A não-festa

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A temporada 2008/2009 do Campeonato Alemão de futebol foi extremamente equilibrada. Na penúltima rodada, os quatro primeiros colocados estavam separados por apenas três pontos. Preocupada, a federação nacional (DFB, na sigla em alemão) enviou e-mail a todos os parceiros de transmissão do torneio, em âmbito global, para detalhar as possibilidades de definição da competição. E mais importante: como se daria a festa em cada um dos desfechos.

A mensagem tinha um rigor que soava engraçado. A DFB informava, por exemplo, quantos minutos os jogadores teriam para dar a volta olímpica, o tempo de montagem do palco e o período que as emissoras poderiam usar para intervalos comerciais antes da premiação oficial.

A programação considerava ainda as peculiaridades de cada um dos estádios em que o título podia ser definido. Admito ter caçoado da mensagem quando li pela primeira vez. Admito não ter confiado na exatidão das projeções – ora, como garantir que os atletas festejariam no gramado por exatos 12 minutos, por exemplo?

O teor daquela mensagem reverberava enquanto eu via pela televisão o desfecho do Campeonato Brasileiro de futebol de 2012. Festa insossa, mambembe, sem nenhuma programação especial. O Fluminense assegurou o título com vitória por 3 a 2 sobre o Palmeiras em Presidente Prudente. Não havia taça, fogos ou sequer um espaço para os atletas celebrarem a campanha vitoriosa.

Pior: minutos depois do título, a TV Globo, dona dos direitos de transmissão do evento em rede aberta, cortou as imagens para São Paulo e iniciou o “Domingão do Faustão”, programa cuja principal atração era uma homenagem ao atacante Neymar.

A lógica da Globo é compreensível. A festa do Fluminense diminuiria o alcance televisivo do evento, que seria basicamente resumido à torcida vencedora. Neymar, ao contrário, é referência nacional. Uma homenagem a ele, em teoria, seria interessante a qualquer amante de futebol que via a partida e não era adepto da equipe tricolor.

O problema é que essa linha de pensamento considera apenas o que é melhor para a Globo. E o campeonato, como fica? No momento mais nobre, o da definição de quem conquistou o título, as empresas que mais investiram no torneio e no time campeão tiveram pouca ou nenhuma exposição na principal praça da comunicação nacional.

Se o tempo de exposição em TV aberta é a principal justificativa que clubes, empresas e agências usam para fechar contratos de patrocínio no esporte brasileiro, a ação da Globo no domingo foi um baque financeiro enorme para o campeonato.

E por que a Globo pôde fazer isso? Porque os responsáveis pelo campeonato, que são a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e os clubes, não se preocuparam. A festa não foi programada, e a transmissão da comemoração tampouco estava entre as exigências nos contratos das equipes com a emissora.

O futebol, pela proporção que tem, reúne grandes empresas com interesses muitas vezes antagônicos. É fundamental que existam regras para que essas visões dicotômicas sejam balizadas. Se não houver, o lado menos organizado sempre será prejudicado.

A não-festa do Fluminense é a síntese da falta de preocupação com a imagem do Campeonato Brasileiro, liga que não tem sequer um logotipo oficial. Não existe planejamento de comunicação e marketing suficiente para vender algo que não é concebido como um produto.

Independentemente de ter acontecido em um estádio neutro, a partida que podia definir o campeão brasileiro merecia mais. Aliás, em termos de exposição e planejamento de comunicação, todo o torneio merecia mais. A principal competição de futebol no país do futebol precisa ser tratada com respeito. Isso é urgente.

E por falar em planejamento, respeito e urgência, o Palmeiras precisa deixar de agir como se não estivesse acontecendo nada. A morosidade dos dirigentes e a resignação do elenco e da comissão técnica são combustíveis para todas as reações absurdas que parte da “torcida” vem tendo.

A análise dos erros que levaram o Palmeiras ao atual estágio deve ser densa, minuciosa e livre de amarras políticas. Independentemente do desfecho do campeonato, e mesmo que o time consiga a improvável salvação, a campanha é uma mancha na história de um clube tão glorioso.

Mas manchas em histórias vitoriosas são, infelizmente, algo que acontece com alguma frequência no esporte. O que muda é como lidar com esses momentos de crise institucional.

No caso do Palmeiras, chama atenção o tom da comunicação. O time paulista deveria buscar exemplos em comportamentos de instituições, empresas e até governos durante momentos conturbados. A participação e o grau de entrega podem ser diferentes, mas o sofrimento é coletivo. O dilema que se oferece ao clube agora é como lidar com ele.

Uma comunicação bem conduzida pode usar um momento ruim para unir torcida e time e desencadear um sentimento de reação. Uma comunicação mal conduzida pode acirrar ânimos, criar vilões e gerar insurgências incontroláveis.

E quando eu falo em comunicação, bem entendido, não se trata apenas do departamento de comunicação. Tudo comunica. De funcionários com salários módicos a jogadores e dirigentes, todos devem ser contagiados por um sentimento similar e devem ser guiados por diretrizes similares.

É necessário planejar até para saber como lamentar reveses. Quem falar, o que falar e como falar? As respostas são determinantes para as reações que uma derrota gera.

Mas planejar a comunicação exige um alto grau de planejamento. Só quem está muito bem preparado consegue lidar com momentos de perda sem transformar percalços em muros intransponíveis. Parece um mundo muito distante para um país que não sabe sequer como comemorar.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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