O 'titês' e a comunicação

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O título conquistado pelo Corinthians no último domingo, no Japão, tem um personagem especial. Cássio foi eleito o melhor jogador da Copa do Mundo de clubes da Fifa, Guerrero anotou o gol que definiu a vitória e muitos outros atletas tiveram participações relevantes, mas ninguém foi mais determinante para toda a trajetória do que o técnico Tite. E a comunicação tem grande participação nisso.

Tite soube ler as virtudes táticas e técnicas de adversários e soube montar o time de acordo com esses atributos. Contudo, há um episódio que resume bem o grande mérito dele à frente do Corinthians: a mudança que o comandante efetuou no time titular.

Porque Douglas, o camisa 10, líder de assistências na temporadas, foi preterido no jogo que definiria o título mundial. Na semifinal do torneio da Fifa, o meia havia dado um passe para Guerrero anotar o gol da vitória. Ainda assim, perdeu o lugar no time.

Aí começa a história que explica com perfeição a personalidade de Tite. O técnico estava preocupado com Hazard, jogador mais agudo da linha de armadores do Chelsea, sobretudo porque o belga é driblador e incisivo. Ele bateria de frente com o lateral-direito Alessandro, capitão e um dos jogadores mais experientes do elenco corintiano.

A decisão de Tite foi dar proteção a Alessandro. O técnico queria evitar que Hazard ficasse diante de apenas um marcador (mano a mano, para usar a expressão mais comum no futebol para designar esse tipo de situação). Esse tipo de confronto é a situação favorita do belga. O Chelsea trabalha para propiciar a ele situações assim.

Depois de cogitar escalar Romarinho, Tite escolheu Jorge Henrique. O camisa 23 foi eleito exatamente pela dedicação tática. A ordem passada a ele foi dar sustentação a Alessandro. Ele não podia deixar que o lateral ficasse mano a mano com Hazard.

Esse raciocínio mostra que a decisão de Tite é totalmente compreensível. Ainda assim, o técnico tirou do time o camisa 10. Esse é o tipo de alteração que pode demolir a relação entre um chefe e um comandado.

Para tentar amenizar o problema, Tite usou comunicação. Decidiu que Douglas seria o primeiro a saber da decisão. Contou ao camisa 10 antes mesmo de dar a boa notícia a Jorge Henrique.

Tite relatou a conversa antes mesmo de o Corinthians encarar o Chelsea. Disse que Douglas reagiu. O camisa 10 admitiu que estava chateado. "E tem de ser assim, mesmo. Mas eu preciso saber se você vai estar pronto se eu precisar", respondeu o técnico.

É evidente que o resultado do Mundial deu sustentação à decisão de Tite. No entanto, o técnico não esperou a vitória. Antes de mostrar que estava certo, preocupou-se com os danos, mostrou o porquê de ter adotado um caminho e se esforçou para não comprometer o ânimo de nenhum dos comandados.

Nenhuma dessas atitudes foi planejada por alguém da diretoria. Tite tem uma habilidade inata para lidar com gente, e a base desse talento é a honestidade. Honestidade deveria ser requisito básico, mas o mundo atual transformou esse atributo em virtude.

Alguém que demonstra preocupação e que fala com honestidade pode até gerar animosidade. Contudo, não vai perder o respeito das pessoas que participam do ambiente.

Tite usou estratégias básicas de comunicação, ainda que tenha feito isso de forma natural. E graças à comunicação, uma alteração que tinha potencial para um trauma contundente pode ser contornada com mais facilidade.

Foi isso que faltou, em episódios da semana anterior, a Grêmio e São Paulo. Ambos realizaram jogos internacionais em seus estádios, e os dois casos geraram repercussão negativa.

O Grêmio fez um amistoso para inaugurar uma nova arena. O jogo foi contra o Hamburgo, rival dos gaúchos no Mundial de 1983. Porém, os alemães saíram de Porto Alegre com uma extensa lista de reclamações.

Os problemas relatados pelos alemães vão de buracos no gramado a falta de água para banho no vestiário. Essa é a versão deles, evidentemente, e a versão deles não é necessariamente a verdade. Mas a comunicação podia ter minimizado as reações.

Se tivesse agido como Tite, o Grêmio teria interpelado os alemães antes do jogo. Teria explicado que o estádio é novo, e que toda obra nova sempre carece de pequenos ajustes. Teria explicado caminhos para resolver pequenos incidentes.

Não sei se isso foi feito, mas a reação dos alemães faz pensar que não. A ordem dos fatos também leva a crer que não houve réplica do Grêmio, e isso é outro erro. Para a mídia e para os convidados, o time tricolor precisava ter mostrado que os problemas eram casos isolados e que não têm a ver com a qualidade do estádio.

Vale a lógica de lojas ou restaurantes: o cliente sempre tem razão. O clube adversário pode ter exagerado em algumas reclamações ou pode até ter inventado problemas, mas o Grêmio tinha de se posicionar. Só vi uma nota oficial sobre o gramado, mas não achei nada sobre as outras críticas.

A lógica de tratamento a clientes também vale para o São Paulo. Não estou comparando nenhum caso, até porque faltam informações concretas sobre o que aconteceu nos vestiários do Morumbi. Só faço um alerta: o risco que o time paulista corre é transformar um episódio em uma rusga do clube com o mercado argentino.

Basta ver a repercussão que o caso teve na mídia argentina. Muitos veículos de lá "compraram" a versão do Tigre – jogadores disseram que foram agredidos por seguranças do São Paulo durante o intervalo, e por isso se recusaram a voltar para o segundo tempo da decisão da Copa Bridgestone Sul-Americana. A parcialidade ficou clara, por exemplo, na transmissão do canal "Fox Sports" portenho, cujas imagens abasteceram a cobertura do homônimo brasileiro.

Repito: nos dois casos, não há discussões sobre responsáveis, erros ou versões contraditórias. A questão é sobre comunicação e posicionamento. O São Paulo tinha de ter feito ações direcionadas ao povo argentino – uma nota oficial e peças de publicidade, por exemplo – para mostrar que o clube não é o que os jogadores do Tigre tentam construir. A reação não podia ser simplesmente contestar a versão dos atletas.

Aí entra outro aspecto fundamental: já que tudo comunica, a comunicação não pode ser isolada. Grêmio e São Paulo precisavam ter feito ações emergenciais que unissem assessoria de imprensa, publicidade e até iniciativas de marketing.

Tite devia dar aulas de comunicação, e não apenas porque sabe interagir com jornalistas e porque dá entrevistas saborosíssimas. Devia ser professor porque entende a necessidade de estratégia e de comunicação. E isso vale para qualquer realidade.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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