O sapo na panela

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Robert Kaiser, secretário de redação do jornal norte-americano "Washington Post", viajou ao Japão em 1992. Na volta, produziu um relatório endereçado à cúpula do periódico e alicerçou a argumentação em uma analogia.

Segundo ele, o veículo era como um sapo em uma panela com água. Incapaz de perceber alterações sutis na temperatura ambiente, o animal ficaria inerte até diante da fervura.

A metáfora de Kaiser abre a conclusão de um estudo do Tow Center for Digital Journalism, núcleo da Columbia Journalism School. O material foi publicado no Brasil pela edição do bimestre maio / junho da revista de jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e eu já havia citado o material na semana passada.

Naquela época, Kaiser comparou o "Washington Post" ao sapo na panela porque viu no modelo de negócio do periódico uma discrepância muito grande com o mundo proposto pelos produtos eletrônicos tão disseminados na cultura asiática. O relatório de 2.700 palavras que ele elaborou propõe duas medidas ao veículo norte-americano: a criação de um jornal eletrônico e o desenvolvimento de um produto eletrônico de classificados.

Mais de 20 anos após a analogia de Kaiser, contudo, a mídia mundial ainda é como o sapo. A diferença agora é o que faz a água ferver. A tecnologia e os produtos eletrônicos já foram assimilados ao cotidiano do segmento, mas o advento de novas mídias provocou uma revolução que as empresas e os profissionais ainda não compreenderam totalmente.

O site "Buzzfeed" publicou em maio deste ano um artigo que corrobora essa ideia. O texto parte de um fato: em 2012, todas as séries de televisão dos Estados Unidos perderam audiência. O curioso é que o índice de pessoas que viram esses produtos na TV caiu, mas o número de seguidores não.

Se as pessoas não deixaram de ver as séries, como todas perderam audiência? Uma das explicações para isso é que os espectadores migraram para plataformas que oferecem o conteúdo on demand, no horário mais adequado à rotina deles e sem interrupções para comerciais.

O artigo sustenta que as novas gerações vão consolidar uma sociedade com ideias e conceitos diferentes. E assim como o casamento gay será uma adição natural ao dia a dia, o atual formato de comerciais e publicidades não será sequer considerado.

Sim, isso tem total relação com a penúria enfrentada por emissoras de rádio e TV no Brasil. Não é por acaso que canais nacionais ainda precisam alugar horários para fechar a conta. As gerações mais novas simplesmente não admitem a ideia do comercial tradicional.

Em maio deste ano, o grupo Publicis fez uma pesquisa com dois mil estudantes de marketing. Para 70% deles, o segmento vai ser dominado no futuro por "criação de conteúdo" e "estratégias de relações públicas".

O levantamento é interessante também para ratificar uma série de ideias sobre o futuro. Por exemplo: quase 90% acham que os executivos de marketing deveriam estar mais preocupados com as mídias digitais, mas 80% preveem a morte das agências que trabalham exclusivamente com esse tipo de plataforma de comunicação.

É claro que os jovens estudantes de marketing não são necessariamente a melhor fonte de previsões sobre o futuro da indústria, mas a análise deles tem muito fundamento. As mídias sociais precisam deixar de ser elementos externos no plano de comunicação.

Aliás, os planos de comunicação precisam deixar de ter elementos externos. Como em outras searas, a comunicação precisa vencer o pensamento multidisciplinar e avançar à interdisciplinaridade.

Nos últimos dias, o esporte deu dois grandes exemplos do quanto o mundo está mudando e do quanto as mudanças são drásticas. O primeiro foi dado por Neymar, principal ícone do futebol brasileiro nos últimos anos. O camisa 11 do Santos usou a rede social Twitter para anunciar no sábado que vai trocar o time alvinegro pelo Barcelona.

Há alguns anos, o anúncio de Neymar jamais teria sido feito no Twitter. Quando aceitou jogar no Corinthians, o atacante Ronaldo, representante de uma geração anterior, foi ao "Jornal Nacional", principal jornalístico diário da "TV Globo", para anunciar o acordo.

O anúncio de Neymar é um exemplo escancarado do quanto o paradigma mudou. Ele não correu à emissora mais popular do país, mas aproveitou um assunto de interesse nacional para se valorizar como plataforma de comunicação. O atleta é a própria mídia.

O outro caso aconteceu no Grand Slam de Roland Garros, disputado na França. Na segunda-feira, o ucraniano Sergiy Stakhovsky, número 101 do mundo, protagonizou uma cena curiosa durante o revés para o francês Richard Gasquet.

O duelo era válido pela primeira rodada. No primeiro set, Stakhovsky discordou de uma marcação da arbitragem. Revoltado com a decisão, o ucraniano foi até a bolsa, pegou um iPhone, correu até a linha e tirou uma foto. Depois, publicou a imagem no Twitter e a utilizou como argumento para reclamar.

Neymar tem 21 anos. Stakhovsky, 27. Os dois são representantes de gerações diferentes, mas os exemplos recentes mostram que ambos têm uma ideia clara do poder que possuem como mídia.

Em 2012, Neymar foi a terceira figura mais acionada na publicidade brasileira. O astro do Santos fez no país um caminho raro: ultrapassou o limite do esporte e se transformou em celebridade. O que ele faz fora de campo também passou a ser notícia, e uma das explicações para isso é uma boa estratégia de comunicação, ainda que muito se deva a um misto de carisma e empirismo.

A idolatria em torno de Neymar não tem como base apenas o que ele fez dentro das quatro linhas. Sem desmerecer as conquistas, os gols e os dribles fantásticos do atacante, há um componente que o diferencia de outros grandes atletas no Brasil: o comportamento. O cabelo, as roupas, o jeito de falar e a atitude do jogador ditam tendência no país.

Neymar também é ídolo porque sabe como falar com os jovens brasileiros. E isso passa por um bom uso de plataformas de mídia. O atacante não se restringe ao espaço tradicionalmente oferecido ao esporte.

A lógica é parecida com a que move a rede varejista Ponto Frio. A empresa é uma das maiores anunciantes do país no modelo convencional de publicidade, mas tem investido um valor gradativamente maior em novas mídias. O resultado disso é que ações integradas em redes sociais geraram R$ 20 milhões em vendas para a companhia em 2012.

O bom uso das novas plataformas de mídia não depende de estratégias especificamente focadas nelas. Na verdade, o fundamental é inserir essas ações em um contexto. É isso que as novas gerações mais querem, e não apenas na comunicação.

O clichê diz que a internet e os
novos meios de comunicação aproximaram as pessoas e findaram barreiras. O resultado, porém, é muito maior. O que temos hoje em dia é um novo paradigma de pensamento, e pensar de forma integrada é premente.

O estudo do Publicis que eu citei anteriormente tem mais um dado curioso: questionados sobre as maiores campanhas de marketing de 2012, os estudantes elegeram, na ordem: Red Bull Stratos, My time is now (Nike) e a abertura dos Jogos Olímpicos de Londres.

Grifo: a pergunta não era sobre as maiores campanhas de marketing do esporte; era abrangente, e qualquer área podia ter sido citada. O resultado mostra como a emoção produzida pelo esporte é um componente difícil de ser substituído.

Há outros aspectos que permeiam os três exemplos vencedores: todos eles foram universais e passaram por diferentes plataformas da "velha" e da "nova" mídia.

Se continuarmos a olhar para as coisas como elementos dissociados, seguiremos como o sapo na panela. O salto dali depende de estratégia e de esforço para uma abordagem sistêmica das coisas. A sobrevivência da mídia e o bom uso dela no esporte dependem disso.

 

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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