O início do Campeonato Brasileiro e a proteção aos patrocinadores

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Dos 20 times da primeira divisão, ao menos seis pouparam titulares na primeira rodada do Campeonato Brasileiro de 2015 – os jogos que iniciaram o certame foram distribuídos pelo último fim de semana, num período encravado entre partidas agudas de torneios como Copa do Brasil e Copa Bridgestone Libertadores. Agendado para um período conturbado, o começo da principal competição de clubes do futebol nacional também não motivou enorme trabalho de promoção, o que resultou em públicos minguados – apenas uma partida teve mais de 20 mil espectadores. Longe dos holofotes, com estádios vazios e sem a atenção devida, o Campeonato Brasileiro teve como protagonista na primeira rodada uma faixa. Sim, uma faixa.

O caso aconteceu no empate por 2 a 2 entre Palmeiras e Atlético-MG, no sábado (09), no Allianz Parque. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) colocou grandes tarjas brancas sobre placas com o nome da seguradora que batiza a arena. A medida foi uma forma de evitar que o nome da empresa fosse exibido em transmissões de canais fechados das Organizações Globo.

Por regulamento, a CBF tem autonomia no espaço em que os jogos do Campeonato Brasileiro são realizados. Cobrir as placas com o nome da Allianz, portanto, não foi ilegal. Contudo, chama atenção quando a entidade que realiza um campeonato toma medidas que prejudicam um parceiro de um dos participantes.

A CBF emitiu no domingo (10) um comunicado oficial sobre o tema. Depois da repercussão extremamente negativa, a entidade disse que houve um “excesso de zelo da empresa terceirizada encarregada dos procedimentos operacionais no estádio”. Ainda de acordo com a nota, o departamento de marketing da instituição nacional identificou e corrigiu o problema.

Ainda assim, uma discussão sobre o episódio é extremamente relevante. Não apenas pelo prejuízo que a ação da CBF causou à imagem da Allianz, que paga (e paga caro) para ter aquelas propriedades, mas pelo que isso representa num ideal macro de comunicação da entidade.

Levantamento do consultor Amir Somoggi apontou que a CBF faturou R$ 359 milhões com patrocínio e publicidade em 2014. Flamengo e Corinthians, os dois times nacionais que mais lucraram com essas fontes, obtiveram R$ 80 milhões e R$ 64 milhões (respectivamente). Na Espanha, Real Madrid (R$ 686 milhões) e Barcelona (R$ 573 milhões) amealharam muito mais do que a federação local (R$ 113 milhões), segundo dados dos últimos balanços.

O primeiro aspecto relevante sobre o episódio de sábado, portanto, é a concorrência entre CBF e clubes. A entidade nacional oferece a empresas propriedades semelhantes do que as equipes, mas conta com um grau infinitamente menor de rejeição. Em vez de trabalhar com marcas que buscam atributos diferentes, a instituição nacional canibaliza verbas que poderiam entrar nos cofres dos times.

Aconteceu um exemplo disso quando o G4, grupo que reunia departamentos de marketing de times de São Paulo, fechou um acordo com Coca-Cola e Kaiser. O contrato não incluía propriedades de mídia (exposição de marca em uniformes, por exemplo), mas tinha uma série de ações para match day. As marcas pagariam pela exclusividade em bares e pelo direito de fazer promoções voltadas ao público que estivesse nos estádios.

O modelo chegou a ser realizado em um clássico, mas depois foi embargado pela CBF. A entidade nunca emitiu justificativa oficial para o veto, mas o G4 alegou na época que houve um temor de concorrência – o Campeonato Brasileiro e a seleção são patrocinados por marcas da Ambev, concorrente de Coca-Cola e Kaiser.

O problema é que as atividades planejadas pelo G4 entravam em um limbo de regulamento – a CBF tem soberania em dias de jogo, mas não determina as propriedades que fazem parte do pacote. Portanto, a entidade tem condição de impedir que outras marcas façam ações nas partidas sem se ver obrigada a fazer algo semelhante.

Não existe um entendimento na CBF sobre o quanto os parceiros são importantes para o desenvolvimento dos clubes, que por sua vez sustentam o campeonato. Não há qualquer proteção às marcas que investem na modalidade e que poderiam até evoluir para um aporte à competição. Em vez disso, há uma espécie de pressão (algo como “se você não paga para mim, não pode ter vantagens em algo que eu organizo”).

Outro aspecto relevante é a relação da Globo com o conteúdo. Há alguns anos, segundo relato de um diretor de empresa, a emissora ofereceu a possibilidade de um tapete virtual sobre placas da Copa do Brasil, campeonato cuja venda de publicidade estática é feita pela agência Traffic.

Na prática, a ideia era vender inserções sobre as placas que a Traffic comercializava. Em vez dos parceiros do campeonato, os telespectadores veriam apenas patrocinadores da emissora. O projeto só não andou, segundo o diretor de uma companhia que recebeu a proposta, porque ninguém aceitou pagar por isso.

Mais tangível é o que a Globo faz com imagens de entrevistas. A emissora chegou a anunciar que faria uma abertura de ângulo de câmera para mostrar mais os anunciantes, mas houve retrocessos nesse aspecto. No último fim de semana, o canal fechado Sportv cortou parte da cabeça do técnico Marcelo Fernandes, do Santos, após empate por 1 a 1 com o Avaí. Tudo para não exibir um boné que ele usava e que tinha uma estampa na parte frontal.

É justo que a emissora tenha cuidado para não contaminar seu conteúdo e encher a tela de publicidade. É justo que a Globo exerça controle sobre o que não for informação e apenas “poluir” a tela. É inconcebível, porém, que isso seja feito sem o mínimo de participação dos clubes.

O que acontece no Brasil é a explicação prática para alguns dos principais eventos do mundo terem assumido a produção de mídia. A Fifa, por exemplo, trabalha com a HBS, empresa que gera imagens oficiais de todos os eventos da entidade. Emissoras que compram direitos têm câmeras exclusivas, mas apenas para uma fatia da transmissão. No geral, a instituição assegura um controle sobre o que é exibido e como é exibido.

O modelo Fifa-HBS é uma solução para um jogo de interesses. Afinal, a Globo não tem obrigação de pensar no melhor para o clube ou para o futebol nacional. A empresa paga para exibir um produto e tem de pensar apenas no melhor jeito de obter retorno.

Os interesses dos clubes devem ser protegidos pela CBF, por uma associação entre eles ou pelas próprias instituições (individualmente falando). A Globo precisa ser vista realmente como uma parceira, e não como mais um concorrente pelas mesmas verbas de marketing das empresas.

O controle da informação é parte fundamental em qualquer planejamento de comunicação. Sem isso, é impossível pensar em como aproveitar bem os espaços e as propriedades disponíveis. Para saber comunicar, é importante saber proteger.

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