A velocidade biologicamente complexa do jogo de futebol

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Já abordei mais de uma vez o tema "velocidade" no jogo de futebol nesse espaço da Universidade do Futebol.

Recentemente no programa "Segredos do Esporte", conduzido semanalmente por Paulo Calçade, na ESPN, um debate muito interessante surgiu a respeito da formação de jogadores de futebol e da evolução da velocidade do jogo ao longo da história.

Estavam presentes e enriqueceram a discussão, o professor João Paulo Medina, o professor Sandro Orlandelli (ex- Head Scout do Arsenal da Inglaterra), além do ex-tenista Fernando Meligeni e do já mencionado Paulo Calçade.

Ainda que o tema central fosse a formação de jogadores de base e a formação de treinadores no Brasil, em dado momento surgiu algo bastante interessante a respeito do ritmo de jogo e sua relação com o passe, domínio de bola e maturação biológica de jovens jogadores.

E para explorar justamente esse debate, trago à tona, antes de prosseguir, o apontamento de Sandro Orlandelli durante o programa, sobre alguns dados referentes ao número de contatos com a bola de jogadores durante partidas de futebol (referindo-se provavelmente a um estudo do pesquisador R. Shephard).

O apontamento é de que em um jogo de futebol de altíssimo desempenho – veja esse trecho do programa em http://www.youtube.com/watch?v=edTkg_J9oLo – são realizadas cerca de 1000 ações com bola em 90 minutos, e que dessas, 350 referem-se a ações de apenas um toque, e 150, de dois toques na bola.

Ainda que esses valores citados variem um pouco em estudos mais recentes, é comum em todos eles, o fato de que uma parte muito considerável das ações com bola é realizada em um ou dois toques durante o jogo, e que cada vez mais, jogadores de altíssimo nível têm se especializado em conseguir êxito considerável nessas ações.

Mesmo que os espaços formais de jogo (as dimensões do campo) sejam relativamente bem parecidos em um campo na Inglaterra, na Itália, no Brasil ou na Argentina – respeitando-se as variações permitidas pelas regras do futebol (e considerando que essas não tenham variado ao longo dos anos de existência do futebol moderno – chamemos assim), é fato que o espaço efetivo em que o jogo é jogado, ao menos no altíssimo nível, tem diminuído bastante.

O que quero dizer é que, dada a organização das equipes para ocupar inteligentemente o espaço, há cada vez menos área do campo, nas redondezas do centro de jogo, sem pressão ou sem adversários.

Isso significa, em um número grande de vezes, pouquíssimo tempo para os jogadores tomarem decisões e agirem de acordo com elas (com as decisões).

E como o jogo de futebol é um "sistema dinâmico", da mesma maneira que os jogadores vão ficando mais rápidos para agirem com bola, vão também ficando mais velozes as ações defensivas para fechar linhas de passe e atacar a bola na tentativa de recuperá-la.

Uma coisa vai levando a outra.

Uma nova exigência ofensiva se refletirá em uma nova exigência defensiva, que gerará uma nova exigência ofensiva, e assim sucessivamente – instalando-se longitudinalmente, um ciclo de ação e reação permanente.

Existem ambientes em que esse ciclo de exigência está em um nível maior do que em outros – o que me permite dizer que, de certa forma, o jogo jogado em ambientes diferentes, sob o ponto de vista da velocidade, pode ser também bem diferente.

Se um jogador tem menos tempo para ficar com a bola, terá que, com menor número de contatos possível, dar bom encaminhamento a ela.

Se isso significa passar, finalizar ou driblar com um ou dois toques apenas, é necessário que a todo o tempo o jogador saiba exatamente e instantaneamente o que fazer. E além de sabe exatamente o que fazer, deverá também (é claro!) ter condições de fazer.

Jogadores submetidos a ambientes "mais velozes", digamos assim, tendem ficar mais velozes (velocidade de jogo). É uma "resposta adaptativa" ao meio.

A velocidade no jogo de futebol é uma variável complexa, porque a ação propriamente dita é a representação e a expressão daquilo que o jogador decidiu fazer, de acordo com as circunstâncias, com a sua leitura do jogo, e acima de tudo com o autoconhecimento de suas habilidades para fazer o que precisa ser feito.

O que quero dizer com isso, é que, óbvio, jogadores "biologicamente" (permitam-me essa fragmentação, por motivos didáticos) favorecidos para terem contrações musculares mais rápidas e vigorosas, devem aparentemente levar vantagem no jogo, pois devem ser capazes de agir biomecanicamente mais rápido após tomada de decisão.

Porém, o autoconhecimento a que me referi acima, trata exatamente disso: a percepção da circunstância-problema e a decisão por dada solução devem partir de uma auto-análise do jogador, de maneira que a melhor solução para uma situação igual, possa ser totalmente diferente para indivíduos biologicamente diferentes – sem prejuízo para a solução do problema ou para a velocidade do jogo.

É claro que essa é uma discussão muito ampla e profunda.
Mas não podemos perder de vista que a velocidade complexa é determinante para o êxito em um jogo de futebol (e aqui não estou usando nenhuma força de expressão – me baseio em dados coletados ao longo de mais de 10 anos).

Então, que os "ambientes futebolísticos" espalhados pelo planeta Terra fiquem atentos, para que o futebol não se transforme em dois esportes distintos: o futebol tartaruga e o futebol coelho!

Por hoje é isso…

 

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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