A convocação

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Na carreira de um jogador de futebol, profissional acostumado desde cedo ao altíssimo grau de competitividade, não existe funil mais estreito do que a Copa do Mundo. Ser chamado para disputar o torneio é um privilégio de um grupo extremamente restrito, e todos os números contabilizados na competição colocam os atletas em estatísticas ainda mais raras. Por esse perfil, a convocação de uma seleção nacional oferece importantes lições de comunicação. E como quase sempre acontece, esses exemplos práticos são provenientes do fracasso.
Único país presente em todas as edições do Mundial, o Brasil teve pouco mais de 400 vagas para preencher na lista de inscritos, de 1930 até aqui. No entanto, são muitos os exemplos de longevidade e de atletas que permaneceram por mais de um quadriênio (os recordistas são Cafu, Castilho, Djalma Santos, Emerson Leão, Nilton Santos, Pelé e Ronaldo, quatro convocações cada).
Em quase 90 anos de história, portanto, menos de 400 jogadores brasileiros tiveram o privilégio de disputar uma Copa. E esse privilégio, importante lembrar, está diretamente ligado a uma lista subjetiva. É a decisão tomada por uma pessoa (ou uma comissão técnica liderada por ela, vá lá). Nasce dessa característica a enorme lista de jogadores que se sentiram “injustiçados” por nunca terem ido a um Mundial.
A convocação de Luiz Felipe Scolari para a Copa de 2002, por exemplo, tinha o meia Djalminha, cortado posteriormente por ter agredido o técnico de seu clube em um treino do Deportivo La Coruña. O treinador preteriu Alex, homem de confiança em seu período no Palmeiras, e não recorreu ao armador nem quando precisou fazer mudanças na lista original. No momento em que procurou um jogador da mesma função, Felipão ouviu uma campanha assertiva de Carlos Alberto Parreira, que na época dirigia o Corinthians, e se rendeu ao bom momento de Ricardinho, levado para substituir o lesionado Emerson.
Foram pelo menos três chances para Felipão levar Alex, portanto, e o treinador acabou alijando da Copa um dos melhores jogadores do Brasil naquela década. Se o Mundial tivesse sido realizado em 2003, ano em que o meia foi destaque no Cruzeiro multicampeão, teria sido ainda mais difícil tomar essa decisão.
Esse exemplo mostra que a convocação para a Copa do Mundo carrega uma enorme lista de fatores. Depende do momento, por exemplo (a competição, afinal, é o retrato de um mês e não do que aconteceu em quatro anos), mas também considera aspectos como tática, técnica, física e análises comportamentais feitas pelos treinadores. Até mesmo um bom cabo eleitoral pode ter peso.
É possível discutir se Luan merecia estar na Copa de 2018, por exemplo, mas não dá para não aceitar os argumentos de Tite para preteri-lo. O meia-atacante gremista joga numa posição que não condiz com o esquema usado pela seleção, não foi bem em nenhuma função do sistema proposto pela equipe nacional e não apresentou nos treinos o nível de competitividade que a comissão técnica esperava. Podemos não concordar com isso, mas dentro de critérios subjetivos é uma análise que tem lógica.
Ainda assim, até casos em que as decisões são mais simples podem gerar frustração. Novamente falando de 2002, um dos exemplos mais conhecidos é o do atacante Euller, que organizou uma festa para acompanhar a convocação. Dias antes, o jogador havia sido avaliado por membros do estafe da seleção e teve conversas com a comissão técnica. Também tinha sido lembrado em amistosos da reta final e tinha convicção que estaria na lista. Quando ouviu os nomes lembrados por Felipão e descobriu ter sido preterido, não conseguiu esconder a frustração.
A convocação da seleção para a Copa pode ser uma metáfora para várias etapas das nossas vidas. Pode ser um vestibular, uma prova de um concurso, uma seleção de um emprego, uma disputa por uma promoção ou uma avaliação de um projeto pessoal, por exemplo.
Independentemente da relação proposta, o fato é: gerar expectativa em episódios assim é um convite a frustrações. A passagem de um momento tão marcante deve ser resultado de uma construção desenvolvida ao longo de quatro anos. Pensar apenas no agora é menosprezar o que significa estar em uma Copa.
Passada a convocação, um ponto importante é entender como os jogadores que não serão lembrados vão lidar com isso. Há três caminhos, basicamente: a frustração, direcionar a culpa a outros ou repensar sua própria carreira.
No primeiro caso, o perigo é um evento assim conduzir o profissional a um processo de depressão. É possível que essa tristeza extrapole o ambiente corporativo e que influencie até as relações humanas alheias ao trabalho.
A culpa direcionada a alguém é uma espécie de escapismo. É mais simples lidar com uma tristeza dessa proporção se você tiver alguém para apontar o dedo e dizer que alguém é responsável por isso. É mais simples, mas também é menos honesto e menos produtivo.
No terceiro grupo está o ala Victor Oladipo, titular do Indiana Pacers, que fez neste ano a melhor temporada de sua carreira na NBA (liga profissional de basquete dos Estados Unidos). Eliminado nos playoffs, o jogador não esperou sequer o dia seguinte. Ainda na madrugada da derrota, mandou uma mensagem para seu treinador pessoal e perguntou quando os treinos recomeçariam.
Estar fora de uma lista como a de convocados para a Copa pode ser uma tristeza enorme – as reações listadas aqui não são excludentes, e é até possível que a mesma pessoa passe pelos três grupos. A evolução de um profissional, contudo, depende substancialmente da capacidade de olhar para episódios assim e pensar no que é possível extrair como aprendizado.
Não importa o quanto o funil é estreito ou os critérios usados para extrair os donos das vagas. O que importa em casos como esse é como você pode transformar uma notícia ruim em um feedback sobre sua capacidade ou seu nível de entrega profissional. E como isso pode gerar ações simples e diretas para resolução dos problemas. Evolução é isso, afinal.

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