A TV e a promoção do espetáculo

Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade
Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade

O nome do adversário; o logotipo; o nome do estádio; a programação pré-jogo. O canal fechado “Sportv” exibiu ao vivo o amistoso entre Palmeiras e Red Bull Brasil, no último domingo (25), no Allianz Parque. Para isso, porém, “escondeu” uma série de elementos da partida e evitou a divulgação de parceiros comerciais das duas equipes. De quem é a culpa?

Em vez de Allianz Parque, o estádio que recebeu a partida foi chamado de Arena Palmeiras em toda a transmissão. O Red Bull Brasil virou RB Brasil, e o escudo do time paulista foi desfocado para evitar a exposição da empresa patrocinadora. O Sportv também não mostrou a extensa programação pré-evento, com apresentações de motocross, paraquedismo e de ídolos alviverdes.

Quer pensar em como podia ter sido? Poucas horas depois do amistoso, a liga profissional de futebol americano (NFL) realizou seu jogo das estrelas. É um evento anual conhecido por ser um jogo de pouco apelo esportivo (é difícil imaginar uma disputa atraente de futebol americano sem ter alto grau de competitividade). Ainda assim, é um show de enorme popularidade global. E o perfil de transmissão televisiva do evento tem a ver com isso.

Transmitir a NFL envolve acordos como exibição de compactos durante a semana, inclusão da liga em programas de notícias, enquadramento de câmera em dias de transmissão, hora de abertura e encerramento de jornada e nomenclaturas da liga, das franquias e dos parceiros. Até os comerciais são regulados.

O modelo das ligas esportivas dos Estados Unidos é adotado há tempos pela Liga dos Campeões da Uefa – não por acaso, esse é o maior torneio de clubes do futebol mundial. Quando a TV Globo comprou o pacote de transmissão da competição para rede aberta no Brasil, foi preciso um enorme acordo para respeitar os parceiros comerciais da emissora. A Uefa exigia comerciais da cerveja Heineken, por exemplo, mas o canal tem a Ambev como anunciante de todo o pacote de futebol. O conflito só foi dirimido por um adendo ao contrato de direitos de mídia.

A Globo precisou de um aval da Uefa para não incluir comerciais da Heineken nos intervalos dos jogos. Também teve de negociar com a entidade para traduzir o nome do torneio – o padrão internacional é “Uefa Champions League”, em inglês. Mas precisou fazer concessões de enquadramento e conteúdo, em contrapartida.

Menos permissiva nesse sentido, a Fifa é outro exemplo de controle absoluto de conteúdo no futebol. Jogos da Copa do Mundo têm um padrão determinado pela entidade, e as emissoras dispostas a mostrá-los precisam concordar com isso.

Para garantir esse padrão, aliás, a Fifa assumiu há décadas a geração do conteúdo. A entidade tem uma empresa chamada HBS, que é a responsável por toda a transmissão ao vivo de eventos. Parceiros de mídia têm direito a um número determinado de câmeras exclusivas, mas elas só respondem por uma pequena parcela do que é mostrado ao público.

E aí chegamos ao futebol brasileiro. A Globo boicota deliberadamente os parceiros comerciais das equipes nacionais. A explicação da emissora para isso é que essa é uma forma de separar o conteúdo informativo e jornalístico do que é publicidade. Em teoria, notícias não servem para divulgar nenhuma marca.

O problema é que essa lógica não é irrestrita. A Globo faz concessões a parceiros comerciais e a empresas que pagam por isso. Na década passada, a emissora chegou a oferecer a algumas marcas a possibilidade de cobrir digitalmente as placas de campo da Copa do Brasil, que eram vendidas na época pela Traffic. Times e organizadores do campeonato faziam prospecção e buscavam empresas interessadas em aparecer numa propriedade deles, e a TV cobriria tudo isso para priorizar seus anunciantes. Isso só não aconteceu porque nenhuma companhia quis comprar a briga.

Ao fazer isso, a Globo se coloca como um concorrente direto dos clubes. Empresas interessadas apenas em mídia preferem investir no canal do que nas equipes. Isso enfraquece os times financeirametne, e o processo tem duas consequências diretas: eles usam a parceira de transmissão quando precisam de socorro financeiro e têm menos poder quando vão negociar direitos de mídia. É um ciclo que só interessa à TV.

O caso do amistoso de domingo escancara duas necessidades prementes no futebol brasileiro: é preciso criar projetos que não sejam focados apenas em mídia (e o que a Red Bull faz é exatamente isso), assim como é preciso rever o papel da TV no esporte. O termo “parceiro de mídia” não parece correto para alguém que deliberadamente trabalha para asfixiar os times e criar relação de dependência.

Contudo, os dois caminhos dependem de ação dos clubes. Em uma frente, ação individual (criação de departamentos de marketing mais eficientes, com métricas e protocolos que sejam menos balizados pela exposição, alicerçados no conteúdo e no vínculo com o torcedor). Em outra direção, é fundamental uma ação coletiva (isoladamente, nenhum clube tem poder suficiente para contestar o modelo vigente de parceria com a TV).

As duas frentes passam necessariamente por um mesmo processo. Clubes precisam desenhar a experiência de seus torcedores com a marca, independentemente do modelo de consumo dessa marca. A comunicação só vai subir de nível no futebol brasileiro quando as diretorias entenderem que esse é um processo sistêmico, que abrange toda a relação das pessoas com o esporte – e com o time, por consequência. Nesse sentido, todo conteúdo é relevante e precisa ser bem cuidado. Isso vale até para os parâmetros adotados pela TV. Há tempos, a exposição deixou de ser suficiente.

Compartilhe

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
Share on pinterest

Deixe o seu comentário

Deixe uma resposta

Mais conteúdo valioso