Quando a tática não importa

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A rescisão de contrato do atacante Adriano foi tema de centenas de matérias esportivas na última semana. O custo de R$ 12.000,00 por minuto jogado e o de R$ 2,4 milhões por gol marcado, efetuados com base no salário mensal de aproximadamente R$ 380.000,00 são apenas alguns dos tópicos levantados nas notícias que questionavam o custo x benefício deste exorbitante investimento dos dirigentes corintianos.

Como todo tema que movimenta a semana e possibilita inserções em meu cronograma de colunas, o problema com o referido jogador me levou a inúmeros pensamentos e reflexões, sob diferentes pontos de vista, num exercício de empatia, essencial numa atuação interdisciplinar.

Como torcedor, ficaria a sensação de que, após um longo período de recuperação da lesão sofrida no tendão, o jogador se encontra na fase final de reabilitação e um mês será suficiente para voltar a jogar em alto nível, o Corinthians reabilitou quase que integralmente um jogador que irá balançar as redes por outro grande clube do futebol brasileiro. Uma possível falta de gols na competição mais importante do ano para a equipe alvinegra, a Libertadores, e ela será atribuída à dispensa do, outrora, “Imperador”. Afinal, como torcedor, é impossível esquecer aquele gol (e muitos outros ao longo de sua carreira) na reta final do Campeonato Brasileiro do último ano.

Como dirigente corintiano, refletiria sobre os prós e contras da tomada de decisão relacionada à rescisão. Na ocasião da contratação, eu me perguntaria se algum comportamento apresentado pelo jogador era desconhecido. Os problemas com mulheres, má companhias, peso, horários e bebidas seriam alguma surpresa? O dinheiro investido neste atleta poderia ter sido direcionado para alguma outra contratação?

Diante dos lamentáveis fatos, será que valeria a pena esperar o término do contrato, tentar amenizar o relacionamento interpessoal entre o atleta e o técnico Tite e se livrar da multa contratual? Será que após o mês que o atleta afirma precisar para estar melhor preparado, ele poderia contribuir na busca pelo inédito (e cobrado) título da Libertadores?

Como (ex)companheiro de elenco, pensaria que se abriu espaço para uma das 18 vagas de competição na que, atualmente, é a melhor equipe do futebol brasileiro e que joga o melhor torneio de clubes da América do Sul. Agradeceria pelo final desta novela de privilégio, mimo, excesso de atenção e “vista-grossa” para um atleta que recebe muito mais do que eu. Poderia dizer também que o grupo está unido, que sentimos a perda do Adriano, que ele é um grande jogador e que logo irá superar esta fase ruim e voltar a ter alegria e jogar um bom futebol (clichê típico do ambiente).

Como dirigente de outro clube, eu me questionaria se vale a pena o investimento. Poderá o Adriano jogar e incomodar os adversários como já o fez? Conseguirá recuperar o poder de finalização que o consagrou como um dos grandes atacantes do futebol mundial? “Banco” o investimento ciente que a reincidência é um caminho bem provável? Arrisco alguns milhões num “produto” que, há tempos, não permite retorno?

Pensando como o técnico Tite, recordaria cada entrevista, declaração, preleção e roda de conversa que o atleta foi poupado para dar-lhe tempo e tranquilidade para se recuperar. Será que toda a gestão de conflito de um atleta que nunca esteve em totais condições foi eficiente? Será que declarações mais polêmicas e pressões diretas ao jogador teriam um resultado final mais produtivo a instituição? Com isso, será que prejudicaria o elenco?

Como o próprio jogador, eu me indagaria se todas as respostas que dei alguns dias antes a uma grande emissora de televisão foram, de fato, sinceras. Questionaria se ainda anseio por jogar futebol ou pela fama e repercussão que este papel me proporciona. Pensaria também onde está o problema em ingerir bebidas alcoólicas, curtir a vida noturna e esbanjar o dinheiro que o futebol me proporcionou. Ser atleta e não boleiro, como o Paulo André, não é pra mim!

É claro que diversos outros pensamentos foram elaborados por cada um dos personagens identificados no texto e que podem, ou não, representar a realidade. Representam a minha, ao menos. É certo também que um bom número de conversas de bastidores, a que não temos acesso, ocorreu para culminar no encerramento do contrato de Adriano.

O que deixo, futebolisticamente, é um exercício de reflexão para problemas inevitáveis na gestão de uma equipe que não envolvem diretamente os esquemas táticos, os momentos de jogo ou as estratégias, e para os quais nunca haverá um fluxograma com as melhoras respostas. Como você agiria numa situação semelhante a esta?

Não se esqueça de considerar todos os envolvidos! Pensar e agir somente sob sua perspectiva poderá limitar os caminhos de uma ponte (perigosa) que você precisará cruzar.

Deixo também, mais humanamente, diante de tudo que pôde ser acompanhado neste período de 11 meses, uma simples opinião livre do meu papel de técnico de futebol e também livre de julgamento: que o Adriano, que até confinado ficou na insana tentativa de levá-lo ao alto rendimento esportivo a qualquer custo, independente dos erros ou acertos cometidos em seus últimos passos, encontre seu caminho para os passos seguintes na busca do alto rendimento humano.

Sem a ajuda de alguém, acredito que será difícil encontrar tal caminho e, sem ele querer, acredito que é algo impossível.

Tomara que ele saiba que gols, entrevistas, fama e mulheres são passageiros. Já a sua vida…

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br 

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