O braço de Jô e as pressões que nós criamos

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A despeito de jogar em casa e de ter mais domínio da bola, o líder Corinthians sofria contra o Vasco, que se defendia bem e até construiu boa chance no primeiro tempo. Aos 28min da etapa final, Marquinhos Gabriel fez lance individual pela esquerda e cruzou na direção da segunda trave. Martín Silva não cortou e Jô, que vinha atrás, usou o braço direito para empurrar para as redes e produzir o lance mais importante da 24ª rodada do Campeonato Brasileiro.

Depois da vitória por 1 a 0, ainda em campo, Jô foi interpelado por um repórter do canal fechado Premiere FC. Questionado sobre o lance do gol, tergiversou e evitou admitir que havia usado o braço: “Me joguei na bola e não vi se tocou ou não. Se tivesse tocado, eu ia falar”.

O comportamento de Jô é especialmente relevante porque o centroavante do Corinthians esteve envolvido em um lance polêmico no Campeonato Paulista. Quando o time do Parque São Jorge venceu o São Paulo por 2 a 0, disputou uma bola com o zagueiro Rodrigo Caio e foi advertido pelo árbitro, que viu um pisão do atacante na coxa de Renan Ribeiro. Assim que viu o cartão amarelo, que tiraria o rival da partida seguinte, o defensor tricolor interferiu e disse que era dele o pé que havia atingido o goleiro.

Naquela ocasião, Rodrigo Caio foi aplaudido em campo pelo próprio Jô. Depois da partida, o atacante do Corinthians classificou a atitude como “exemplar” e disse que o comportamento do defensor tricolor era um modelo a ser seguido no futuro. Que pretendia alterar sua conduta em campo após aquela demonstração de caráter e fair play.

A conduta de Rodrigo Caio foi extremamente elogiada, mas é bom lembrar que o zagueiro não foi unanimidade nem no próprio São Paulo. O zagueiro Maicon, então no time do Morumbi, chegou uma dizer a célebre frase: “Antes a mãe dele chorando do que a minha”. Rogério Ceni, técnico da equipe na época, também condenou o que considerou excesso de honestidade.

Jô acompanhou toda a repercussão que o lance de Rodrigo Caio teve. Quando ficou diante de uma oportunidade de escolher um caminho, contudo, mostrou que não é simples funcionar como o são-paulino. Tornou ainda maior a atitude do zagueiro no Campeonato Paulista e optou pelo caminho mais fácil: em vez de acusar-se ou de admitir o erro, omitiu-se.

Porque é isso, também: Jô não apenas infringiu a regra para vencer, mas não admitiu ter feito isso. Ignorou ao menos essas duas grandes chances de se comportar como o rival que elogiou meses antes.

Não seria justo exigir que Jô fosse Rodrigo Caio, mas o atacante do Corinthians perdeu no último domingo (17) uma chance de mostrar que boas ações podem dar frutos. Por já ter estado do outro lado, o jogador alvinegro vivenciou de perto as implicações de um comportamento honesto e viu o quanto isso pode influenciar o ambiente como um todo.

No entanto, o Campeonato Brasileiro tem diversos “Jôs” por rodada. Em praticamente todos os jogos há lances discutíveis em que o rumo tomado pela arbitragem poderia ser alterado por um comportamento mais honesto dos envolvidos. O que aumenta a proporção do que aconteceu em Corinthians x Vasco é a atitude prévia do atacante: quando enalteceu Rodrigo Caio e prometeu alterar o próprio comportamento, o jogador do time do Parque São Jorge criou para si uma pressão com a qual não estava preparado para lidar.

O comportamento de Jô contra o Vasco significa muita coisa, portanto. Engrandece o feito de Rodrigo Caio, coloca em dúvida o discurso que o corintiano adotou há cinco meses (bem como a capacidade que ele tem de admitir um erro) e serve como demonstração prática da pressão que podemos nos impor quando nos posicionamos sobre determinado tema.

No fim, o caso Jô é uma boa metáfora de tudo que tem acontecido no Brasil em outras esferas. Somos um país de pessoas que repelem a corrupção e que se posicionam publicamente contra qualquer malfeito, mas que não perdem oportunidades de tirar vantagem. É uma hipocrisia que serviria para explicar o que tem acontecido em várias outras searas.

E não, ninguém aqui está dizendo que a decisão de Jô é tão relevante quanto a de um político que se vê diante de uma possibilidade de corromper/ser corrompido. A questão é que os dois casos podem oferecer exemplos. O futebol pode ser um mundo à parte, mas o atacante do Corinthians teve uma oportunidade de tomar um caminho que extrapolaria muito os limites do esporte. Era para ser um elemento de esperança, mas virou uma constatação do quanto é difícil quebrar um paradigma.

Por tudo isso, uma das lições mais valiosas que o episódio oferece em termos de comunicação é que assumir compromissos públicos gera cobranças/pressão. Jô tinha obrigação de agir de forma diferente, mas essa obrigação tornou-se ainda maior e mais evidente depois do episódio Rodrigo Caio.

O que nos leva a outra história que repercutiu muito no fim de semana. O uruguaio Cavani bateu (e perdeu) um pênalti em jogo do Paris Saint-Germain, o que deflagrou uma crise de relacionamento com Neymar. Contratação mais cara da história do futebol, o camisa 10 chegou na última janela de transferências e quer ser o batedor oficial da equipe francesa.

Segundo o jornal francês “L’Équipe”, a crise de Neymar e Cavani foi além. Os dois também teriam discutido por uma cobrança de falta no primeiro tempo – o brasileiro assumiu o lance, bateu colocado e parou nas mãos do goleiro.

Toda a situação entre Neymar e Cavani é um problema para os superiores do PSG. Se a questão foi discutida internamente e ainda assim os dois jogadores externaram a discussão, há um caso a ser discutido pelo desrespeito à hierarquia. Se não foi, há um erro de gestão de grupo.

Se o PSG definiu que Cavani é o batedor de faltas e pênaltis e Neymar tentou se intrometer, o brasileiro vai ser punido? Se não definiu, alguém vai se intrometer nessa discussão? A omissão do clube pode criar uma situação insustentável entre os jogadores – se é que já não criou.

E o que isso tem a ver com o lance de Jô? Assim como aconteceu no caso do corintiano, Neymar adotou uma postura que vai jogar pressão sobre ele mesmo. Brigou publicamente para assumir faltas e pênaltis. Ele tem todo direito de querer isso e possui até aproveitamento que justifique o pleito, mas fazer isso dessa forma vai apenas criar um ambiente desfavorável para todos.

O que Jô poderia ensinar para Neymar: que chances de provar maturidade são raras e devem ser aproveitadas, mas que a pressão para reconhecê-las e tomar o caminho adequado é sempre maior quando suas palavras chegam antes de suas ações. O mundo todo poderia aprender com isso.

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