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Quando feito de forma correta, o processo da comunicação é extremamente simples: é um jogo em que dois personagens trocam mensagens enquanto alternam as funções de emissor e receptor.

O problema é que nem sempre esse processo é tão direto. Há vários fatores que podem colocar em risco a total compreensão do conteúdo transmitido em uma conversa. Com isso, o que parece natural pode se transformar em armadilha.

Pense na brincadeira infantil do telefone sem fio, por exemplo. O jogo consiste em uma mensagem que parte de uma pessoa e vai passando para outras, de ouvido a ouvido, até que o último da fila tenha de relatar o que ouviu. O que chega raramente é fiel à versão original.

A lógica da brincadeira infantil serve também para outros segmentos. Serve, por exemplo, para nortear os processos de comunicação em empresas, instituições e até clubes de futebol.

Reduzir a crise do São Paulo a um problema de comunicação seria um reducionismo extremamente infeliz. O clube vive um problema institucional, e esse cenário é agravado pela sequência de resultados negativos em campo.

Contudo, é impossível ignorar os deslizes de comunicação cometidos pelo São Paulo durante o momento ruim. O time tricolor não vence há dez jogos (sete vitórias e três empates), mas, esse período também foi suficiente para acumular uma incontável série de exemplos negativos.

O maior deles foi a discussão pública entre o goleiro e capitão Rogério Ceni, um dos principais ídolos da história do clube, e o diretor de futebol da equipe paulista, Adalberto Baptista.

A celeuma começou quando o goleiro foi questionado sobre o atual momento do São Paulo. Passional e competitivo, o camisa 01 foi taxativo: "O clube parou no tempo".

A afirmação de Ceni foi especialmente dolorosa para Baptista, diretor que conduz o futebol do clube. Ele escancarou todo o incômodo ao usar o mesmo expediente do goleiro, aproveitar uma entrevista coletiva e fazer críticas técnicas ao capitão da equipe.

No depoimento, Baptista disse que Ceni tinha uma lesão no pé e que isso estava comprometendo o desempenho do goleiro, inclusive em aspectos técnicos. Ele citou especificamente a reposição de bola como forma de exemplificar.

A tréplica de Ceni também foi pública. O goleiro disse que não sente mais dores no pé e negou conviver com limitações físicas decorrentes da lesão. Ele também fez uma crítica velada a Baptista, que deixou de acompanhar o São Paulo em uma viagem para a Bolívia neste ano, em jogo da primeira fase da Copa Bridgestone Libertadores, porque tinha uma corrida da Porsche Cup.

A troca de acusações entre Ceni e Baptista é um exemplo do que não fazer em qualquer processo de gestão de crise. Sobretudo porque os dois discutiram publicamente, agravando a percepção pública de que o São Paulo vive um momento ruim.

Em horas assim vale a máxima: roupa suja se lava em casa. Entre todas as acusações e críticas públicas trocadas por Ceni e Baptista, o mais grave foi uma frase do goleiro na última sexta-feira. "Eu não falei com o Adalberto depois da entrevista dele", disse o capitão tricolor.

Além de terem exposto uma divergência que devia ser interna, o goleiro e o diretor mostraram que não há diálogo entre eles. Quando o principal dirigente e a maior estrela da equipe entram em uma colisão tão contundente, a crise é muito maior do que os dez jogos sem vencer.

Outro exemplo negativo de comunicação do São Paulo durante a crise foi dado pelo presidente Juvenal Juvêncio. Ele tentou tomar as atenções na apresentação do técnico Paulo Autuori, contratado após a demissão de Ney Franco. Para isso, fez um discurso enfático, cheio de frases fortes.

O show de Juvêncio foi baseado em estratégia. No entanto, o resultado foi triste. Quando apelou ao estilo folclórico e até a comparações com rivais para chamar atenção, o presidente do São Paulo escancarou o quanto está descolado da atual realidade do clube.

Pode até parecer paradoxal, mas gestão de crise começa quando não há crise. Nesses momentos é que a comunicação deve se preparar para abafar problemas e construir discursos que sejam condizentes com os objetivos da instituição.

No São Paulo, a crise mostrou que não havia soluções prontas. Não havia sequer diálogo entre diferentes esferas do clube.

Se a comunicação não estiver pronta, o trabalho de contenção de uma crise é muito mais complicado. Ainda assim, é fundamental que ele seja feito sem omissão. O São Paulo não podia assistir a um confronto público entre um diretor e o capitão do time.

O mesmo vale para o embate político que tem crescido em espaço na mídia. Há notícias pululando constantemente, sejam elas contra a situação ou contra a oposição. E o processo eleitoral do clube, lembremos, será realizado apenas em abril do próximo ano.

Enquanto diferentes esferas se digladiam, o São Paulo não planeja. A comunicação não seria a solução para nenhuma crise, mas ao menos teria um potencial enorme para diminuir o impacto do mau momento.

O exemplo Guardiola

No Brasil, é comum que treinadores façam mistério sobre estratégias ou questões táticas de suas equipes. O debate costuma ser vazio, raso, e muito disso é consequência da falta de cultura de discussão sobre a questão técnica.

Mas essa característica não é exclusividade do Brasil. Contratado para comandar o Bayern de Munique a partir da temporada 2013/2014, o espanhol Pep Guardiola chamou atenção ao conversar com um jornalista da rede Sat.1.

O técnico viu um papel em que o jornalista havia desenhado a formação do Bayern de Munique em um amistoso contra o Hamburgo. Guardiola analisou e corrigiu uma série de aspectos, como o posicionamento do meio-campista Tony Kroos.

"Ele mostrou que eu não tenho ideia", disse Holger Pfandt ao jornal alemão "Bild".

Muitos classificaram a atitude de Guardiola como arrogante, mas o treinador estava fazendo gestão de crise. Ele foi prevenido, explicando questões sobre o posicionamento para evitar que o jornalista fizesse críticas infundadas no futuro.

Guardiola é um dos técnicos mais eficientes na história recente do futebol. Os exemplos do São Paulo e da Alemanha mostram, porém, que o espanhol também podia dar aulas em outras áreas.

 

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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