O novo caso Jobson e o papel social do futebol

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O Botafogo disputou no último domingo (26) o primeiro jogo da decisão do Estadual do Rio de Janeiro (derrota por 1 a 0 para o Vasco no Maracanã). Jobson, não. Suspenso pela Fifa por ter se recusado a fazer exame antidoping em 2014, quando defendia o Al-Ittihad (Arábia Saudita), o atacante terá de ficar afastado dos gramados por quatro anos. Mas será que essa pena condiz com o papel social do futebol?

Em primeiro lugar, existe uma discussão em torno do caso. Jobson alega que o time árabe tinha uma dívida com ele, que já havia reclamado publicamente. O antidoping surpresa foi um pedido do próprio Al-Ittihad, e o profissional mandado ao hotel em que o atacante estava não falava português. Segundo o jogador, a recusa a se submeter àquela análise foi uma defesa para evitar qualquer tipo de armação.

No atual momento, contudo, discutir o episódio específico é apenas parte da história. Ainda que estivesse dopado e que tivesse rechaçado o exame para não ser flagrado, Jobson não podia ter sido submetido ao protocolo atual.

“Não sei [onde ele está]. Passei duas mensagens, mas até agora não tivemos resposta. Ele ficou de ir ao hotel [em que a equipe estava concentrada], mas não foi”, disse o técnico do Botafogo, René Simões, depois do jogo de domingo.

Anteriormente, o treinador já havia dito que colocaria profissionais para monitorar Jobson nesse período pós-notícia. Os advogados do atacante entrarão com um recurso na Fifa e pedirão efeito suspensivo para que ele volte a atuar – o atacante vinha sendo titular do Botafogo –, mas o medo agora não esportivo. Trata-se de um jogador reincidente no consumo de drogas, que foi alijado da profissão e que recebeu uma série de rótulos difíceis de não pespegar (“doente”, “viciado”, “indisciplinado” e “insolente”, por exemplo).

Nenhuma outra seara submete pessoas a provações públicas sobre drogas sociais. Quando esse tipo de substância foi incluído no antidoping do esporte, a alegação era criar exemplos para as pessoas que acompanham o segmento. A questão aqui é: será que o melhor exemplo é afastar Jobson da única coisa que ele sabe fazer, impor uma desilusão a ele, criar um ambiente hostil e fazer dele um pária? Talvez esse seja exatamente o roteiro para aproximá-lo novamente do vício.

Não discuti em momento algum se é correto o uso de drogas sociais. Não discuti em momento algum se esse consumo combina com o esporte, com figuras públicas ou com pessoas que são exemplos para gerações mais novas. Meu ponto é apenas um: suspender preventivamente, divulgar o fato, afastar um atleta por quatro anos e submetê-lo a um tribunal como um doping “comum” pode ser uma boa lição para outros, mas e para ele?

O tratamento destinado a Jobson pode ser exemplar, mas não tem sido exatamente a melhor abordagem do ponto de vista humano. Quem vai se responsabilizar se o atacante voltar a usar drogas ou se decidir se afastar das pessoas que estão tentando ajudá-lo?

Desde que os problemas de Jobson foram deflagrados, a única instituição que tem sido cuidadosa e tratado bem o jogador tem sido o Botafogo. O clube sempre esteve à disposição – ofereceu tratamentos e profissionais, por exemplo –, deu oportunidades e não fez publicidade sobre um drama que é extremamente pessoal. A Fifa não teve essa sensibilidade em momento algum.

Doping é um assunto relevante, obviamente, e por relevante deve ser acompanhado com minúcia pela imprensa. Agora cabe um questionamento sobre comunicação: em casos de drogas sociais, o posicionamento adotado pela Fifa é realmente o mais prudente?

Drogas sociais não adicionam ganho de performance. As substâncias flagradas em exames anteriores de Jobson não foram ingeridas porque ele queria ser um atacante melhor, mas por questões fora de campo. Para a Fifa, porém, isso sempre foi tratado como um desvio de conduta de um atleta, e não de uma pessoa.

Em primeiro lugar: é irresponsabilidade jogar doping social no mesmo balaio de outros casos. Se um atleta usou esse tipo de droga, não pode ser julgado como os que tentaram obter vantagem competitiva.

Além disso, o esporte tem uma função social. Trata-se de um agente formador (qualquer pessoa que tenha praticado uma modalidade na vida, ainda que de forma amadora, pode relatar o quanto isso influenciou no desenvolvimento de aspectos como dedicação, controle, concentração, trabalho coletivo, relação com a derrota e etc.). Estamos sendo corretos com Jobson?

Considero absolutamente absurda a divulgação de qualquer caso nesse sentido. De que serve as pessoas saberem qual droga ele ingeriu, quando foi e por que foi? De que adianta as pessoas revirarem a vida pessoal dele como se fosse um criminoso? É, não adianta.

Como agente formador e como ente social, o esporte tem um dever de dar exemplos e contribuir com as pessoas que o seguem. Mas também tem um dever de cuidar dos próprios atletas e de quem serve como pilar para a modalidade.

Agora leve o exemplo de Jobson a outros casos. Quais são as iniciativas do futebol mundial para ensinar jogadores a administrar dinheiro, por exemplo? Atletas que ganharam muito e gastaram ainda mais também são péssimas influências. O que é feito para evitá-las?

E os atletas que simulam agressões ou que tentam enganar árbitros e torcida? O que é feito para que eles não sejam exemplos para a sociedade?

O caso Jobson é um exemplo extremo do quanto o futebol (e a Fifa, de uma forma bem específica) negligencia a formação. Os bons exemplos são forças naturais amparadas por aspectos que a modalidade desenvolve, mas não por um trabalho consistente.

Enquanto tratarmos os atletas apenas como entidades a serem observadas e avaliadas, esse problema seguirá em diferentes áreas. Passou da hora de entendermos que lidamos com humanos e que humanos são sujeitos a dramas humanos. No esporte ou fora dele. 

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