Posse de bola ou "toque de bola"?

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As primeiras três resenhas apresentadas à Universidade do Futebol abordaram alguns temas que, juntos, formatam uma linha filosófica de trabalho no campo. As ideias discutidas representam parte da vertente metodológica do meu novo momento como treinador. A partir de agora, mencionarei mais detalhadamente sobre pontos táticos importantes do jogo.

O jogo brasileiro já foi recheado de troca de passes e por se acreditar tanto no "poder do toque de bola”, hoje mais comum e tecnicamente denominado “posse de bola”, o nosso futebol tinha ideia tática de jogo para os seus times. É incrível como a predominância de um grande conceito tático teve o poder de transformar e estigmatizar um jogo a ponto de fazer escola. Esse comportamento virou chancela brasileira no futebol internacional. Corria e encantava o mundo a fama do toque de bola do futebol brasileiro. Falava-se muito do jogador canarinho, mas também da "cadência" do nosso jogo.

Hoje isso se perdeu. Não temos toque de bola, ou posse de bola, e o jogo brasileiro se descaracterizou. Onde foi que erramos se é que podemos considerar que erramos?

Ao contrário do que muita gente pensa, a posse de bola eficiente e eficaz que alguns treinadores querem reimplantar ao jogo brasileiro não é a simples troca de passes sem objetivos e ou ofensividade. Tem de haver profundidade em suas intenções ainda que se comece e ou passe pelos lados do campo.

A posse de bola de valor que o futebol moderno já conhece e aplaude era o "toque de bola genuíno" que o jogo brasileiro praticava na época que não havia o êxodo dos grandes craques e nem a "ansiedade burra" imposta ao jogo de hoje. Agora, nossos jovens saem cedo do Brasil para dar qualidade ao jogo dos grandes clubes europeus.

Enquanto isso, a era do computador trouxe a exigência das respostas rápidas a tudo em nosso mundo. Inclusive no trânsito da bola em campo. O jogo que antes era articulado, agora é apavorado. Tudo em nome da velocidade e ou vitória. A bola que antes era trabalhada para chegar ao gol adversário agora deve estar lá de qualquer jeito, pois o importante é ganhar.

Efeito colateral disso: o jogo se perdeu, ou não existe mais jogo. Perdemos jogadores e o jogo! Aquele toque de bola que o técnico Pep Guardiola, então comandante do Barcelona, falou ter "copiado" para formar, talvez, o melhor jogo que o mundo já viu se perdeu para dar lugar a esse "jogo moderno" dos brasileiros.

Para resgatarmos o toque de bola canarinho será preciso alguns sacrifícios e ou sacrificados. É filosófico e verdadeiro. Algo muito forte terá de acontecer para mudarmos a mentalidade da comunidade da bola no Brasil e fazermos cultura de um novo e melhor jogo.

Pois bem, posse de bola é troca de passes sim: com qualidade; velocidade; de flanco a flanco às vezes, mas com profundidade, em direção ao gol adversário e com finalizações; etc. Só que hoje, para se alcançar esse nível de posse de bola é preciso resgatar no jogo brasileiro alguns conceitos perdidos: a técnica, a organização posicional que é base para o conjunto, o prazer pela troca de passes…

Perdemos a confiança e ou a necessidade de jogar com os companheiros. O "entorno" do jogo pressionou os jogadores e as equipes a jogar pra frente de tal forma que a "vitória é sempre o mais importante", custe o que custar.

Talvez, por isso, estamos tendo mais derrotas que antigamente. Não encantamos mais o mundo, apesar dos ótimos jogadores que ainda temos. Não tenho dúvidas, nossa escola de talentos, a "escola de rua", continua produzindo jovens habilidosos que se adequam perfeitamente aos padrões atuais do futebol. A escola brasileira de futebol, a que fomenta o jogo, é que precisa se modernizar e transformar o seu toque de bola em posse de bola.

É a mesma coisa, mas, é diferente. Assista aos jogos das seleções de 70 e 82, dois grandes ícones da qualidade do jogo mundial e o Barcelona de hoje. Causam o mesmo prazer, mas são diferentes. O "jogo brasileiro" caiu de moda. Somos uma "grande colcha de retalhos" quando o assunto são as táticas coletivas. Estamos nos emendando em verdades e mitos retrógrados que estacionaram o desenvolvimento na qualidade de treinos e jogo.

Sempre procuro oferecer os dois lados à discussão. Esse é o meu lado professor, que a cada ano que passa me faz acreditar que realmente escolhi a profissão que me cabe. Por isso, devo ser justo dizer que existe uma fatia considerável no mercado de treinadores brasileiros que está procurando mudar o estado de coisa em treinamentos e concepção de jogo.

Infelizmente, ainda não temos nossa profissão de treinador regulamentada, no país do futebol, e tudo é muito difícil para fazer valer algumas posições. Como vamos provar aos dirigentes, mídia e torcedores, por exemplo, que é preciso tempo para implantar um modelo de jogo em uma equipe de futebol profissional? Alguém tem a resposta? Se conseguíssemos resolver esta questão poderíamos eliminar muitos problemas do jogo brasileiro.

Mas, vamos falar do que interessa… O Barcelona da posse de bola e ou toque de bola ganha quase tudo com eficiência e eficácia. Mesmo com o "entorno" que cerca um clube e um time dessa envergadura. Reconheço que o perfil de jogo do Barcelona é cultura estabelecida com trabalho de mais de 20 anos. Desde os tempos de Cruiff e Rechack, seu auxiliar, além de alguns outros profissionais que lá se mantém desenvolvendo a metodologia de trabalho vigente.

Mas, será que existe mesmo um método de treinos que facilite esse processo? Que desenvolveu e continua desenvolvendo o jogo deles? Que seria capaz de ser transportado para o futebol brasileiro para colocá-lo de novo em sua direção? Posso garantir que há.

Existe uma metodologia de treinos afeita às características e necessidades do futebol brasileiro que está lá e pronta para ser usada. Trata-se da ampla abordagem da "metodologia sistêmica" de conceber e treinar o jogo. É entender e trabalhar o jogo como jogo evitando dissecá-lo para encontrar respostas aos fenômenos que só existem na complexidade do próprio jogo.

Êta coisa complicada!! Não há nada complicado! Essa metodologia é tão simples que permitiu aos teóricos complicá-la e a colocarem numa redoma de acesso limitado e aos práticos se assustarem e a rejeitarem.

Voltando mais uma vez ao toque de bola, convido a comunidade futebolística brasileira a começar reaprender a usar esta metodologia organizando o jogo pelo poder da posse de bola.

Vamos resgatar o toque de bola brasileiro. Não haverá "extracampo" que seja capaz de atrapalhar. Ainda que demoremos um pouco, vamos pegar o caminho certo e que já conhecemos: o caminho do toque de bola!!

Mudando o assunto sem sair dele… Em dezembro de 2012 tive a oportunidade de interagir com o alto nível de competência dos professores João Paulo Medina e José Guilherme de Oliveira. Assisti às suas aulas no Programa de Qualificação de Treinadores de Futebol –
Licença A – da CBF-PUC-Minas.

Foram trinta saborosas horas e de muito ganho. Fui privilegiado ao curtir esses momentos. Quantas dúvidas puderam ser desfeitas a cerca da "periodização tática" no futebol, pano de fundo das explanações do Prof. Medina e tema central do Prof. José Guilherme.

Fui atraído ainda mais pelo tema, e só para deixar registrado, deixo aos leitores a impressão do Prof. José Guilherme, com a qual compartilho sem pestanejar: "Escola Brasileira de Futebol e Periodização Tática são um casamento perfeito. Nasceram uma para a outra."

Estive na Espanha com o Atlético-PR disputando um torneio contra grandes equipes do Leste Europeu. As boas respostas que a nossa equipe deu em campo me fazem acreditar ainda mais nesta verdade. O futebol brasileiro é um gigante adormecido que precisa despertar para um jogo tático mais bem jogado.

Até a próxima resenha.

Para interagir com o autor: ricardo@universidadedofutebol.com.br

 

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