O que o torcedor quer

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“É possível dividir o Campeonato Brasileiro em três fases: na primeira, as equipes ainda estão tentando entender o que elas querem para a temporada; na segunda, há um marasmo total; quando os objetivos ficam claros e a competição afunila, aí a disputa fica emocionante”. Foi assim que Casagrande, comentarista da TV Globo, reagiu no último domingo (20), durante a transmissão de Palmeiras x Botafogo, quando notou que o segundo tempo vinha sendo disputado em ritmo extremamente acelerado. E isso diz muito sobre o tipo de produto que é a principal competição do esporte mais popular do país.

A reta final do Campeonato Brasileiro escancara erros em processos de comunicação que foram cometidos durante todo o ano. É o fim das máscaras usadas por equipes que passaram meses ignorando sua verdadeira vocação na temporada, mas também é uma demonstração inequívoca de quanto a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e seus parceiros (incluindo os veículos de mídia que dão espaço ao torneio) se satisfazem com poucos meses de emoção em um universo que oscila entre “irregular” e “arrastado”.

O Palmeiras de 2016 talvez seja o melhor exemplo do que é o plano de comunicação do Campeonato Brasileiro. O time comandado por Cuca teve bons momentos no primeiro turno, mas não será lembrado pela excelência técnica ou pelas boas apresentações. Passa longe de ser pragmático, mas tampouco domina as ações em suas partidas. No último domingo, no tal duelo elogiado por Casagrande, esteve perto de perder para o Botafogo em vários momentos. Venceu por ter sido mais letal e resolvido quando teve oportunidade.

O desempenho reflete um pouco o sentimento do torcedor do Palmeiras, clube que não vence o Brasileiro desde 1994. Há enorme carga de tensão em torno da equipe, sobretudo por um histórico recente de decepções – o maior exemplo é a derrocada de 2009. Pergunte a qualquer torcedor alviverde se existe preocupação com o desempenho ou o estilo de jogo da equipe. A resposta invariavelmente vai ser algo como “a preocupação é o título”.

No todo, o Palmeiras é um time que começou o Brasileiro sem ter convicção de suas pretensões a despeito do discurso enfático do técnico Cuca. Depois, engrenou e aglutinou boas alterações. E no fim, quando a briga pelo título já havia se tornado palpável, a preocupação passou a ser “entregar”. É um pouco como uma metáfora do plano de comunicação do próprio Campeonato Brasileiro, um produto amorfo, que tem bons momentos e que no fim vive apenas de concluir o que foi proposto.

O Campeonato Brasileiro podia ser um produto preocupado com maneiras para encantar o consumidor e aumentar o alcance do produto. Em vez disso, porém, CBF mostra apenas os efeitos da ausência de um plano de comunicação que seja eficiente, abrangente e focado no médio/longo prazo. O sistema de pontos corridos foi implantado em 2003, e até hoje isso não foi suficiente para que os responsáveis pelo evento entendam a temporada como um roteiro que pode ter seguidos momentos de emoção.

Se houvesse um plano focado em todo o Campeonato Brasileiro, a “fase do marasmo” poderia ser mais atraente a diferentes tipos de público. A dúvida no futebol nacional, contudo, é até anterior a isso: afinal, qual é o público?

A verdade é que os responsáveis pelo Campeonato Brasileiro não conhecem seus consumidores e ignoram as faixas em que o produto pode se desenvolver mais. Faltam informações básicas sobre perfil, hábitos e preferências, e isso acaba tendo como reflexo a ausência de foco.

Essa talvez seja a grande diferença entre as histórias do Palmeiras e do Campeonato Brasileiro. O time paulista pode adotar um estilo mais pragmático e pensar apenas no título porque é esse o grande anseio de seus torcedores; a CBF não sabe sequer quais são os consumidores da principal competição que ela organiza, e sem saber não há como planejar ações para esse grupo ou direcionar o foco para outros segmentos.

O Campeonato Brasileiro de 2016 não será lembrado como um torneio de nível técnico baixo. Contudo, ainda é possível cortar muita “gordura” da competição. No todo, há uma fase muito grande em que os times sofrem com indefinição, falta de foco ou apenas questões de foco.

Essa postura dos responsáveis pela organização do Campeonato Brasileiro reforça um dos principais problemas de análise de futebol no país. Seguimos pensando apenas em retratos pontuais e ignorando o todo. Seguimos pensando em retalhos.

Atlético-MG e São Paulo são bons exemplos disso. O time mineiro é comandado por Marcelo Oliveira, que foi bicampeão brasileiro com o Cruzeiro e venceu a Copa do Brasil com o Palmeiras. Tem hoje o elenco mais caro do país, mas não embalou em momento algum do Campeonato Brasileiro. Pode fechar o ano como campeão da Copa do Brasil, mas isso é suficiente para uma análise sobre o trabalho?

E o que dizer de Ricardo Gomes? O técnico tem menos qualidade à disposição, é verdade, mas não conseguiu incutir no São Paulo as ideias que a diretoria e a torcida almejavam. Ainda assim, conseguiu uma goleada por 4 a 0 sobre o Corinthians e afastou o risco de queda para a segunda divisão. O saldo é positivo ou negativo?

Enquanto pensarmos apenas em questões pontuais ou em retratos de momentos, seguiremos com uma análise enviesada sobre o que acontece no futebol. Enquanto fizermos isso, seguiremos admitindo a inexistência de um plano de comunicação na principal competição de futebol do país. Enquanto tivermos essa visão fragmentada, seguiremos sem pensar no que o torcedor realmente quer.

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