O preço da notícia

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Pedro nunca foi afeito a idiossincrasias. Ao contrário, era homem pragmático. Hábitos tão assíduos quanto pleonásticos, cuja personalidade podia ser definida pelas atitudes e pelo trabalho.

Pedro nunca foi de ruminar. Identificava-se algo que podia ser mudado ou consertado, agia. Formulava-se uma ideia, não tinha medo de compartilhá-la e disseminá-la. Nunca teve medo de ser oriundo de um tempo em que, ao contrário do que acontece hoje em dia, era mais comum consertar objetos do que conceitos.

Pedro nasceu em 1920, num mundo que não existe mais. Para ele, o rádio de pilhas era indefectível. A rotina sofria influência direta dos horários da TV – o telejornal, a novela e o futebol eram compromissos imutáveis, por exemplo.

A geração que Pedro representa viu e protagonizou muitas mudanças, mas tudo isso aconteceu em um período espaçado. Por isso, essa geração sempre preservou a opção de não se adaptar. Pense em quantas vezes você viu alguém dessa faixa etária se recusar a aprender algo (dirigir, escrever, usar um computador, carregar um celular ou até aderir a redes sociais, por exemplo). A resiliência é uma característica que se perdeu.

A informação era um bem valioso na realidade em que esse grupo de pessoas cresceu. É a geração dos magnatas da mídia, que se reportavam a um público passivo e ditavam os hábitos de consumo da população.

Essa realidade acabou. O advento de novas tecnologias e as mudanças geopolíticas ampliaram a oferta de informações. O público, anteriormente passivo, começou a se especializar em algumas searas.

O período da especialização contribuiu muito para a produção de conhecimento. Surgiram aí o controle remoto e os canais específicos, em diferentes mídias, para abordar determinados assuntos em perspectiva mais densa.

E a mídia, que na gênese ditava padrões de consumo, passou a viver de anúncios direcionados, focados no público que consumia determinado segmento – cadernos de esportes de jornais, por exemplo, adotaram prospecção comercial focada em marcas que já investiam em esporte.

Essa segmentação total também ficou no passado. A geração seguinte foi marcada por uma relação mais sistêmica com a realidade, com conhecimento mais aprofundado sobre uma lista mais abrangente de assuntos.

O passo seguinte na evolução da comunicação foi a interação entre diferentes conteúdos, que é a síntese da maior funcionalidade de redes sociais. Hoje em dia, vivemos em um mundo que não se contenta com informações sobre assuntos diferentes. É fundamental vincular as notícias e estabelecer pontes entre esses dados e o cotidiano de quem acompanha.

Editorialmente, a mídia parece ter entendido que precisava mudar. Na forma e no conteúdo, não há veículo que tenha passado incólume a todas as alterações que o mundo sofreu. Surgiu um novo padrão de texto, uma nova relação com imagens e uma nova lista de recursos para a apresentação de um mesmo conteúdo.

A grande questão é outra: qual é o valor comercial disso? Fazer jornalismo é uma atividade como tantas outras, com custos e necessidade de gerar lucro. Mas como um veículo de mídia ganha dinheiro?

Essa questão é o cerne de uma crise que o Brasil vive atualmente. O país pode estar em um momento econômico favorável, com taxas de evolução em diversos segmentos, mas acompanhou nos últimos dias uma saraivada de notícias preocupantes no segmento de mídia.

O Grupo Estado pôs na rua a última edição do “Jornal da Tarde”, periódico que circulou durante 46 anos, e anunciou o fim do atual (e excelente) formato da rádio Estadão/ESPN. O Grupo RAC, de Campinas, encerrou a versão impressa do jornal “Diário do Povo”. E a Record decidiu reformular a Record News, processo que, segundo a “Folha de S.Paulo”, motivará mais de 40 demissões.

É impossível não pensar sobre o que motiva o fim de tantos veículos, ainda que as situações sejam radicalmente diferentes. O Grupo Estado, por exemplo, fez uma revisão de portfólio a fim de cortar custos e aumentar eficiência. A empresa tinha um gasto anual milionário para usar a marca e os profissionais da ESPN, e o JT sempre foi um veículo deficitário.

Aí entra o problema: deficitário. Sempre. O JT foi criado com um conceito diferente de jornalismo, com textos mais burilados, diagramação menos convencional e fotografias mais instigantes. Uma combinação que gerou uma produção de muita qualidade nos primeiros números, mas que também jogou os custos nas alturas.

Quando foi fechado, o JT tinha 37 mil assinantes. Isso, 37 mil. A cada 24 horas, 37 mil pessoas compravam o principal produto da marca. E nem assim o jornal conseguia ser superavitário.

Não há exemplo mais escancarado de como os veículos de comunicação precisam repensar as fontes de receita. Se o JT não conseguia viver de assinaturas e não conseguia viver de anúncios voltados a esse perfil de público, esse é um sinal de que a informação não pode ser fim em um plano de negócios. Ela tem de ser meio.

É isso que explica o sucesso de alguns veículos de nicho, com tiragem muito menor do que o JT. Há diversos caminhos possíveis, e o mais comum é o uso da marca do veículo para chancelar eventos ou espaços. A editora Abril faz isso com corridas da revista “Runners” e camarotes da revista “Placar”.

Veículos de mídia podem servir para muitos propósitos além de vender anúncio. Até mesmo para vender notícia – a “Agência Estado”, que abastece sites e outros jornais, é responsável por mais de 60% do faturamento do Grupo Estado. A “Gazeta Press” também é a principal fonte de receita da “Gazeta Esportiva”.

O que não é admissível é a ignávia. Fosse em outro segmento, a sucessão de notícias ruins já teria motivado protestos, pacotes de ajuda ou outra sorte de consequência. O mais triste é que o “Jornal da Tarde”, o “Diário do Povo” e a rádio Estadão/ESPN morrerão em silêncio.

Mais do que oportunidades de emprego ou espaços para acomodar o número cada vez maior de jornalistas que o Brasil forma, esses veículos eram vozes. As mortes deles representam menos opiniões em um mundo que precisa tanto de novas opiniões.

O mundo atual acabou com a dúvida. Assuntos que anteriormente gerariam discussões intensas e intermináveis atualmente são resolvidos na palma da mão, com uma busca na internet ou um aplicativo específico. Não existe mais o “não sei”.

Se antigamente eu tinha apenas a notícia e depois eu tinha acesso a apenas uma interpretação, hoje eu posso comparar um texto com fóruns, visões de especialistas, vídeos, imagens, infográficos e uma série de conteúdos relacionados. É o que foi descrito pelo argentino Jorge Luis Borges no conto “A biblioteca de Babel”: o universo é um mundo de prateleiras e livros, que só aumenta a nossa certeza de que é impossível conhecer tudo.

Entender que o mundo mudou é fundamental para a sobrevivência de qualquer veículo de mídia. É impossível buscar em uma realidade diferente as mesmas fontes de receita de outrora.

Também é fundamental que os profissionais entendam isso. Desde o jornalista, que precisa desenvolver muito mais o interesse pela criação de produtos e conteúdos vendáveis, até as pessoas que trabalham no esporte. Se o produto vendido é diferente, há novos caminhos a serem explorados.

O mais importante nesse processo é o veículo e seus profissionais entenderem o valor da marca. Saber os atributos associados a um produto é um passo primordial para transformá-lo em algo que realmente gere receita.

Pedro nunca foi um sujeito pronto para lidar com as mudanças na realidade em que ele vivia. Preferia seguir com o rádio de pilhas, mas ensinava, pai e avô orgulhoso, algo que os grandes veículos mundiais ainda precisam assimilar: não existe bem maior do que o que a imagem que você constrói e os ensinamentos que você deixa.

Para interagir com o autor:
guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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