Análise do lactato sanguíneo aplicado ao futebol: aspectos conceituais

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Na última semana escrevi sobre os aspectos históricos da utilização da análise do lactato sanguíneo, ocasião pela qual verificamos que seu surgimento gerou certos conflitos conceituais e metodológicos. Para continuar nossa linha de raciocínio, abordaremos nessa semana os aspectos conceituais.

Nos processos biológicos de produção de energia química podem ser utilizadas vias anaeróbias aláticas (ATP e ATP-CP), anaeróbias láticas (glicólise anaeróbia) ou vias aeróbias (glicose, lipídeos, aminoácidos). As vias anaeróbias recebem esse nome por não dependerem da utilização de oxigênio, enquanto na via aeróbia ocorre exatamente o contrário.

O primeiro problema conceitual que enfrentamos nessa área é quanto a utilização sinônima dos termos ácido lático e lactato, pois como o primeiro é um ácido e o segundo é um sal, não podem ser considerados a mesma coisa. Além disso, há evidências de que não há produção significativa de ácido lático (nem no músculo e nem no sangue) e, portanto, só o lactato seria passível de ser medido.

Outro problema é a crença de que o lactato só pode ser produzido pelo metabolismo anaeróbio na ausência de O2, pois com tal afirmativa, deveríamos imediatamente ter em mente pelo menos uma condição fisiológica natural em que fosse possível todo o oxigênio se exaurir do corpo, o que não é verdadeiro. O mais correto seria definir o metabolismo anaeróbio como sendo aquele que mesmo tendo O2 disponível, nós não o utilizamos pelo fato de ser mais vantajoso utilizar processos químicos de transformação de energia menos complexos (anaeróbios).

Outra confusão que se faz é definir o termo limiar anaeróbio como a intensidade de exercício pela qual a produção de energia passa a ser “predominantemente anaeróbia”. Ora, se houvesse “predomínio anaeróbio” em alguma situação, o Consumo Máximo de Oxigênio (VO2máx) sempre deveria anteceder o limiar e, nesse caso, toda a Fisiologia do Exercício que se conhece atualmente deveria ser não só repensada, mas reescrita. O mais correto, então, seria substituir o termo “predominância” pela expressão “maior contribuição anaeróbia”.

Ainda conceitualmente falando, o termo “limiar” – que significa limite – passou a ser adotado com a conotação de que havia uma transição metabólica aeróbia-anaeróbia e que, em determinado momento do exercício, o músculo esquelético sofresse hipoxia, produzindo mais ácido lático. Embora a teoria tenha sido muito bem fundamentada para a época (década de 60), anos depois ela foi abandonada, já que sua fundamentação baseava-se em técnicas e modelos de medidas metabólicas, até certo ponto limitados.

Contudo, apesar de a teoria da hipoxia ter sido descartada, o termo “limiar anaeróbio” permaneceu na literatura e junto com ele surgiram muitos outros nomes que dificultaram ainda mais a conceituação desse fenômeno. Parte da confusão que ocorre até os dias atuais se dá pelo fato de muitos termos receberem nomes diferentes apesar de representarem fenômenos fisiológicos semelhantes e outros receberem os mesmos nomes, mas representarem fenômenos fisiológicos distintos.

Definições como limiar de lactato, onset of blood lactate – OBLA, onset of plasma lactate – OPLA, limiar ventilatório, limiar aneróbio individual, limiar de eletromiografia, limiar de percepção subjetiva de esforço, potência crítica, máximo estado estável de lactato, limiar de frequência cardíaca, limiar de variabilidade da frequência cardíaca, entre outros, são alguns dos exemplos de nomenclaturas que encontramos na literatura.

Embora haja muitas nomenclaturas e possibilidades de determinação desses “limiares”, atualmente há consenso de que durante o exercício progressivo exista a ocorrência de duas zonas de transições metabólicas às quais podem ser detectadas por variadas metodologias.

No futebol, em um único teste, obtêm-se a velocidade, a frequência cardíaca e a concentração de lactato do limiar e tenta-se utilizar esses dados para a prescrição do treinamento. Mas aí, aspectos metodológicos (que serão abordados na próxima semana) necessitam ser bem definidos para não haver desperdício; nem de dinheiro, nem de tempo.

Para saber mais…

Myers J, Ashley E. Dangerous curves. A perspective on exercise, lactate, and the anaerobic threshold. Chest. 1997 Mar;111(3):787-95.

Robergs RA Exercise-induced metabolic acidosis: where do the protons come from? Sportscience 5(2), 2001.

Robergs RA. Science vs. personal bias in acid-base physiology. J Appl Physiol. 2008 Jul;105(1):363.

Svedahl K, MacIntosh BR. Anaerobic threshold: the concept and methods of measurement. Can J Appl Physiol. 2003 Apr;28(2):299-323.

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br

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