O preço do espetáculo

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Os quatro "Ps" são um conceito usado no marketing ao menos desde a década de 1940. Nos negócios, ainda que forma empírica, a discussão sobre produto, preço, promoção e ponto de venda é ainda mais antiga. O futebol brasileiro ainda não é tratado como um produto, mas aos poucos começa a abordar o tema.

É claro que a discussão no futebol brasileiro ainda é rudimentar. É claro que o futebol brasileiro ainda começa a chegar aos quatro "Ps", mas os teóricos de comunicação e marketing já aprimoraram e modificaram esse mix. É claro que o debate no país tem sido permeado por uma série de conceitos prontos e de idiossincrasias. Ainda assim, é salutar pensar que assuntos outrora ignorados começam a fazer parte da pauta.

O futebol brasileiro ainda trata mal o ponto de venda e a promoção, mas evoluiu muito nos últimos anos sobre a visão de produto. E tem tido conversas – imaturas, é verdade – sobre o preço. Tudo isso expõe as feridas e mostra o quanto o mercado aqui ainda é subdesenvolvido, mas ao menos oferece perspectivas positivas.

Olhe o copo meio cheio: há alguns anos, o futebol brasileiro ignorava discussões sobre preço e produto. Hoje em dia, os assuntos pelo menos fazem parte da pauta.

Agora, olhe o copo meio vazio: a discussão sobre produto ainda é sair do zero para o quase zero. A discussão sobre preço ainda é "está caro" ou "está barato". Enquanto os debates não forem aprofundados, a evolução seguirá sendo lenta.

Quanto ao produto, a NBA deu na última semana uma aula ao futebol brasileiro. A liga profissional de basquete dos Estados Unidos já tem um patamar absolutamente diferente de relação com os consumidores, e quem foi ao jogo de pré-temporada que eles fizeram no Rio de Janeiro pôde ter uma ideia disso.

No entanto, preocupada com o tratamento destinado ao torcedor, a organização do campeonato procurou a Disney, maior empresa de entretenimento do planeta, para entender os preceitos que balizam a relação da marca com o público.

A NBA participou de uma reunião no Disney Institute, órgão responsável por montar os treinamentos dados aos funcionários dos parques. Além disso, a liga de basquete pediu um estudo sobre o atual tratamento dado ao público e em que pontos eles podem evoluir. A pesquisa incluirá todas as franquias e servirá como ponto de partida para as metas dos próximos anos.

O salto que a NBA pretende dar é de "tratar bem" para "tratar melhor" o consumidor. O futebol brasileiro ainda busca o “tratar bem”. Enquanto isso, no último sábado, a torcida do Coritiba tentou invadir uma área demarcada nas arquibancadas do Canindé durante o jogo contra a Portuguesa e foi abordada pela Polícia Militar com violência contundente. Ao menos 17 dos 20 times da primeira divisão do Campeonato Brasileiro tiveram adeptos envolvidos em episódios de brigas neste ano.

O futebol brasileiro vê a aproximação de uma realidade diferente, com novas arenas e um patamar mais refinado de serviços. Se isso não incluir respeito e um bom tratamento ao consumidor, contudo, a "casca" não será suficiente para provocar uma mudança.

Tratar o futebol como produto é ainda mais amplo, mas o futebol brasileiro já ficaria muito feliz se apenas retirasse do público a sensação de ser lesado.

O mesmo vale para os preços. Na semana passada, em evento realizado em São Paulo, o ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, fez uma ponderação interessante sobre o assunto: "Quem define os valores dos ingressos é o mercado".

Sanchez ofereceu um bom gancho para discussão. Podia ter saído daí um debate muito mais denso do que "é caro" ou "é barato". Ele mesmo, porém, desviou o foco. Questionado sobre uma promoção realizada pelo São Paulo, que reduziu o preço dos ingressos para jogos do Campeonato Brasileiro, o ex-mandatário alvinegro foi enfático: “O que eles fizeram foi um mal para o futebol brasileiro”.

Quando presidiu o Corinthians, Sanchez colecionou troca de farpas e provocações com a diretoria do São Paulo. Some essa animosidade a uma avaliação rasa e o resultado é um debate como o que aconteceu na terça-feira: réplicas e tréplicas intermináveis e inaproveitáveis.

Dias depois, o Flamengo ofereceu uma nova chance de discutir o assunto preço. O time rubro-negro reajustou preços de ingressos para a decisão da Copa Perdigão do Brasil, contra o Atlético-PR, no Maracanã. Torcedores comuns terão de pagar de R$ 250 a R$ 800, e os valores para sócios vão de R$ 150 a R$ 480.

“Essa é a última oportunidade que nós temos para arrecadar e equilibrar o fluxo de caixa. Depois, só em janeiro. Nós seremos muito gratos a quem puder fazer esse sacrifício e pagar um valor maior do que o de costume. Nós estamos passando por dificuldades e precisamos da ajuda de todos”, disse o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, à “Rádio Tupi”.

O reajuste dos preços gerou repercussão negativa e protestos. Até o Procon-RJ cobrou explicações do Flamengo sobre os valores cobrados por entradas para a decisão da Copa do Brasil.

Como disse Andrés Sanchez, “quem define é o mercado”. Essa é a lógica que faz com que times em crise criem promoções absurdas e que equipes em bom momento tentem tirar disso o maior faturamento possível.

A questão é que o futebol não pode ser tão suscetível ao mercado. O futebol precisa ser um produto atraente, que trabalhe com uma taxa de lotação maior nos estádios e que dependa menos dos períodos de bonança.

O exemplo está em muitas ligas da Europa. O Campeonato Inglês tem mais de 90% de taxa de ocupação nos estádios, por exemplo. O time que faz campanha ruim também leva muita gente, mesmo que seja apenas para ver a equipe mais badalada.

O futebol brasileiro vive uma gangorra de oferta e demanda porque promove mal os espetáculos. Também permite que isso aconteça porque oferece um produto que não condiz com a expectativa dos consumidores (nem em campo, nem fora dele).

É muito positivo que exista uma discussão sobre preço no Brasil. O país tem um padrão de vida caro, e isso permeia vários setores. O futebol tem usado argumentos como as novas arenas e as boas fases para inflacionar entradas.

Entretanto, a discussão não vai avançar se for apenas focada no preço. Já passou da hora de o Brasil aprender que as coisas não podem ser vistas de forma isolada e que elas têm repercussão, sim. Reduzir ou elevar os custos de entradas põe o time em um caminho, e é fundamental que os dirigentes entendam para onde essa rota vai.

A comunicação e o marketing entendem há pelo menos 70 anos que o preço não pode ser um evento isolado. No futebol brasileir
o, eu já ficaria feliz se visse pelo menos um resquício de estratégia nesse tipo de decisão.

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