Inteligência de jogo, situações-problema urgentes e a fragmentação dos treinamentos

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O jogo de futebol é uma composição infinita e imprevisível de um sem número de situações-problema.

Essas situações-problema, por mais que possam se assemelhar eventualmente, umas das outras, sempre, ainda que por mínimos e imperceptíveis detalhes (aos olhos do observador), são diferentes.

Isso quer dizer que a complexidade do jogo, em sua essência, proporciona contextos que vão exigir do jogador respostas extremamente ímpares e particulares a cada circunstância.

E como se não bastasse a evidente imprevisibilidade de situações que surgem no jogo, exigindo do jogador maleabilidade e adaptabilidade para responder precisamente a elas (às situações), há também, especialmente nas ações determinantes do resultado uma urgência muito típica.

Isso quer dizer que dentro do ambiente imprevisível do jogo, as ações de maior importância (as decisivas) se dão em circunstâncias em que o tempo para decidir e agir, é mínimo.

Nessas circunstâncias, se o jogador não estiver bem preparado, ele pode levar cerca de 550 a 750 milissegundos para efetivamente expressar soluções às exigências momentâneas do jogo (o processo desde a intenção prévia da ação, no córtex frontal cerebral seguindo todo caminho "normal" até a ação efetiva [córtex frontal → córtex parietal ↔ córtex motor → estruturas musculares] pode levar esse tempo).

O problema é que em muitas situações emergenciais dentro do jogo de futebol, o tempo disponível para o "decidir-agir" é muito menor do que 550 milissegundos (pesquisas mostram tempos de 30 (isso mesmo, 30 e não 300) milissegundos a se dispor em situações urgentes dentro da grande área).

O êxito nessas situações é explicado hoje a partir de uma ideia de que os jogadores podem ser treinados para anteciparem suas decisões/ações de maneira a responder ao problema quase que ao mesmo tempo em que ele surge concretamente.

O tempo para mobilização da inteligência no contexto de jogo em situações emergenciais, em que os conflitos surgem de maneira urgente e necessitam de respostas rápidas é essencial para o êxito.

Gastar mais tempo para resolver o problema pode significar aumentar o número de conflitos a serem resolvidos, e também em última instância não resolver a situação de forma satisfatória.

A interação entre companheiros de equipe e adversários faz com que ao se gastar mais tempo, permanentemente novas "variáveis" da circunstância sejam avaliadas e tanto a atuação adversária para dificultar a ação com bola, quanto a atuação de companheiros para estruturar novas possibilidades de "ajuda" interfira diretamente nas decisões a serem tomadas, e logo nos desfechos possíveis.

Essas interações se manifestam de forma tão variada quanto o número de situações-problema que podem surgir, e isso pode dificultar sobremaneira a mobilização da inteligência em antecipação, porque a cada novo contexto uma nova e quase desconhecida circunstância se apresenta.

Para interferir no processo de mobilização da inteligência quando os tempos disponíveis para a ação são maiores (porém em contexto de jogo, ainda diminutos), e/ou quando são extremamente escassos, é necessário então que o jogador seja preparado para resolver problemas nesse contexto.

A grande questão é que quando se pensa no delineamento para preparação de um jogador de futebol, via de regra, são nos referenciais cartesianos que as tentativas de elaborá-lo se estruturam.

É então comum que para preparar o jogador para o jogo, a solução encontrada seja a fragmentação do mesmo (do jogo), em partes que cuidem de forma isolada das necessidades atléticas do jogador.

É comum também que quando da busca para contemplar essa ou aquela situação-problema no jogo, sejam feitas (em distanciamento da complexidade) ações não condizentes com "o todo" e tão pouco com "carga" que possa gerar ajustes efetivos para o jogar.

Ora, um treino tático é físico, um treino técnico é físico; e os treinos físicos podem ser qualquer coisa.

Onde se separa no jogo uma ação do jogador em técnica, tática, física ou psicológica?

Onde começa uma e termina a outra se todas elas são a manifestação do mesmo fenômeno; o jogar?

O jogo é imprevisível. As ações determinantes são urgentes. A inteligência precisará, nesse contexto, ser mobilizada inúmeras vezes em antecipação. A decomposição dos treinos em partes (parte física, técnica, tática, etc.) não contribui em nada para o condicionamento da mobilização da inteligência da maneira descrita.

Se a inteligência humana é circunstancial, e as circunstâncias referidas no contexto do futebol são emergenciais e imprevisíveis, é essencial e também urgente (como já disse inúmeras vezes outrora), que o paradigma regente deixe de ser "treino é treino, e jogo é jogo" e se transforme no "jogo é treino e treino é jogo".

Somente assim, os treinos e a preparação realmente farão sentido, e o acaso, na maior parte das vezes, passe apenas a ser tema principal das conversas do bar…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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