O alemão e o bigode

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O Brasil conquistou no último domingo o quarto título na Copa das Confederações (o terceiro consecutivo). Jogando em um Maracanã lotado, a seleção sul-americana teve um desempenho irrepreensível e fez 3 a 0 na Espanha, atual campeã mundial e bicampeã da Europa.

Eram muitas as razões para que o clima pós-jogo fosse afável e festivo nos vestiários dos anfitriões. Ainda assim, o técnico Luiz Felipe Scolari teve um momento menos tranquilo.

Felipão não gostou de uma pergunta feita por Tariq Panja, da Bloomberg. O repórter tentou estabelecer um paralelo entre a alegria do Maracanã e os protestos nas ruas, que foram fortemente reprimidos pela polícia.

O técnico chegou a dizer que não responderia, mas mudou de ideia. "Eu também gostaria de perguntar aos ingleses o que aconteceu no país durante os Jogos Olímpicos de 2012".

A resposta-ataque de Felipão remete a manifestações populares realizadas nas ruas de Londres antes e durante os Jogos Olímpicos de 2012, que foram realizados na cidade. O paralelo com o cenário do Brasil neste ano é extremamente pertinente.

A questão, contudo, não é o que foi dito pelo treinador da seleção brasileira. A questão é como. Ao tergiversar sobre o assunto proposto pelo repórter inglês e responder de forma ofensiva, Scolari deu uma demonstração de um de seus maiores trunfos: a comunicação.

A comissão técnica tem muitos méritos no título que a seleção brasileira conquistou na Copa das Confederações. Scolari acertou muito na construção do time, mas pouco funcionou tão bem quanto a comunicação. E isso vale para o grupo e para fora.

Para fora, Scolari representou muito. Pediu união nacional em torno do time e adotou um discurso nacionalista exacerbado antes mesmo de o torneio começar. Isso acrescentou à seleção um diferencial competitivo, que foi a simbiose com o público presente nos estádios.

Até a forma de jogar tem relação direta com isso. Ao propor uma marcação pressão nos minutos iniciais, Scolari criou um cenário direcionado a angariar rapidamente o apoio popular. Claramente, uma das ideias era mostrar aos espectadores o interesse da equipe nacional.

"A nossa equipe representa os anseios do povo", disse Scolari, em uma das respostas na entrevista coletiva do último domingo. Se tivesse tentado tocar mais a bola e cadenciar mais o jogo, o treinador talvez não tivesse despertado no público essa centelha de orgulho.

Nas declarações, Scolari também priorizou sempre o orgulho. Uma prova clara disso foi a reação do treinador à pergunta do repórter da Bloomberg. Foi algo como uma defesa nacional. O Brasil acima de tudo.

Depois da vitória por 2 a 1 sobre o Uruguai nas semifinais, Scolari chegou a dizer que o triunfo havia sido conquistado pelo torcedor brasileiro. Ele citou como exemplo disso a reação do público ao hino nacional – os espectadores ignoraram a interrupção da música no sistema de som oficial e entoaram o trecho final da primeira parte à capela.

O hino cantado pelos torcedores virou um hit na Copa das Confederações. A cena aconteceu em praticamente todos os jogos do Brasil no torneio, e vários atletas creditaram a isso a obstinação da equipe nacional nos primeiros minutos das partidas.

Mais uma vez, mérito de Scolari. Ele soube usar uma cena bonita para fomentar o orgulho nacional no público e nos atletas. Soube criar uma história motivacional e colocá-la no contexto da proposta de jogo da equipe.

Nesse aspecto, poucos treinadores são tão eficientes quanto Scolari. O que ele construiu em termos de comunicação na Copa das Confederações de 2013 é extremamente próximo do que ele havia feito na Copa do Mundo de 2002.

Naquela época, Scolari não tinha o apoio popular tão latente. A Copa do Mundo foi realizada na Coreia do Sul e no Japão, do outro lado do planeta. Mas ele também buscou elementos de orgulho nacional, como a música e as festas que estavam sendo realizadas no país.

Quando voltou à seleção brasileira, Scolari convivia com análises de que estava ultrapassado. Isso pode até ser verdade do ponto de vista tático, mas o discurso do treinador não envelhece. E quando o ambiente inteiro é positivo, fica muito mais fácil superar problemas em algumas áreas.

Aí entra outro mérito de Scolari: a união do grupo. Não houve "família" em 2013, mas o grupo se comprometeu absurdamente com a proposta do treinador. E novamente, a causa disso é a comunicação.

Há o exemplo claro do centroavante Fred. Ele passou em branco nos dois primeiros jogos e foi substituído por Jô, que balançou as redes em ambos. Antes do início do duelo com a Itália, Scolari chamou o camisa 9 e disse, entre outras coisas, que ele ficaria o tempo todo em campo.

Fred renasceu contra a Itália. Terminou a Copa das Confederações com cinco gols, mesmo número do espanhol Fernando Torres. Marcou duas vezes na decisão do torneio. E acima de tudo isso: transformou-se em peça fundamental para as movimentações da seleção brasileira com e sem a bola.

O comprometimento de Fred é um exemplo do quanto Scolari funcionou bem com a seleção brasileira. Planejar bem e pensar em estratégias eficientes são ações importantes para um técnico, mas nada disso funciona se os atletas não "comprarem a ideia".

É isso que chamou atenção na apresentação de Pep Guardiola como técnico do Bayern de Munique, realizada neste mês. Depois de marcar época como comandante do Barcelona, o espanhol passou um período sabático antes de acertar com os bávaros. Quando iniciou o novo trabalho, chegou falando alemão.

José Mourinho, que trocou recentemente o Real Madrid pelo Chelsea, foi questionado certa vez sobre a possibilidade de trabalhar na Alemanha. O técnico português respondeu que não tinha isso como meta, sobretudo porque o idioma seria uma barreira intransponível para ele.

Ao chegar falando alemão, Guardiola deu uma demonstração de comprometimento. E isso tem um papel fundamental na primeira impressão que ele vai provocar entre os novos comandados.

Na semana passada, o ex-goleiro Gilmar Rinaldi relatou uma história que reforça isso. Contratado por um time japonês depois da Copa do Mundo de 1994, ele pediu ao intérprete que ficasse atrás da meta no primeiro treino. Além disso, solicitou que o profissional anotasse as traduções para todos os comandos que ele dava em português.

No dia seguinte, o segundo de Rinaldi no Japão, ele já conseguiu usar comandos básicos no idioma local. Isso surpreendeu os atletas locais e ajudou, segundo o ex-goleiro, na afirmação dele no país.

Guardiola e Rinaldi podiam ter usado intérpretes. Isso não seria demérito nenhum, mas o que eles fizeram demonstrou comprometimento e vontade. Tudo comunica.< /p>

Além disso, os dois criaram ambientes favoráveis. Como o caso de Scolari ensina, isso é um passo enorme para o sucesso.

Há vários fatores a serem analisados no trabalho de Scolari. Ele não é perfeito porque ganhou – nem a seleção é. No entanto, o título conquistado no último domingo mostra um caminho fundamental: é impossível liderar grupos de pessoas sem a comunicação adequada.

 

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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