A formação de jornalistas esportivos

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Não conheço nenhum segmento profissional que atraia pessoas com perfis tão diferentes quanto o jornalismo esportivo. A despeito de ser repleta de problemas – e qual não é, afinal? –, essa seara ainda é vista como uma opção de unir paixões, um cotidiano sem rotina e a chance de formar opiniões.

“Eu abriria mão de tudo isso”. Ouço isso recorrentemente de pessoas que estão em situação estável na carreira, mas insatisfeitas com a atual posição, e que veem no jornalismo esportivo uma chance de guinada.

Uma das coisas mais legais de dar aulas de jornalismo esportivo é ver o quanto as pessoas que se interessam pela área têm origens diferentes. O segmento parece comportar tudo, desde aqueles que sempre sonharam com isso até os que enxergaram aí um meio de redirecionar a carreira.

Com os megaeventos esportivos que o Brasil receberá nos próximos anos, então, o segmento passou a ser ainda mais atraente. Até para pessoas que não são naturalmente apaixonadas por esporte, mas consideram o segmento promissor em função do calendário de curto e médio prazo no país.

O curioso é que eu sempre considerei a paixão como o maior elo entre os profissionais e postulantes a vagas em jornalismo esportivo. Nos últimos tempos, porém, nem isso tem sido um fator comum a todos os que tentam enveredar por esse caminho.

Se o elã não é o único requisito básico no jornalismo esportivo, o que sobra, então? Com base empírica, posso dizer que as características comuns a todos na área são a vontade de opinar e a impressão de conhecer. Afinal, todo mundo acha que entende de esporte.

Esse é um problema muito maior do que o jornalismo, na verdade. É algo que atinge até as pessoas que estão no meio e que vivem o esporte. Tê-lo como assunto cotidiano, saber as regras e conhecer as táticas não são sinônimos de entender como o jogo funciona.

Independentemente da modalidade, o esporte tem atletas que sabem resolver problemas e sabem os melhores caminhos em cada situação. Só não sabem por que escolheram aquela solução ou aquela rota. Também é assim no jornalismo.

Pense em quantas vezes você leu, ouviu ou viu alguém dizendo que “o time A está melhor em campo porque finalizou mais”. Ou então descrevendo todos os movimentos de um lance para relatar o que acabou de acontecer.

Em geral, descrições de movimentos ignoram o mais relevante em um lance: os porquês. É fácil dizer que um atacante driblou dois marcadores, invadiu a área e finalizou no canto esquerdo do goleiro. Difícil é explicar a quem acompanha o jogo o motivo de aquilo ter acontecido. Mesmo se o motivo for simplesmente o improviso.

Essa transição da opinião pura para uma análise fundamentada é o que separa a maioria dos postulantes ao jornalismo esportivo dos que realmente desempenham bem a profissão.

Entender os porquês do jogo – qualquer jogo – exige um grau muito maior de atenção. Paulo Vinícius Coelho, comentarista dos canais “ESPN”, certa vez comparou a atenção que as pessoas dedicam ao futebol com o grau de concentração que elas têm no cinema.

No cinema, não há nada além do filme. Isso permite, por exemplo, que alguns diretores escondam informações ou até homenagens em algumas cenas. Nos Estados Unidos, esses elementos são chamados de Easter Eggs.

Se houvesse Easter Eggs no futebol, sou capaz de apostar que eles seriam pouco notados pelo público em geral. Há um teste de atenção no site de vídeos YouTube que mostra um pouco disso. Jogadores de basquete trocam passes, e o objetivo do exercício é dizer quantas vezes
a bola muda de mãos. Veja a avaliação:
 


 

E aí? Você fez o teste? Acertou o número de passes? É óbvio que esse é um exemplo extremista e que uma situação assim nunca aconteceria em um jogo de futebol profissional. Também é óbvio que o grau de atenção ao lance que acontece em primeiro plano nunca é tão alto quanto o que dedicamos quando seguimos a movimentação da bola no vídeo do YouTube. Tente pensar, porém, no quanto você não tem o hábito de olhar um jogo de futebol de forma sistêmica.

O problema é que você pode ter esse hábito. Um profissional, não. O jornalista que se contenta com o que vê e com o que faz parte do cenário comum a ele perde a chance de fomentar discussões sobre o que realmente importa e estabelecer debates que enriqueçam a análise do jogo.

PS: Como tantos amigos e colegas de profissão, aprendi a ler jornalismo esportivo com exemplares do “Jornal da Tarde”. Foi ali que eu tive as primeiras noções de estilo, jargões e do quanto essa área admite visões dicotômicas. Foi ali que eu tive a certeza de que jornalismo esportivo era o que eu queria para mim. O veículo surgiu nessa área e foi sinônimo de excelência durante muitos anos. Entretanto, não foi só o esporte que perdeu com a morte do “JT”. Toda a sociedade perde com um veículo a menos para se manifestar, e isso é muito triste.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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