AC Milan vs FC Barcelona: as relações sistêmicas e os elementos do jogo

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Apoiando-me em algumas ideias do professor português Julio Garganta, publicadas em 1998, sobre os jogos desportivos coletivos, vou tentar traçar uma análise um pouco diferente a respeito do jogo entre AC Milan e FC Barcelona pela 1ª partida das quartas de final da Uefa Champions League 11/12, jogada na Itália – que terminou empatada sem gols.

Com um olhar sistêmico sobe o jogo de futebol, gostaria então de me fixar nas relações (e interações) entre alguns elementos básicos para a dinâmica do jogo: o jogador, a bola, os companheiros, os adversários e o alvo.

Esses elementos, segundo o professor português Julio Garganta, produzem relações distintas, que, para o aprendizado e a evolução do jogar, podem ser enunciadas em relação "eu-bola" (centro na familiarização, controle e ação do jogador com a bola), relação "eu-bola-alvo" (centro no objetivo final do jogo através do arremate), relação "eu-bola-adversário" (centro na combinação de habilidades, na conquista e manutenção da bola; além da busca à finalização quando transformado em “eu-bola-adversário-alvo”), relação "eu-bola-colegas-adversários" (combinação de habilidades, com transmissão da bola e exploração de conceitos de defesa e de ataque) e relação "eu-bola-equipe-adversários" (com aproximação do jogo formal e exploração de princípios de jogo, de defesa e de ataque).

Dentro do objetivo máximo do jogo (não confundamos com lógica do jogo) está a necessidade de se fazer gols.

Então, em linhas gerais, independente das relações que são criadas e mais praticadas no desenvolvimento de jogadores e equipes (relação “eu-bola”, relação “eu-bola-adversário”, etc.), é fato, que em algum momento do processo de treinamento, toda “relação” previamente criada deverá interagir com o alvo (“eu-bola-alvo”, “eu-bola-adversário-alvo”, etc.).

Pois bem.

A equipe do FC Barcelona apresenta, faz alguns anos, uma relação muito forte com a bola. Ela (a equipe) quer muito tê-la sob o seu controle. Seus jogadores centram suas ações em recuperá-la o mais rápido quanto possível, para a partir daí fazê-la circular pelo campo de jogo.

Para fortalecer a relação que gosta de ter com a bola, o FC Barcelona também fortalece a relação “eu-companheiro”.

Enquanto o “eu-bola” constrói e desenvolve a relação individual do jogador com a bola, o “eu-companheiro”, acaba por centrar o desenvolvimento dos jogadores na percepção das ações de seus colegas de equipe.

Isso quer dizer o seguinte: dentro do jogo, a ação dos jogadores da mesma equipe é simultânea e interfere e influencia na movimentação uns dos outros. Cada jogador precisa, o tempo todo, perceber e interpretar a ação do seu companheiro – enquanto ele e os outros fazem o mesmo.

Jogadores “emitem” sinais a partir da maneira como agem, e esses sinais devem ser desvendados o tempo todo pelos seus pares.


 

Pois bem.

O que o FC Barcelona faz para fortalecer o “eu-bola” é transformá-lo, ao invés de um “eu-bola-companheiro” (o que é mais comum), em um “eu-companheiro-bola”. Ele inverte a ordem das relações.

E como o objetivo final é ter controle sobre a posse da bola, a relação “eu-companheiro” é toda construída em função disso.

O problema (que não nunca tem sido problema) se tornou virtude. Fortalecer em demasia o “eu-companheiro” pode acabar (como aconteceu na equipe catalã) gerando um “eu-companheiro-bola” mais forte do que um “eu-bola-alvo” ou um “eu-bola-companheiro-alvo”, tornando muito distante a relação entre o “eu” e o “alvo”.

Não que o FC Barcelona tenha problemas com o alvo – o que pode dever-se (ou não) ao fato de ter um ou dois jogadores, com ótima e mais forte relação sistêmica com o gol, do que com os companheiros.

O fato é que no jogo contra o AC Milan (que defensivamente parece ter uma forte relação “eu-companheiro-bola”), o FC Barcelona em muitos momentos decisivos privilegiou o “eu-bola” e até o “eu-bola-alvo” (muito mais do que o habitual).

Outra coisa importante é que a equipe italiana conseguiu em uma fração significativa do jogo, quando da marcação em bloco alto, mostrar forte relação do seu “eu-bola” (o que não lhe parece típico, como mencionei no parágrafo anterior).

Como está mais acostumada a enfrentar equipes que não se mostram fortes no “eu-bola” defensivo (principalmente em bloco alto), a equipe catalã teve dificuldades para fazer valer seu “eu-companheiro-bola” para chegar até o alvo – o que a influenciou algumas vezes a quebrar essa sua forte relação sistêmica.

Outra coisa importante a se destacar é que a equipe do Milan apresentou ao FC Barcelona relações do tipo “eu-bola-alvo” e “eu-bola-companheiro-alvo” muito mais fortes do que a equipe catalã está acostumada a enfrentar.

Como, dentro destas relações, o time italiano conseguiu otimizar a distância e o tempo entre o “eu” e o “alvo”, teve chances reais de fazer um gol.

E o que será do segundo jogo?

Sob seus domínios, com a grama milimetricamente aparada, torcida contagiante, e cabeça no lugar para dar “força” às relações que realmente são “fortes”, provável que aconteça o de sempre: no mínimo, um excelente espetáculo…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br  

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