Com atraso

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 Há duas certezas em qualquer projeto de construção civil: 1 – o cronograma vai ser alterado; 2 – o responsável pelas obras vai ter dor de cabeça com isso. A preparação do Brasil para a Copa do Mundo de 2014, contudo, tem levado a outro nível a ideia de prazos estourados e falta de compromisso. O roteiro não chega a ser totalmente inesperado, mas reflete uma série de problemas que estão no cerne da realização do evento no país.

A abertura da Copa do Mundo de 2014 está marcada para o dia 12 de junho. Além de a maioria das obras das sedes ter sido alterada, postergada ou cancelada, apenas sete estádios foram inaugurados até o momento. Cuiabá, Curitiba, Manaus, Porto Alegre e São Paulo ainda têm arenas em obras.

Nessa lista, o caso mais complicado é o de Curitiba. A cidade escolheu como sede de jogos a Arena da Baixada, casa do Atlético-PR, mas ainda não conseguiu dar segurança à Fifa de que a obra ficará pronta a tempo. A entidade marcou uma entrevista coletiva para esta terça-feira para falar sobre o futuro do local na Copa do Mundo de 2014.

A reforma da Arena da Baixada tinha uma previsão inicial de custar R$ 185 milhões. O valor já ultrapassou R$ 330 milhões, e o Atlético-PR ainda precisa de R$ 65 milhões para fechar essa conta.

Também existe uma questão de prazo: o número de funcionários na obra será elevado de 1.250 para 1.500, mas apenas 35% dos 43 mil assentos haviam sido instalados até segunda-feira. A Fifa trabalha com o dia 26 de março como prazo final para o primeiro evento teste do estádio.

Os atrasos nas obras da Copa do Mundo interessam a muita gente. No caso de Curitiba, por exemplo, há um componente de pressão: com atrasos e ameaça de ficar fora da Copa do Mundo, a cidade conseguiu acelerar a obtenção de verba no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A negociação com o BNDES foi costurada pela senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), que deixou o cargo de ministra-chefe da Casa Civil e será candidata ao governo do Paraná – oposição, portanto, ao atual mandatário do Estado, Beto Richa (PSDB).

As mudanças no cronograma têm fundo político, é claro. E também possuem relação direta com um jogo de poder nos bastidores – a pressão sobre o BNDES, por exemplo. Mas a questão do atraso, no caso do Brasil, é um problema muito mais denso.

O Brasil já havia sofrido com atrasos na preparação para a Copa do Mundo de 1950. Quando o sorteio dos grupos foi realizado, no dia 22 de maio do ano do evento, a lista de sedes ainda não havia sido fechada.

Recife foi escolhida a apenas 60 dias da abertura da Copa do Mundo de 1950, que aconteceu no dia 24 de junho. E o Governo de Minas Gerais chegou a anunciar no dia 6 do mesmo mês a exclusão de Belo Horizonte, posteriormente recolocada no programa.

As duas histórias têm mais do que 64 anos entre elas. O custo da Copa do Mundo de 1950 ficou na casa dos R$ 500 milhões. Para 2014, o Brasil já gastou mais de R$ 8 bilhões apenas com estádios. Naquela época, o caderno de encargos não tinha as 420 páginas do atual. O “padrão Fifa” era outro, muito mais ameno.

No entanto, os dois casos revelam um traço preocupante: ambos escancaram a dificuldade de planejamento dos brasileiros. É praticamente um traço cultural.

O Brasil ficou sabendo em 1946 que seria sede da Copa do Mundo de 1949, posteriormente adiada para 1950. Para 2014, o país foi candidato único. A ratificação do local aconteceu em 2007.

Com três, quatro ou sete anos de frente, o Brasil mostrou os mesmos problemas de gestão e de cronograma. Ainda que as razões sejam diferentes, o país desperdiçou as duas chances de se preparar adequadamente para um grande evento.

Mais do que isso: em 1950 e em 2014, o Brasil mostrou que não tinha um projeto para a Copa do Mundo; a Copa do Mundo era o projeto.

Afinal, dizer que a Copa do Mundo será um importante motor para o turismo é falacioso. O evento atrai estrangeiros, é verdade, mas não causa mudanças contundentes no fluxo de pessoas que visitam os países-sede.

Também é raso atrelar a Copa do Mundo ao desenvolvimento do país. O Brasil viveu nos últimos anos um excelente momento econômico, associado diretamente ao crescimento do poder de consumo da população, e nem assim conseguiu entregar obras fundamentais para planejar a evolução do país em médio e longo prazo.

O Brasil tampouco atrelou a Copa do Mundo a um plano de comunicação. A Alemanha usou o evento de 2006 para mostrar ao mundo o quanto havia evoluído em receptividade e como havia se tornado uma nação amigável para os turistas. E o torneio de 2014, vai servir exatamente para quê?

Até a disposição das sedes passa por isso. A Copa do Mundo começou a ser espalhada pelo país em 1994, quando os Estados Unidos entenderam que essa era uma forma de fazer com que os turistas do evento passeassem por diferentes regiões e conhecessem diferentes culturas.

O Brasil definiu as cidades que receberão jogos por razões exclusivamente políticas. Ainda que os locais sejam vinculados a alguns dos principais pontos turísticos do país, não há um plano consistente para levar o público a eles. O cara que passar um dia em Cuiabá para ver uma partida, por exemplo, não terá nenhum esquema especial para ser conduzido ao Pantanal.

O cerne dos atrasos da Copa do Mundo é esse, afinal: o Brasil não sabe por que está produzindo o evento. Enquanto a competição for apenas fim, as obras estarão sempre suscetíveis a pressões políticas e atrasos motivados até por razões pequenas.

Um dos grandes defeitos do Brasil na Copa de 2014 é a comunicação. O país simplesmente não colocou o evento em um plano maior.

Algumas grandes empresas têm departamentos de integração. São áreas dedicadas à comunicação interna, voltadas a fazer com que os funcionários entendam as políticas da companhia e saibam o porquê de cada decisão tomada pela marca.

No caso do Brasil-2014, faltou comunicação interna. Faltou disseminar objetivos e metas. E nesse caso, o atraso não é mais remediável.

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