Comunicação de crise no esporte

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Não é qualquer pessoa que tem humildade suficiente para admitir que precisa de ajuda. Aliás, são poucos os que têm capacidade de analisar um ambiente com distanciamento necessário para entender que uma ação externa é necessária. Falar sobre isso, então, é um tabu para a maioria. O futebol brasileiro é prova disso.

Ter dívida não é um problema. Toda grande empresa tem. Quase toda pessoa tem (considere que compras parceladas, financiamentos de imóveis e até alguns investimentos são “dívidas”). No entanto, por décadas de absoluto despreparo para lidar com essa realidade, os clubes brasileiros acumularam déficit que afeta negativamente a gestão.

Pense na realidade de uma pessoa: alguém que contrai uma dívida de longo prazo (a compra de um carro, por exemplo) e se compromete a pagar esse valor em parcelas mensais precisa fazer concessões. Para ter receita suficiente, é fundamental cortar custos em outras frentes e ter responsabilidade com o salário recebido.

Clubes brasileiros fazem o contrário: têm dívidas, mas seguem gastando mais do que recebem. Na prática, a dívida aumenta constantemente até se tornar impagável.

Em tempo: pagar a dívida nem sempre é o melhor negócio no Brasil. Em muitas situações, o melhor negócio é conseguir uma renegociação com taxas menores, reservar o dinheiro necessário para o pagamento e lucrar com rendimento. Não é a saída mais ética do mundo, mas é muito usual.

O problema é que clubes brasileiros não fazem nem isso. Não há um planejamento para lidar com déficit, e tampouco existe uma equação financeira adequada a uma realidade de crise. Não é uma unanimidade, mas essa é a realidade mais comum no esporte do país – e não apenas no futebol.

Esse cenário tornou-se ainda mais cruel quando os times de futebol do Brasil passaram a lidar com orçamentos maiores. Com mais dinheiro, a saída responsável seria equacionar a dívida e criar um cenário sustentável para os anos seguintes. A saída imposta pelo mercado foi inflacionar contratos, pagar mais por profissionais e fazer negociações menos responsáveis.

A análise financeira do futebol brasileiro precisa ser mais aprofundada e individualizada, é claro, e esse texto não seria suficiente para isso. A questão aqui é que a comunicação precisa estar preparada para um dos momentos mais complicados da história do futebol brasileiro.

Clubes não têm dinheiro, e isso não é novidade. A novidade é que as dívidas altas têm influenciado diretamente o processo de gestão. Além dos prejuízos, clubes lidam com receitas antecipadas e pouca margem de negociação de curto prazo.

A negociação irresponsável de atletas também entra nessa conta. Clubes passaram anos abrindo mão de direitos sobre seus principais talentos, em negócios cujo foco era equacionar a dívida. O resultado? Em vez do déficit, o que diminuiu foi o ativo.

No último domingo, dois comentaristas de um programa do canal fechado “Fox Sports” discutiram sobre a reação a isso. Falando especificamente sobre o caso do Flamengo, que tem se esforçado para incluir austeridade na gestão e reduzir a dívida, um deles defendeu os preceitos incutidos na gestão do clube durante a gestão do presidente Eduardo Bandeira de Mello. Outro respondeu que a torcida liga pouco para isso e que qualquer avaliação do trabalho de um mandatário depende exclusivamente da quantidade de vitórias.

O Santos tem vivido dicotomia similar. Alguns dos principais jogadores do clube saíram por falta de pagamento – nomes como Edu Dracena, Arouca, Mena e Leandro Damião acionaram a Justiça para encerrar vínculo com o clube. Ainda assim, a diretoria contratou reforços para a temporada 2015 e foi atrás de nomes como o centroavante Ricardo Oliveira, que assinou um contrato de risco.

Se você fosse jogador do Santos e estivesse com salários atrasados, como reagiria a essas contratações? Como você lidaria com uma empresa que deixa de pagar o que deve para fazer novos investimentos?

O exemplo contrário é o Palmeiras. Depois de um ano extremamente conturbado, a diretoria alviverde fez uma montagem de elenco em 2015 que não teve apenas sentido técnico. As 15 contratações também foram feitas para mexer com a autoestima dos torcedores, que se empolgaram com a perspectiva de uma equipe mais forte.

O ápice disso foi a contratação do atacante Dudu, ex-jogador do Grêmio. O Palmeiras contratou o jogador depois de Corinthians e São Paulo terem passado dias disputando. Foi uma vitória que mostrou à torcida e ao mercado que o clube alviverde era uma alternativa real para os atletas mais badalados do mercado. Antes da justificativa técnica, foi uma negociação de fundo emocional.

O problema é que muitos clubes usam exclusivamente essa ideia. Contratações não são estratégicas, mas caminhos para mexer com a autoestima do torcedor e para dar respostas ao mercado.

No caso do Palmeiras, a contratação de Dudu foi atrelada a uma comunicação voltada a incrementar o programa de sócios do clube. Em um dia, foram mais de duas mil adesões.

E o Santos, o que tem feito para justificar tantas contratações? E os outros clubes que vivem momentos complicados? Fazer comunicação na crise é mais difícil, mas muito mais importante.

O futebol brasileiro precisa parar de agir como ricos falidos. Os clubes precisam deixar de ser aquelas pessoas que agem como se ainda fossem poderosas e que gastam como se tivessem como pagar.

As dívidas dos clubes brasileiros deixaram de ser administráveis. Pior: elas têm comprometido a gestão. Se os dirigentes quiserem pensar minimamente em um futuro rentável, é fundamental que eles adotem práticas austeras. E para isso, é fundamental fazer comunicação com foco em gestão de crise.

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