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A cena é chocante. Intervalo de jogo entre Boca Juniors e River Plate, válido pelas oitavas de final da Copa Bridgestone Libertadores. Durante confusão num túnel de acesso aos vestiários da Bombonera, um homem ainda não identificado atirou nos jogadores do River Plate uma mistura conhecida como “mostacero”, que combina pimenta caiena e ácido para fermentação. A partida estava empatada por 0 a 0, e a equipe atacada se recusou a voltar para o segundo tempo. O episódio causou a eliminação do Boca Juniors, punido pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol).

Maior clássico do futebol argentino, o jogo era um dos mais aguardados da fase que abriu o mata-mata da Libertadores. Até por isso, foi acompanhado com grande interesse em diferentes partes do planeta. O recado que o futebol sul-americano transmitiu foi o pior possível.

A Fifa, entidade que comanda o futebol mundial, fez pressão para que o Boca Juniors, dono do estádio, fosse punido de forma exemplar. O time argentino alegou que havia tomado todas as medidas de segurança cabíveis e que estava trabalhando para identificar o infrator, mas isso não evitou sua exclusão da Libertadores.

A sanção foi definida após audiência no sábado (16), em Luque (Paraguai), sede da Conmebol. A sessão contraria os procedimentos corriqueiros da entidade, que costuma definir punições com base em um ou dois relatores, mas um julgamento como o que aconteceu é inusitado – o que demonstra mais uma vez o estado de exceção do caso.

A diretoria do Boca Juniors recorreu e chegou a cogitar ir à Fifa. Depois, descartou para buscar o Tribunal Arbitral Sul-Americano, criado no ano passado. A diretoria tenta ao menos reduzir a pena imposta pela Conmebol.

A Fifa, por outro lado, ainda cobra uma punição mais severa. Segundo o jornal “AS”, até a distribuição de vagas para a Copa do Mundo tem sido usada na negociação sobre o futuro do Boca Juniors – temendo prejuízos financeiros causados por uma exclusão mais longeva do time mais popular da Argentina, a Conmebol abriria mão de um lugar no Mundial para ratificar a pena proposta no sábado.

Enquanto a sanção ao Boca Juniors ainda era discutida, o jogador Sebastián Driussi, do River Plate foi internado no sábado, acometido por uma inflamação no cérebro por causa do ataque. Ele deixou o hospital nesta segunda-feira (18), mas ainda pode ser cortado do Mundial sub-20 deste ano – o jogador foi convocado para defender a seleção argentina.

A discussão é política, jurídica, social e até de saúde. A discussão só não é sobre futebol: perdem os clubes, perde a Libertadores e perde o esporte da América do Sul. O padrão de evento mostrado pela principal competição de clubes do continente é mais uma vez uma demonstração de atraso e de total incapacidade de gestão.

A comparação com a Liga dos Campeões da Uefa ou com ligas de outras modalidades é até cruel. A tal mística sul-americana e o espírito de Libertadores, que ajudaram a forjar a história do torneio, podem até ser elementos dramáticos consistentes. Essas coisas só não são boas para o evento em si.

Punir o Boca Juniors de forma exemplar, portanto, não é apenas zelar pelo jogo. A Conmebol precisa fazer isso para mostrar que o que aconteceu na quinta-feira é intolerável – e aí não entra sequer um julgamento de quem fez, quem deixou de fazer ou quem tentou impedir.

Mais do que punir o Boca Juniors, a Conmebol precisa usar o episódio da Argentina como um ponto de virada para o futebol no continente. Chega de escudos protegendo jogadores que tentam cobrar escanteios e chega de torcedores tentando intimidar quem está ali apenas para trabalhar – atletas, técnicos e árbitros, por exemplo. Chega de tudo que moldou a imagem da Libertadores – e moldou da pior forma possível.

A Conmebol tem agora uma oportunidade perfeita para recomeçar. Com ranços e com mágoas produzidas pelas agruras de anos anteriores, mas com uma perspectiva de salvar a imagem do futebol local. O caso da Argentina pode ser o Hillsborough local. Em 1989, episódio em que 96 torcedores do Liverpool morreram e outros 766 ficaram feridos teve papel preponderante para a criação da Premier League.

Não, não foi apenas por causa da tragédia que o futebol inglês criou um novo padrão para seus eventos. Contudo, aquela foi uma oportunidade para balizar toda a discussão sobre o jogo e como o futebol podia ser transformado em um produto melhor. Tudo que aconteceu na Inglaterra depois disso tem influência direta de Hillsborough.

A Argentina não é Hillsborough. Kevin Spada não representa centenas de torcedores. Ainda assim, a oportunidade para a Conmebol está dada. Ou talvez a entidade queira aproveitar uma tragédia de grandes proporções para fazer as mudanças que o futebol sul-americano precisa há tempos.

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