Ficar berrando na beira do gramado: pré-requisito para ser treinador?

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Assistindo a um jogo da Copa do Mundo 2009 de futebol sub-17, entre as seleções da Nigéria e da Espanha, pela internet, me chamou a atenção um diálogo entre o narrador e o comentarista da partida, que de certa forma não entendiam como o treinador de uma das equipes (o da Nigéria) podia permanecer sentado durante todo o jogo sem passar instruções ao seu time.

O narrador questionava a real “utilidade” de se ter um treinador sentado o tempo todo no banco de reservas. O comentarista completava dizendo que para essa faixa etária (jogadores sub-17), já se podia considerar futebol de “alto nível competitivo”, e que portanto o treinador devia, mas não precisava, ficar o tempo todo na beira do gramado passando as suas instruções – e “emendou” que a ação do treinador no campo falando aos jogadores era dependente da idade e experiência dos jogadores: quanto mais jovens e inexperientes, mais “ação” do treinador na beira do campo (e ainda completou: “claro, mas sem “xingar”).

Existem tantas coisas nas entrelinhas das colocações do narrador e do comentarista que poderíamos ficar muito tempo debatendo o assunto. Porém, para ser breve, focarei a questão em alguns pontos que considero mais importantes.

O jogador de futebol vive em sua profissão, o mesmo que muitos trabalhadores em seus empregos, diariamente. Um engenheiro, quanto mais pratica seus conhecimentos e se mantém atualizado a novas descobertas, mais se qualifica como engenheiro. Quanto mais um médico, especialista em determinada “modalidade” cirúrgica, realiza cirurgias, melhor e mais qualificado se torna como cirurgião.

Isso vale para qualquer prática profissional. Quanto mais fazemos determinada coisa, quanto mais nos deparamos com novos problemas nesse fazer, mais vamos aprendendo sobre aquilo que fazemos, e mais preparados vamos ficando para fazer mais e melhor.

Então, em tese, jogadores profissionais devem fazer melhor aquilo que fazem, do que jogadores sub-20, e esses melhor do que os sub-17, que fazem melhor do que os sub-15, e assim sucessivamente.

A prática de jogar leva os jogadores a um jogar melhor, constantemente (ou assim deveria ser!).

Nessa perspectiva, a figura do treinador desempenha papel de grande importância, na medida em que ele (o treinador) é o agente facilitador e potencializador do conhecimento e aprendizagem dos jogadores. Em outras palavras, o treinador é aquele que, com seu trabalho, leva jogadores e equipes ao melhor entendimento do jogo e à melhor maneira de resolver os problemas presentes nele.

Isso vale do professor da escolinha de futebol da periferia, da cidadezinha do interior, ao treinador de uma equipe profissional que disputa a final de uma Champions League. A diferença está nos conteúdos que serão desenvolvidos para a construção do melhor entendimento do jogo (de acordo com a zona de desenvolvimento que cada um se encontra).

O fato é que, independentemente do nível de conhecimento para jogar (conhecimento complexo: “físico, tático, técnico, psicológico”), treinadores/professores deveriam ensinar seus jogadores/alunos para a autonomia. Isso quer dizer em outras palavras que o jogador deve aprender e ser preparado para agir/decidir sozinho, da melhor maneira possível, para ele individualmente e para o grupo (a equipe) ao mesmo tempo.

Educar para a autonomia é o oposto distante do que muitos treinadores fazem – e acabam sendo desmascarados no principal sintoma da sua atuação: os berros na beira do gramado tentando corrigir posicionamento ou “forçando” que uma ação qualquer de seus jogadores aconteça.

Conheço muitas escolinhas de futebol na região onde moro. O que vejo com frequência avassaladora é que treinadores se comportam mais como “adestradores” do que professores. E o que é pior, reproduzem aquilo que veem na TV: treinadores berrando e xingando na beira do gramado.

Mas como se espelhar em um exemplo que está errado? Como se espelhar em treinadores que reproduziram, e continuam reproduzindo, o que outros faziam com eles quando jogavam?

Conheço bons profissionais no futebol. Nas escolhinhas e no alto nível. Muitos deles têm que encenar na beira do campo, fazendo gestos e até berrando para manter seus empregos e não serem chamados de “passivos” e sem “fibra” pela imprensa (ou pelos pais, de “sem comando” ou “desmotivados”).

Voltando ao início do texto, o treinador da Nigéria ficou quase que o tempo todo no seu canto. Certo (talvez!?) que sua equipe sabia exatamente o que fazer, que ele poderia confiar na decisão dos seus jogadores. Como sua equipe venceu, os comentários não ganharam força.

Como não têm as informações que deviam ter, narrador e comentarista aprenderam menos do deviam ter aprendido, e um dia certamente farão de outro treinador uma vítima. Basta que ele perca o jogo!

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br  

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