Os promotores do espetáculo

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No mercado de entretenimento, a participação de atores, diretores e produtores no lançamento de qualquer obra é liturgia extremamente corriqueira. Quando um filme chega aos cinemas, por exemplo, todos os envolvidos nas filmagens passeiam por eventos, entrevistas coletivas, programas de TV e todo tipo de plataforma promocional. O mesmo acontece com shows, novelas, séries e até livros. Esse modelo ainda é extremamente raro em outras áreas, como o esporte.

Façamos justiça: o esporte está repleto de entrevistas coletivas. Também há um esforço gigantesco para que os personagens, sejam eles atletas, técnicos ou dirigentes, ocupem espaço na mídia. O que falta é que eles façam isso como verdadeiros promotores do espetáculo, a exemplo do que acontece no entretenimento.

O espaço que os personagens esportivos ocupam na mídia mostra o quanto os veículos são ávidos por qualquer contato com esses profissionais. No entanto, por falta de um planejamento sistêmico das esferas superiores, esse tempo de exposição não é aproveitado como deveria. Esse é um dos principais reflexos da desorganização das confederações esportivas do Brasil.

Houvesse um plano de comunicação estruturado nas ligas esportivas nacionais, atletas teriam direcionamento sobre o que falar nas conversas com a mídia. E principalmente, saberiam o que não deve ser falado.

É claro que as personalidades do esporte têm até um dever de aproveitar o espaço que ocupam para falar sobre as mazelas que enfrentam. Expor problemas é uma forma de causar estranhamento e de brigar por soluções. Contudo, além de ser extremamente populista, esse comportamento é ineficaz e pode apresentar efeito contrário.

Isso é o que acontece no caso da arbitragem. O nível de juízes e auxiliares no futebol brasileiro, como em outras partes do mundo, é muito baixo. Há um número altíssimo de erros, potencializados por transmissões esportivas mais profissionais e minuciosas.

Discutir os porquês de os árbitros errarem tanto é fundamental. Também é fundamental buscar caminhos. Mas falar sobre essas falhas sempre que elas acontecem é subterfúgio ou desvio de foco.

A diferença entre expor problemas e buscar soluções é abissal. Um caminho denigre a imagem do esporte como um todo, e o outro oferece passos para evolução.

Se houvesse uma cultura de que os personagens do esporte são promotores do espetáculo, jogadores e técnicos não usariam a mídia para desabafar e criticar a arbitragem a cada rodada de cada campeonato. Fariam isso em fóruns adequados e brigariam por mudanças.

Nunca vi um ator dar uma entrevista falando que o teatro é muito ruim, a temporada é excessivamente longa e a peça não tem o melhor nível do mundo, mas que ainda assim o público deve pagar ingresso para vê-la. No esporte, o que acontece muitas vezes é isso.

Um modelo profissional de comunicação é imprescindível para qualquer empresa ou entidade, e o esporte não pode estar alheio a isso. Criar canais e estabelecer relacionamento com a mídia são passos importantes, mas aproveitar esse espaço é primordial.

Isso só será possível, porém, quando todo o futebol brasileiro for pensado de forma mais profissional. Ligas esportivas na Europa e nos Estados Unidos balizam a comunicação e exercem controle sobre o que dizem jogadores, técnicos e dirigentes. Mas só fazem isso porque há espaços em que o interesse comum é discutido.

No Brasil, a implosão do Clube dos 13 apenas oficializou o quanto o esporte é individualista. Sim, o esporte. Outras modalidades trabalham com ligas, mas a recente troca de ataques entre dirigentes de equipes da Superliga de vôlei é um exemplo do quanto falta um sentimento verdadeiramente coletivo.

As discussões no vôlei incluem calendários, excesso de jogos da seleção brasileira e até a inequidade financeira entre as equipes que disputam a Superliga. E tudo isso é feito na mídia, com uma enorme e interminável troca de declarações sobre cada assunto.

A questão é: imaginar que a simples publicação de uma reportagem sobre qualquer assunto é suficiente para motivar mudanças estruturais drásticas é valorizar a mídia a ponto de desconhecer a atual realidade dessa seara. Veículos jornalísticos são relevantes, repercutem, mas não podem ser vistos como os únicos agentes de qualquer alteração.

O caminho mais eficiente, no caso do vôlei, seria aproveitar a Superliga como fórum e usar reuniões da competição para buscar unidade em torno de novas ideias. No futebol não há um fórum assim, o que complica ainda mais o cenário.

O curioso é que a inexistência de um modelo profissional de comunicação é extremamente paradoxal. Ela contribui para esfacelar a confiança popular em entidades e eventos, colocando em xeque o conservadorismo que guia a maioria das confederações esportivas nacionais.

E quando eu falo de um modelo profissional de comunicação, não me refiro a algo que cerceie a liberdade de expressão ou que proíba alguém de falar algo. O que eu prego é que exista um trabalho para incutir nos jogadores, nos treinadores e nos dirigentes a ideia de que eles são partes fundamentais para a promoção do evento.

Se eles entenderem que são promotores, poderão guardar críticas e cobranças para fóruns adequados. Aliás, poderão brigar para que esses fóruns existam e que sejam eficientes.

Mas, talvez seja muito abstrato falar de comunicação profissional do esporte dum país em que o Campeonato Brasileiro, principal competição da modalidade mais popular, é tratado por todos com tanto desprezo…

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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