O treinador e as intervenções verbais: risco de causar dependência?

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Recentemente, trouxe para debate alguns dados sobre uma atividade de treino no formato de jogo (um jogo 5 contra 5).

Esses dados referiam-se especialmente ao número de passes realizados e também às distâncias percorridas por jogadores de futebol em um “mini-jogo” organizado em um campo “quadrado” de 35 metros de lados.

Neste campo, equipes distintas, com cinco jogadores cada, se enfrentavam durante 10 minutos, com objetivo principal de realizar o maior número de passes possível sem interrupção por parte do adversário – sendo que cada oito passes valia um ponto.

Pois bem.

Gostaria nesta semana, a partir dos mesmos dados, e a partir de uma questão proposta pelo fisiologista Bruno Pasquarelli, de me focar em um ponto diferente daquele mirado no texto anterior.

Então, para facilitar o entendimento sobre esse “ponto diferente”, trago novamente (com outra roupagem) a tabela com os dados que apresentei.

Vejamos:

Para “refrescar a memória”, vale salientar que a ideia geral da atividade era observar se, com a mudança da intervenção verbal por parte do treinador (condutor da atividade), as variáveis analisadas no jogo (aqui, no caso, distância percorrida e número de passes) sofreriam algum tipo de mudança.

Pois bem.

Algo bastante interessante apareceu com os resultados: independente da intervenção verbal orientada aplicada pelo treinador, tanto distância percorrida quanto volume de passes foram mais altos quando houve uma intervenção, do que quando não houve uma intervenção direcionada.

Em outras palavras, quando o treinador apenas arbitrou e conduziu o jogo para fazer valer suas regras, os jogadores percorreram distâncias menores e trocaram menos passes durante a atividade.

E é aí que entra uma questão importante levantada pelo professor Pasquarelli – pois se a intervenção verbal interfere de certa forma na dinâmica do jogo, não poderia ela também condicionar os jogadores a ficarem dependentes dela?

Sob o ponto de vista da complexidade, quando pretendemos gerar hábitos e comportamentos específicos de jogo, e nos utilizamos para isso de atividades na forma do próprio jogo de futebol – jogo regido por regras específicas que a curto, médio e longo prazo podem fazer emergir os comportamentos e hábitos desejados – devemos saber exatamente que tipo de resposta esperamos ter à determinada estimulação.

Então, conforme já mencionado, o “feedback” verbal do treinador quando conduz a atividade de treino, interferirá de alguma forma na resposta dos jogadores e na dinâmica do jogo.

Em geral, se bem programadas e bem controladas, as intervenções verbais podem melhorar as respostas dos jogadores durante os treinamentos. Porém, se mal organizadas dentro do processo, poderão sim gerar “dependência” por parte dos jogadores às verbalizações direcionadas do treinador.

Assim, se determinado comportamento precisa ser gerado, é adequado para a sua construção que se conheça bem qual tipo de “feedback”verbal pode ser útil como ferramenta. Mas é preciso também entender em qual dose, magnitude, frequência e momento essa ferramenta deve ser utilizada.

A dependência à fala do treinador pode representar fracasso dos jogadores e de suas equipes durante jogos formais 11 contra 11. Ao mesmo tempo, determinados “feedbacks” podem servir como “gatilhos” para que o treinador faça correções ou eleve o nível de desempenho de alguma variável durante um jogo.

Devemos buscar, dentro de uma ideia sistêmica de treinamento, que os jogadores sejam capazes, cada vez mais, de “ler” melhor as situações do jogo, tomar melhores decisões e especialmente, que sejam capazes de ser autônomos para agirem no jogo de maneira inteligente.

Criar dependência verbal é um problema porque, principalmente, não permite desenvolvimento de uma autonomia de jogo e não contribui para a melhor leitura dele.

Se considerarmos como correta a ideia de que cada dia de treino e que cada jogo formal em competição é uma oportunidade de aprendizagem, independente do nível competitivo, devemos aceitar também que a dependência verbal diminui o potencial que tem o jogo como ambiente de aprendizagem e desenvolvimento individual e coletivo.

Criar dependência verbal é tão grave quanto gerar comportamentos e hábitos de jogo inadequados, que não contribuam em nada com êxito em jogos de futebol!

Criar dependência verbal é tão grave quanto não compreender que as intervenções verbais direcionadas podem ser positivas para o processo (e também dentro do próprio jogo formal 11 contra 11)!

Então, de maneira geral, precisamos saber utilizar os “feedbacks” verbais a favor do processo. Isso quer dizer que eles não são problema; problema é a sua utilização indevida.

Você programa como deve orientar seus jogadores em treino?

Por ora, acho que é isso.

Até a próxima!

 

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

 

 

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