A falta de convicção e o drama argentino

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Marcelo Bielsa não é apenas um dos treinadores mais badalados do futebol atual, mas um grande influenciador. Nomes como Pep Guardiola costumam salientar a relevância que as ideias de “El Loco” têm em seus trabalhos. Ainda assim, o Lille comandado pelo argentino é apenas o 18º colocado na temporada 2017/2018 do Campeonato Francês – cinco pontos em sete partidas, campanha que insere a equipe na zona de rebaixamento à segunda divisão nacional.

É claro que a temporada ainda está no início e que os resultados ruins do time dirigido por Bielsa não passam de um recorte, mas a campanha é suficiente para uma reflexão: o Lille tem conceitos adequados ao futebol moderno e uma identidade em construção, mas não é simples impingir conceitos ou construir identidade. Tudo isso demanda tempo, paciência e convicção de diferentes estratos (torcida, jogadores, comissão técnica, funcionários e colaboradores da instituição, imprensa e diretoria, por exemplo).

O risco que o Lille corre é escolher o caminho mais fácil: trocar Bielsa por uma solução emergencial, que tenha menos compromisso com as ideias e mais facilidade para o curto prazo. Existe material humano para extrair mais resultados do elenco, mas é resultado que a diretoria persegue, afinal? É melhor seguir flertando com o meio da tabela e depender de uma lista enorme de variáveis para emplacar uma temporada positiva ou construir um perfil que possa caminhar independentemente dos placares favoráveis e que atraia o torcedor para criar um ciclo positivo?

Trocar o treinador nem sempre é um erro; tudo depende, basicamente, do que a diretoria pretende com a mudança. Se a demissão for apenas uma resposta midiática a resultados ruins, sem qualquer convicção ou diretriz, simplesmente não funciona. Se a proposta for buscar outro perfil, pode fazer sentido a despeito da duração do trabalho anterior.

Toda essa reflexão tem a ver com a situação da seleção argentina, que entrará na última rodada das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2018 dependendo de uma combinação de resultados para obter uma das vagas do continente no torneio. O time de Lionel Messi tem 25 pontos e ocupa atualmente a sexta posição do qualificatório, que distribui quatro vagas diretas e ainda envia uma equipe a uma repescagem.

A Argentina jogará contra o Equador fora de casa na rodada derradeira – no horário de Brasília, o confronto está agendado para 20h30 desta terça-feira (10). Para ir à Copa, precisa vencer e torcer para uma vitória do Brasil sobre o Chile em São Paulo, derrota do Uruguai para a Bolívia em Montevidéu ou empate entre Peru e Colômbia no Peru.

Não é difícil imaginar que ao menos um dos resultados dos outros jogos seja favorável aos argentinos. Hoje em dia, o mais complicado é imaginar que a seleção vença o Equador fora de casa, ainda que eles tenham Lionel Messi e que os mandantes já estejam eliminados.

O drama dos argentinos é o ápice de uma trajetória permeada por resultados irregulares. O time de Messi chegou a não ser mais de Messi – em meio às Eliminatórias, o camisa 10 chegou a anunciar que havia se aposentado da seleção e precisou ser convencido a retornar. Além disso, foram 40 jogadores convocados – o goleiro Romero, com 17 partidas, e o atacante Di María, com 16, são os recordistas.

O que chama mais atenção na trajetória argentina, contudo, é a história das mudanças de comando técnico. A seleção começou as Eliminatórias sob Gerardo Martino, um treinador de estilo ofensivo, defesa com linha alta e pressão sobre a saída de bola. Trocou por Edgardo Bauza, que prefere posicionar suas equipes com duas linhas de quatro, blocos baixos e jogo reativo. Mudou mais uma vez para Jorge Sampaoli, um discípulo de Bielsa.

Sampaoli colecionou três empates nas Eliminatórias. Mudou demais a seleção, testou desenhos diferentes e cometeu erros de escolha que podem ter sido decisivos a essa altura. Na rodada passada, por exemplo, colocou Benedetto, centroavante voluntarioso do Boca Juniors, no comando de ataque. Jogando em casa e diante de uma forte defesa peruana, preteriu talentos como Dybala, Icardi, Higuaín e Palacio – Agüero poderia ter sido utilizado, mas estava fora de combate.

A maior marca da trajetória argentina nas Eliminatórias é a falta de convicção. Faltou convicção na escolha dos treinadores, na definição dos jogadores e até na situação de Messi, grande nome da geração, ainda muito questionado pela falta de títulos com a camisa da seleção nacional.

Dependendo do que acontecer na última rodada das Eliminatórias, as análises sobre a seleção argentina podem ficar concentradas nos técnicos, nos jogadores ou na capacidade de decisão de Messi. Contudo, nada disso forma trabalho; se existe algo a ser questionado na Argentina pré-Copa de 2018, esse elemento é a ausência de certeza no trabalho desenvolvido.

Futebol é um esporte que depende de uma imensa quantidade de variáveis e que é muito maior do que o que acontece nas quatro linhas. É difícil falar em certo e errado ou em qualquer receita para o sucesso num ambiente tão volátil. O exemplo argentino, porém, mostra que há formas bem claras de evitar desvios no caminho. Acreditar é a principal delas.

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