Ao Senhor Doutor Lino Castellani Filho

Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade
Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade

Meu querido e inolvidável amigo,

fui alertado pelo nosso querido João Paulo Medina para a carta que se dignou escrever, neste site, sobre a minha pessoa, querendo até, aqui e além, reacender cinzas que eu julgaria já apagadas. Quintiliano, um dos mestres da oratória romana, recomendava aos oradores do seu tempo: “louvem com moderação e agradeçam com simplicidade”. O meu querido amigo não sabe louvar com moderação, quando a mim se refere. Vou tentar agradecer-lhe com simplicidade.

O Lino e o Laércio, ao convidarem-me, em setembro de 1983, a visitar o Brasil, pela primeira vez, para participar num congresso do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte – permitiram que eu conhecesse e depois amasse um país onde as pessoas eram mesmo cordiais… como em nenhuma outra parte do mundo! E, por isso, pudesse encontrar homens fraternos, como o Lino, verdadeiros mestres em lições de tolerância, de benevolência, de generosidade. E, por isso, pudesse encontrar o meu espaço de refúgio, quando em Portugal me rodearam a incompreensão e o ressentimento dos que projectam amargamente na vida (sem saber superá-lo) o sofrimento de frustrações sem conta.

Um espaço de refúgio de que a carta que o meu amigo fez o favor de me escrever, na Universidade do Futebol, é bem a continuação. As palavras são pálidas para exprimir os grandes sentimentos. A verdadeira eloquência da gratidão é o silêncio. No entanto, eu não posso esconder que a sua carta deslumbrou-me, mas, quanto aos meus méritos, não me convenceu.

Sei bem dos meus limites. E, porque me chama “Mestre”, deixe-me ser seu discípulo. Muito tenho a aprender, de facto, do seu ideal de política, do seu ideal de pátria, do seu ideal de ciência, do seu ideal de amizade, do seu ideal de desporto. No que ao desporto diz respeito, nem o meu amigo, nem eu, acreditamos naquela prática desportiva, no âmbito de uma política social assistencialista, que distribui umas migalhas de desporto, em troca da desmobilização política do povo.

Aliás, comigo estão os brasileiros, designadamente professores de Educação Física, que tanto o admiram, pelo trabalho que tem promovido e desenvolvido, como governante, como docente, como pesquisador e escritor. Não me surpreende que o meu amigo tenha compreendido rapidamente o fundamental da minha tese sobre a motricidade humana.

Alguns treinadores sustentam que ela anuncia a passagem do treino analítico ao treino integrado. Francamente, o que eu pretendia, sobre o mais, era afirmar que os professores de Educação Física estavam preparados, até cientificamente, para lutarem por um mundo novo. O meu antidualismo não se ficava (não se fica) pelo dualismo corpo-alma, mas proclamava (proclama) que o dualismo corpo-alma é reflexo do dualismo senhor-servo, o que eu rejeito frontalmente.

Quando insisto que o objecto de estudo do professor de Educação Física é a motricidade humana, ou seja, o movimento intencional da transcendência (ou da superação), sublinho que este profissional não é tão-só um educador de físicos, mas de pessoas que se movimentam intencionalmente. Ora, o radical fundante do comportamento humano é etico e político. O meu querido amigo percebeu rapidamente (porque é um político inteligente) até onde eu queria chegar e, assim, tenho a certeza, fazemos parte do mesmo grupo. Não, a área do conhecimento que nós estudamos não se centra principalmente no físico, mas no homem todo. Nunca me esqueço o que me disse um treinador de futebol, muito conhecido: “Ó Professor, eu até não sei nada de fisiologia”…

Por seu intermédio, conheci, pessoalmente, o Paulo Freire. Conheço, também pessoalmente, treinadores e praticantes, desportivos, de renome internacional. Respeitando-os a todos, porque, a seu modo, são pessoas de qualidades invulgares, nenhum deles tem para mim o valor de Paulo Freire. Porque, para mim, a envergadura moral, a prática política estão antes de tudo o mais.

Meu querido amigo, no dia 20 do último mês, completei 78 anos de idade. O Lino Castellani Filho foi das paisagens humanas mais belas que a vida me permitiu contemplar. É, como diziam os romanos, um “homem de virtude” – a virtude, palavra tão grata à antiguidade clássica e tantas vezes repetida, junto da Loba de bronze, pelos oradores da velha Roma.

Um ponto ainda a salientar: ao ler a sua carta, cheguei à conclusão que o coração morre, mas não envelhece.

Seu

Manuel Sérgio
PS.: Um grande abraço a cada um dos seus filhos e respeitosos cumprimentos à sua esposa.
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

Compartilhe

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
Share on pinterest

Deixe o seu comentário

Deixe uma resposta

Mais conteúdo valioso