz, mais autonomia e valorização. Vejo que é reflexo de um futebol que se esqueceu da importância dessa categoria.
Comparando ao restante do planeta, acredito que a diferença está fora das quatro linhas. Claro que em alguns países há maior investimento nos árbitros, mas me chama atenção a questão cultural das diferentes sociedades. Na Europa há um senso maior de esportividade e um respeito maior com as pessoas. Aqui no Brasil isso é diferente. Por isso vejo tanto agressividade no discurso e nos estádios.
Universidade do Futebol – Você escreveu um livro sobre os grandes nomes da arbitragem. Olhando para o passado, quais foram as maiores evoluções que o segmento teve e a que elas se devem?
Daniel Destro – A arbitragem como ciência evoluiu, sem dúvida. Hoje existem métodos, procedimentos, conhecimento e estudo sobre a atuação do árbitro em prol do futebol. Fisicamente os árbitros são atletas em campo, pois correm de 11 a 12 quilômetros por jogo. Essa evolução do árbitro foi para acompanhar o futebol de hoje, que está em uma velocidade alucinante. Porém, há um risco aí: o de se criar árbitros “robotizados”, que acabam tão preocupados com toda essa parafernália de procedimentos, pois são avaliados por isso também, que ficam sobrecarregados e acabam dando menos atenção ao que importa, que é apitar o jogo. Não há base estatística para dizer se os árbitros de hoje erram mais ou menos que os de antigamente, mas hoje existem mais maneiras de você comprovar o erro, com as inúmeras câmeras, replays, imagem congelada em três dimensões, etc. Somente a tecnologia vai proporcionar ao árbitro a chance de poder acertar mais no jogo. Caso contrário, será humanamente cada vez mais difícil.
Universidade do Futebol – Quais árbitros de futebol no Brasil tiveram mais impacto para a profissão no país? Por quê?
Daniel Destro – Na minha investigação, vi que alguns nomes tiveram de fato um impacto enorme na arbitragem e no futebol no Brasil. Armando Marques talvez tenha sido aquele que mais se destacou nesse ponto. Ele marcou uma era e revolucionou a arbitragem, não apenas pela maneira que apitava e pelos importantes jogos em que atuou, mas ele ajudou a valorizar a arbitragem, inclusive no aspecto financeiro. Apesar de polêmico, ele conseguiu ser um árbitro respeitado e de grande projeção nacional e internacional. Um profundo conhecedor do ofício. Arnaldo Cezar Coelho e Romualdo Arppi Filho são outros, sem dúvida, pelas grandes carreiras e por terem apitado finais de Copa do Mundo. Temos muitos outros nomes que contribuíram e muito na história. No livro eu biografei apenas 50 deles.
Universidade do Futebol – Olhando para a profissão hoje, pensando no quanto os árbitros são massacrados pela mídia e sofrem com problemas de preparação e remuneração, por que um garoto se animaria em seguir na área?
Daniel Destro – Independentemente de todos os problemas que o futebol e a arbitragem possam sofrer, há um denominador comum nessa equação: a paixão pelo esporte. Se fosse pensar apenas na questão financeira ou de carreira, eu incentivaria um garoto a ser engenheiro, médico ou ir para o mercado corporativo. Mas acredito que nenhum desses segmentos traz mais satisfação do que pisar no campo de jogo e poder sentir a emoção de fazer parte do futebol. Seja em que nível for, aquela atmosfera é inebriante. Adrenalina pura. E o árbitro gosta mesmo é de ver o estádio cheio, sentir o barulho da torcida, ouvir grito de gol e saber que no fim fez um bom trabalho. Não é só um jogo!
Universidade do Futebol – Quais são seus planos para o futuro?
Daniel Destro – Agora, de volta ao Brasil, continuo minha carreira em tecnologia e pretendo em breve disponibilizar o sistema de estatísticas para a arbitragem. Porém, não descarto a possibilidade de atuar na arbitragem em outra esfera, seja no seu desenvolvimento ou mesmo como especialista para clubes e na mídia.
 

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