Organização de jogo e suas alternativas

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No decorrer dos anos, diversos paradigmas foram criados e quebrados, e transformações vêm acontecendo especialmente no Brasil. Transformações, se idealizadas corretamente, sem perda do DNA genuíno, proporcionam câmbios evolutivos relevantes. E esse é um período oportuno de crescimento e discussão da nomenclatura organização de jogo.

Organização de jogo, que alguns anos atrás era um estranho nome, um “fantasma europeu”, atualmente passou a ter uma conotação de grande relevância. Construtos teóricos, práticos e discursos de treinadores e gestores reforçam essa tese diariamente. É só pesquisar ou conversar com profissionais da área para notar diversas ideias explícitas, debatidas e especialmente ratificadas pelas numerosas alternativas organizacionais.

O termo organização pode ser tradicionalmente identificado como a coordenação planejada das atividades, tendo em vista uma quantidade de pessoas com o propósito ou objetivo comum, nítido, através da divisão do trabalho, autoridade e responsabilidade (SCHEIN, 1982). Também como um sistema criado ordenadamente para atender objetivos individuais ou coletivos e, com base nesses objetivos, modelar suas estruturas, estratégias, tecnologias, pessoas e processos (ETZIONI, 1973).

Com uma linha investigativa e reflexiva, Morgan (1996) acredita que uma organização deve ser concebida como um sistema vivo, que existe em um ambiente de interdependência-independência, com percepção satisfatória das suas várias necessidades, perspectivada dentro de uma ideia de que é possível planejar seu funcionamento como uma rede capaz de construir significados coletivo-comunicativos. Essa ideia remete ao entendimento da organização como fluxo e transformação, possivelmente o mais próximo da representação atual da cena organizacional, focalizada para as interações, para os círculos, para contradição e a crise.

Mesmo assim, como em qualquer área de conhecimento, existem várias tendências e todas são válidas. A vida organizacional clarificada por metáforas demonstra um pouco disso:

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Essas “metáforas organizacionais” automaticamente influenciam o entendimento de “organização de jogo” no futebol. Pensando numa definição simples, clara e aberta às várias tendências, “organização de jogo pode ser entendida como uma relação ou fragmentação de ideias específicas, construídas por interação intencional, recusa intencional ou pela individualidade de um dos componentes do jogo (estrutura, elementos e funcionalidade) distinguidas por nível de entendimento e pertinência, considerando intervenientes gerais e um contexto emergente-adaptativo que busca superar o adversário”.

E as equipes de futebol atuam como sistemas cujos constituintes se organizam com uma lógica particular, em função de ideias, num contexto de oposição e cooperação. No sentido em que as suas partes estão ligadas de certo modo e sob alguma norma, pode-se dizer que são sistemas caracterizados pela sua forma particular de organização. (GARGANTA, 1997)

O jogo de futebol é isso: um confronto de organizações singulares que precisam de uma ordem devidamente abalizada. E essa condição permite diversas formas de se organizar, já que não há nada que impeça a diversidade de expressão conceitual e operacional. Conceber as organizações como “formas Específicas de uma forma específica geral” que é o jogo de futebol, cria códigos intrínsecos de desempenho. Assim, cada organização possui sua identidade, demarcada por ideias, processos mais ou menos elaborados, sendo que o fim é sua eficácia qualitativo-quantitativa, ou seja, a vitória. E muitas vitórias são conquistadas por organizações variadas dentro de perspectivas distintas, seja no futebol formativo ou no futebol profissional. Abaixo algumas possibilidades, de muitas encontradas, dentre as alternativas organizacionais:

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Organização Mecânica Numérica e Reatividade Estratégica: procura focar mais na estrutura numérica de jogo. Cria padrões de movimentos rígidos, fechando um pouco a relação interativa do jogo, com exagerada ordem estática. Isola em demasia as tarefas dos jogadores. Também pode mirar exclusivamente na reação dos movimentos do adversário, fazendo a equipe apenas jogar espelhada durante o jogo inteiro, abusando da dimensão estratégica. Sua racionalidade mais formatada faz com que a equipe não se adapte as constantes mudanças que o jogo delineia. É perspicaz na manutenção de uma regularidade, mas pode não sobreviver continuamente ao longo do processo pela rigidez informacional.

Organização Natural dos Jogadores: o jogo possui relações naturais gerais e relações essenciais à interação natural dos jogadores que são capitais. Mas dar demasiada importância, ou deixar exclusivamente para isso, retirando alguns aspectos organizacionais do jogo, pode fazer do jogo um efeito cascata, de um estado caótico desordenado.  Também essa organização está mais baseada no que os jogadores fazem individualmente, dando liberdade excessiva, imprevisibilidade, pouco nível organizacional e escassez informacional. Pela aleatoriedade, dependendo do adversário, pode conseguir fazer prevalecer o estado caótico da estrutura com a combinação do estado caótico do jogo, assim virando um “estado de jogo desordenado cobiçado”.

Organização da Sobrevalorização de um ou dois Momentos do Jogo: os cinco momentos do jogo (ataque-pós-perda-defesa-pós-recuperação-bolas-paradas) estão dentro dos elementos do jogo. Essa organização procura controlar um ou dois desses momentos do jogo, com “eficácia funcional estabelecida”. Trabalha em grande parcela as relações dos jogadores nas ações exclusivas, com preponderância ao momento ou os “momentos fortes” escolhidos para confrontar o jogo. Também pode ter uma forte dominância estratégica. Sua riqueza ou pobreza organizacional e informacional fica suscetível à sistematização e variabilidade da construção processual. Contudo pode ser tonificante, se bem operacionalizada ao longo do ano, devido ao desgaste menor que pode proporcionar.

Organização Conceitual com Excesso Informativo: como o nome já diz, o excesso de informação conceitual, dependendo do grupo de jogadores, e da cultura, pode sobrepor a capacidade de recepção e absorção dos jogadores. Essa informação pode ser passada de diversas formas, mas se passada de forma “copiosa”, com excessos de regras de ação e regras de treino, pode dificultar alguns grupos que não possuem ativação prévia. Esse excesso gera curtos-circuitos internos cognitivos que fazem o conteúdo conceitual ir além das possibilidades dos jogadores. Também pode fazer o jogador apenas jogar pelo conceito, se distanciando dos outros intervenientes da organização do jogo. Porém, se bem equilibrada, pode ser um meio rico para organizar uma equipe.

Organização Interativa: nesse estilo de organização, as várias possibilidades acima podem ser transferidas em uma só, se juntando com outras ideias, e criando uma coordenação interativa de intenções, formando uma rede de interações com demandas interpretativas do jogar que se pretende para enfrentar o jogo. Considera os processos organizacionais relativos às estruturas de jogo, às relações naturais dos jogadores, inter-relações dos momentos do jogo, dimensões do jogo específicas, conjunturas/interações de movimentos, conceitos/princípios, possíveis posturas do adversário e estratégias zonais-coletivas. Se bem operacionalizada pode gerar variações internas que proporcionam uma fluidez de jogo. Aqui entra a ideia de Maturana (2002), a Autopoiese (Autoprodução), entendida como “dinâmica construtiva-interativa de seres-vivos auto-organizados e auto-organizáveis buscando condições e fluidez de equilíbrio-desiquilíbrio-equilíbrio. Ela também precisa ser construída corretamente devido as hierarquias envolta da ideia. Se conter excessos informativos, desconexões, dificuldades de controle ou exacerbação de conteúdos, pode entrar no mesmo panorama da organização conceitual.

Então o que é uma boa organização de jogo? Precisa de rigidez excessiva? Precisa de liberdade excessiva? Mecanizada? Reativa? Formatada? Apenas conceitual? Alguma alternativa que nem está entre as citadas acima? Analisando friamente, organizar o jogo tem um pouco de tudo que foi levantado, então nenhuma perspectiva deve ser pré-julgada ou levada como ópio, apenas norteada com maior identificação.

A questão é criar uma identidade organizacional. Mas como? Somente com reflexões, debates e percepções contextuais. Simplesmente, criar algo próprio, de acordo com a realidade, experiência e conhecimento. Muitas questões no futebol dão certas desacompanhadas, outras conectadas, outras nem estão nas linhas acima, geradas pela sensibilidade individual e imprevisibilidade que cada jogo e cada contexto tem. Por isso, não se pode enxergar apenas uma “Organização da organização”, pois cada novo contexto, cada realidade exige, às vezes, aspectos organizacionais por vezes negligenciados num contexto passado. Não esqueçamos que dentro da cada perspectiva há muita riqueza de conteúdo e reflexões positivas e negativas.

Enfim, o interessante de tudo isso, é ver cada vez mais o crescimento da ideia interativa, que também possui suas diferenciações e alternativas, e que de certa forma, retrata um pouco mais a organização singular de cada equipe, o confronto entre as equipes e a auto-organização provocada.

Abraços a todos e até a próxima quarta!

 
 
Referências
ETZIONI, Amitai. Organizações complexas. São Paulo: Atlas, 1973.
GARGANTA, J. M. Modelação tática do jogo de Futebol: estudo da organização da fase ofensiva em equipes de alto rendimento. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade do Porto, Porto, 1997.
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
MORGAN, G. Imagens da Organização. São Paulo: São Paulo: Atlas ,1996.
SCHEIN, H. Edgar. Psicologia Organizacional. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1982.

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