Quando as pessoas não falam a mesma língua

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Kaká fez tratamento médico intensivo para estar na Copa do Mundo de 2010 com a seleção brasileira; em 2016, um dia antes de ser cortado da Copa América Centenário, viajou com outros jogadores da equipe nacional para assistir ao jogo entre Golden State Warrios e Cleveland Cavaliers na decisão da liga profissional de basquete dos Estados Unidos (NBA). Neymar, capitão e principal referência técnica do elenco (ainda) comandado por Dunga, não comprou briga com o Barcelona para estar na competição disputada em solo norte-americano; enquanto o time canarinho era eliminado ainda na primeira fase após derrota para o Peru, o camisa 10 curtia férias e festejava em Las Vegas.
Foram seis as dispensas da seleção brasileira antes da Copa América (além de Kaká, Dunga perdeu Douglas Costa, Ederson, Luiz Gustavo, Ricardo Oliveira e Rafinha). Neymar nem chegou a ser convocado – a comissão técnica priorizou os Jogos Olímpicos, e o Barcelona não liberaria o atacante para as duas competições.
Lesões, desgaste mental, calendário e outros aspectos que podem ter influenciado nos cortes são assuntos recorrentes para qualquer seleção no atual momento da temporada. Não é essa a discussão sobre o time brasileiro: especificamente falando do elenco montado para 2016, o que chama atenção é o distanciamento de objetivos.
E aqui, sem querer parecer oportunista, existe um problema de comunicação nevrálgico no trabalho de Dunga. Ao contrário do que aconteceu no ciclo anterior do treinador na seleção – ele trabalhou no time nacional entre 2006 e 2010 –, o grupo atual não “comprou” o discurso do comandante. Os exemplos são grandes, como Kaká ou Neymar (que estavam totalmente dentro do direito deles, diga-se), ou pequenos, como jogadores que não se encaixaram no que o comandante imaginou para o funcionamento coletivo da equipe.
Porque sim, a crise da seleção brasileira passa diretamente por um problema de comunicação. Isso não é uma simplificação – existe um problema maior, que passa pela estrutura do futebol nacional e que inclui toda a cúpula da falida CBF (Confederação Brasileira de Futebol), mas um aspecto relevante na lista é a dissociação entre o discurso do treinador e as atitudes de seus atletas.
Antes de 2010, Dunga conseguiu moldar um elenco que cumpria suas determinações táticas com a mesma voracidade com a qual assimilava a ideia de grupo que o treinador tinha fora de campo. Esse elã não se repetiu em momento algum na atual jornada. Independentemente da lista de convocados ou da equipe disposta em campo, o Brasil não conseguiu repetir a formação de um elenco orgânico e disposto a representar os pensamentos de futebol e de mundo de seu criador.
Isso passa, é claro, por alterações na comissão técnica. O Brasil de Dunga na passagem anterior tinha Jorginho como auxiliar técnico. Hoje treinador do Vasco, era ele o responsável por atividades diárias e por muitas conversas com os atletas – o grupo que se unia em torno da fé evangélica, principalmente. Andrey Lopes, o Cebola, auxiliar da vez, é descrito por atletas como um estudioso. Tem treinos mais atualizados e ajuda na construção de um time que troca passes e muda rapidamente de direção, mas não contribui para os problemas de Dunga na gestão de pessoas.
A mudança de perfil dos atletas também influencia, é claro. Jogadores – e jovens – de hoje têm objetivos de vida distintos e maneiras diferentes de assimilar discursos. O treinador nunca foi um bom gestor de grupo, mas tornou essa característica ainda mais evidente ao não se atualizar.
Dunga de hoje não é como o Dunga de outrora. O técnico mudou em vários aspectos, do visual ao trato com a imprensa. No entanto, a sua personalidade segue com um problema intrínseco: é difícil formar um grupo coeso se você não souber como abordar personalidades diferentes usando caminhos diferentes.
Não é apenas pela falta de resultados que a situação de Dunga na seleção brasileira é insustentável. A demissão do técnico é questão de tempo porque ele não conseguiu ser o gestor de pessoas que o elenco necessita. E isso, por ser um problema pessoal, não tem a ver com crise técnica, problemas de gestão ou com a formação do atleta brasileiro, embora tenha relação de causa e efeito com tudo isso.
O futuro da seleção brasileira pode passar por diferentes perspectivas de jogo, diferentes atletas ou diferentes estratégias. Em todos os casos, contudo, é fundamental que a CBF pense em caminhos para que o espaço entre treinador e elenco seja menor do que o buraco existente atualmente.
A seleção brasileira não vive uma crise apenas dentro de campo. Enquanto a discussão for sobre fulano escalado em determinada posição ou beltrano ausente em sei lá quantas convocações, seguiremos vendo problemas como a avalanche provocada pela atual gestão de Dunga. O time nacional não deixou de ser prioridade para os atletas apenas por questões de status ou de carreira. Existe um problema de comunicação em aspectos como formação de grupo, clareza de objetivos e transparência sobre funções. E isso o treinador não parece sequer preocupado em mudar.
 
 
 

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