A Bolha

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Antes de mais nada, é preciso admitir que uma das coisas mais fáceis e divertidas que existem é escrever textos prevendo bolhas financeiras. De tanto que se escreve, uma hora você acerta, como foi o caso do Nouriel Roubini. Com isto em mente, atente às palavras a seguir.

Existe um fato histórico acontecendo no decorrer desta semana, e não é no Chile. O Liverpool, clube mais tradicional da Inglaterra, passa por um momento no mímino delicado. Algum tempo atrás, a dupla Gillet e Hicks (o mesmo do HMTF que investiu no Corinthians), comprou o Liverpool numa engenharia financeira semelhante ao que a família Glazer realizou no Manchester United.

Resumidamente, G&H emprestaram dinheiro para comprar o Liverpool. Assim que conseguiram, transferiram a dívida dos empréstimos pro próprio clube, que passou a ter que pagar milhões de libras por ano em juros. Com a piora do cenário econômico na Europa e outros problemas mais, como a não classificação para a Champions League desse ano, o clube começou a ter problemas em pagar esses juros e as parcelas da dívida, e ficou devendo umas 250 milhões de libras para o Royal Bank of Scotland que, ciente de que a dupla G&H não iria conseguir levantar a grana pra pagar a dívida, designou executivos para tomarem conta da diretoria do time, na tentativa de vender o clube pra zerar a conta. Obviamente, G&H não gostaram da idéia, uma vez que iam perder um bom bocado de dinheiro, e tentaram bloquear a venda. Aí começou uma batalha judicial que está um pouco longe de ser resolvida por completo, mas teve algumas decisões a favor do RBS e da venda para a New England Sports Ventures, dona do time de beisebol Boston Red Sox.

A batalha não é, em si, o problema, mas sim as dificuldades que G&H encontraram pra conseguir financiar a operação do Liverpool, que não é muito diferente dos problemas enfrentados pela família Glazer no Manchester United. É um claro indício de que clubes de futebol passam por uma fase financeiramente complicadíssima. E isso, é claro, impacta na quantidade de dinheiro que esses clubes podem gastar em transferência de jogadores, o que acaba respingando no faturamento dos clubes no Brasil. Para piorar, a Uefa não tem medido esforços para limitar os gastos de todos os clubes com salários e transferências e para incentivar o desenvolvimento de jogadores nas categorias de base. Com isso, menos dinheiro ainda vai para o mercado de transferências.

Isso foi visível na janela de transferências do Campeonato Brasileiro deste ano, em que poucos atletas deixaram o país. Pelo contrário, clubes do Brasil acabaram se reforçando com jogadores retornando do estrangeiro, com salários bastante elevados, o que significa maiores gastos e menos receitas. Bem menos receitas, diga-se, já que normalmente clubes geram entre 20% a 25% do total de receita com transferência de jogadores. Uma equação que é simples de resolver, e o resultado não é nada bom.

O que tem segurado os efeitos dessa complicação mercadológica são os fundos de investimento em atletas, que tem comprado jogadores a rodo. Se antes os clubes tentavam vender seus atletas para clubes estrangeiros, hoje muitos vendem para empresas, que por sua vez se preocupam em vender para os clubes de fora. Por enquanto, essas empresas estão segurando o rojão da liquidez, trocando o direito sob transferência de atletas por auxílio na contratação de outros jogadores. A dúvida, porém, é por quanto tempo essas empresas conseguirão manter esse cenário. Se você dá dinheiro aos clubes em troca de jogadores e não consegue vender esses jogadores, alguma rachadura no ciclo vai acontecer. E aí a bolha vai estourar.

Os efeitos do estouro da bolha do mercado de transferências no Brasil, se isso realmente acontecer, vai depender muito do acordo que essas empresas possuem com os clubes. Dependendo do que estiver acordado, essas empresas se afundam sozinhas ou levam os clubes consigo. Independente do que, alguém vai ter que continuar a pagar salários elevados para atletas, e é certo que esse alguém será, em última instância, o clube que é dono da camisa que esses atletas vestem. Com isso, clubes precisarão arrancar dinheiro sabe-se lá de onde, mas imagino que principalmente da televisão, que, por conta do desespero, será forçada a aumentar o valor dos contratos de transmissão. E, daí por diante, a coisa vai se degringolando.

O sistema financeiro do futebol brasileiro sempre se apoiou bastante na venda de atletas. Agora, o sistema passa por mudanças profundas forçadas por elementos externos que aos poucos vão fragilizando a estabilidade desse sistema. Se o Banco BMG quebra, por exemplo, ele leva junto muita gente, ainda que essa quebra pareça ser uma possibilidade remota. Mas dá idéia do tamanho da fragilidade da estrutura da indústria do futebol brasileiro. Aos poucos, a bolha vai inflando. Se nenhuma espécie de controle começar a ser pensado, existe uma grande chance de haver problemas bastante graves em breve. Há muita oferta de jogadores para pouca demanda que pague bem.

Na crise do café no começo do século XX, o governo mandou queimar os grãos para conseguir estabilizar a relação entre oferta e demanda. Imagino que ele não vá fazer o mesmo com jogadores de futebol. É bom começar a pensar em uma segunda opção.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br  

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