O esporte e o limite da humanidade

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Um ex-zagueiro brasileiro que defendeu a Roma conta um episódio emblemático acerca de rivalidade e o que extrapola as quatro linhas. Segundo ele, num clássico contra a Lazio, houve um entrevero com o então volante argentino Diego Simeone, hoje técnico do Atlético de Madri. Depois de uma discussão ríspida, o defensor acertou uma cusparada no rosto do rival. O que complicou a história: no dia seguinte, com ambos de folga, as famílias dos dois atletas se encontraram na fila de um cinema da capital italiana. O brasileiro, constrangido, teve a iniciativa de interpelar o hermano e pedir desculpas. Ouviu, em tom contemporizador, que Simeone havia pensado em fazer o mesmo e só foi menos rápido. O brasileiro em questão é Antonio Carlos Zago, treinador do Internacional.

No último domingo (23), o time colorado perdeu para o Caxias por 1 a 0 em partida válida pelas semifinais do Campeonato Gaúcho e precisou dos pênaltis para assegurar vaga na decisão. No entanto, nenhuma história do que aconteceu em campo chamou mais atenção do que um episódio protagonizado por Zago. O técnico interveio em uma discussão de jogadores no campo, foi empurrado por um adversário e simulou de forma patética uma agressão no rosto.

O treinador canastrão foi apenas um dos exemplos de um comportamento que pululou em jogos de futebol no Brasil durante a reta final dos Estaduais. Faz parte de um grupo que também conta, por exemplo, com o meia Lucas Lima, titular do Santos, time que foi eliminado pela Ponte Preta. Instantes depois de o Palmeiras cair diante do mesmo rival, o jogador correu às redes sociais para publicar uma provocação em forma de emoji.

Na outra semifinal do Campeonato Paulista, o são-paulino Rodrigo Caio teve um raro lance de honestidade – raro na comparação com o contexto: na primeira partida, depois de o árbitro ter identificado um pisão do corintiano Jô no goleiro Renan Ribeiro e punido o atacante com cartão amarelo, o defensor procurou o juiz para dizer que havia sido o autor do toque que atingiu seu companheiro. Inocentou o adversário e causou o cancelamento de uma advertência que teria alijado Jô do duelo seguinte.

De tão insólito, o lance de Rodrigo Caio reverberou mais do que o próprio jogo. Foi assunto em todo o país, e o zagueiro Maicon, companheiro do defensor no São Paulo, teve a resposta que mais chamou atenção. Questionado sobre a atitude do parceiro, disse que jamais teria feito algo parecido: “Antes a mãe dele [Jô] chorando do que a minha”.

A torcida do Corinthians respondeu no domingo. Em Itaquera, os alvinegros vaiaram Maicon a cada toque na bola e direcionaram cânticos homofóbicos ao defensor tricolor. No fim, com uma reação assim, muitas foram as mães com motivos para chorar.

Também têm motivos para pranto as mães dos torcedores do Criciúma que tentaram provocar a Chapecoense no domingo, em jogo válido pelo Campeonato Catarinense. Os aurinegros cantaram algo como “ão, ão, ão, abastece o avião” e chegaram a tocar uma marcha fúnebre nas arquibancadas, reação de extremo mau gosto ao maior desastre aéreo da história do esporte brasileiro.

Provocações fazem parte do jogo, e a rivalidade inerente ao futebol competitivo leva qualquer pessoa a um limite emocional que fomenta comportamentos extremos, é claro. Nada disso, contudo, serve como desculpa ou atenuante. Não há algo que amenize quando se extrapola os limites.

E não, o esporte não está ficando chato. Está ficando adulto e entendendo que é parte de um contexto maior, o que é extremamente benéfico. A simples existência de discussão em torno desse tipo de comportamento é prova de que existe uma evolução.

É necessário problematizar, sim. É necessário entender que o esporte profissional não é um mundo isolado e não pode ser permissivo. É fundamental entender que não estabelecemos os limites do outro.

Há linhas entre o que é piada, o que é provocação e o que é falta de respeito. São coisas diferentes, sim, e tratar tudo como parte do mesmo balaio é desrespeitar demais o outro.

O futebol não precisa apenas de mais gente como Rodrigo Caio. Um passo atrás, precisa de mais gente com discernimento suficiente para entender que brincadeiras ou provocações podem ofender, sim. Que não há contexto que justifique uma cusparada gratuita na cara de um rival. Mesmo que isso seja fundamental para determinar o placar de um jogo. O futebol é, afinal, apenas um jogo.

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