Quem pensa o jogo?

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Partiu do técnico Adilson Batista, contratado neste ano pelo América-MG, o diagnóstico mais preciso sobre o atual momento do futebol brasileiro. No último domingo (09), após empate sem gols contra o Ceará pelo Campeonato Brasileiro, o comandante do time de Belo Horizonte chamou atenção por entrevista coletiva verborrágica, criticou o nível da partida em que havia acabado de trabalhar e responsabilizou dirigentes de clubes por aspectos como lentidão e morosidade nos gramados locais.
“Dá para tirar as 20 datas de Estadual, que não vale nada, não leva a lugar nenhum, não joga contra ninguém. Só por causa da federação, recebe R$ 100 mil e ficam esses campeonatos estaduais. Aí fica esse futebol que vocês estão vendo: lento, preguiçoso. Eu mostrei para eles. Vi Brasil e Estados Unidos [vitória dos pentacampeões mundiais por 2 a 0 em amistoso disputado no dia 07 de setembro]: você vê futebol de alto nível, jogadores tops, todos fazem andar rápido. É muita velocidade, muita intensidade. Ninguém fica penteando a bola. Aí você tem que viajar para Uberaba, Uberlândia, tem que ir lá para Ituiutaba, aí vai chegar aqui, meio de agosto e setembro, está cansado. Mas quem comanda o futebol não enxerga isso. Não adianta eu ficar falando, outros treinadores já falaram. Tem 44 finais de semana, tem 88 datas, quarta e domingo para fazer decentemente um Campeonato Brasileiro. Mas não querem. É político, é um reflexo do que estamos vendo aí, só tem ladrão neste país”, disse o treinador.
A sobreposição de jogos não é uma novidade no futebol brasileiro, mas a temporada 2018 tem uma série de peculiaridades. É ano de Copa do Mundo, e por isso o calendário foi interrompido na metade da temporada – o que motivou intervalo menor na virada do ano e fragmentou a preparação das principais equipes nacionais. O desfecho da Copa do Brasil também foi jogado para novembro – em 2017, a decisão havia acontecido em setembro. E a competição nacional disputada em mata-mata também recebeu aumento considerável de premiação, o que mudou consideravelmente a escala de prioridades dos clubes.
Ganhar a Copa do Brasil demanda menos jogos do que ser campeão brasileiro. Além disso, dá mais dinheiro e ainda oferece ao vencedor uma vaga na edição seguinte da Copa Libertadores, principal desejo de torcedores e dirigentes de times brasileiros. São muitos argumentos favoráveis ao certame disputado em formato mata-mata.
Existe, portanto, um calendário espichado, flagelado, que convida os times a deixarem de lado o Campeonato Brasileiro. A principal competição organizada pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) é maltratada por diversos motivos, subjugada em diferentes níveis.
A discussão proposta por Adilson, contudo, não se limita aos problemas causados pelo calendário. A estrutura organizacional precária do futebol brasileiro tem efeitos nefastos na comunicação, no interesse do público, na relação com patrocinadores e parceiros, mas principalmente na concepção do jogo. E aí entra uma das principais questões sobre o atual momento do esporte no país: enquanto aspectos como o calendário são discutidos e têm várias soluções práticas enfileiradas, quem pensa o jogo?
As próprias mudanças na Copa do Brasil são prova de que a CBF, ainda que não ataque a raiz dos problemas, está preocupada com o calendário e tenta criar lógicas diferentes para distribuição de conteúdo ao longo do ano. E quanto ao jogo, o que a mesma entidade fez nos últimos anos?
A CBF cogitou incluir no Campeonato Brasileiro o VAR (sigla em inglês para árbitro assistente de vídeo, em tradução livre), mas levou a discussão aos clubes com um preâmbulo conveniente: antes de debater formatos e custos possíveis em cada cenário, jogou na mesa um número grande e conduziu uma votação balizada apenas por “você aceita ou não aceita gastar tudo isso para dirimir algumas polêmicas?”. Nem a amplitude de uso do recurso foi discutida, e a Europa tem mostrado como é abrangente essa lista de possibilidades.
Que outra medida a CBF tomou para interferir no andamento dos jogos no Brasil? Neste ano, preocupada com o excesso de jogadores poupados em seu principal torneio, a entidade chegou a discutir uma limitação de elencos e um veto ao uso de reservas. Mais uma vez, encontrou uma solução inexequível para atacar um problema sem abordar suas principais razões.
Numa época marcada por abusos e excessos em campanhas políticas, chama atenção o fato de a CBF sequer tentar estabelecer uma linha de comunicação com seu público. Todas as ações da entidade são institucionais, protocolares e desprovidas de personalidade. Tudo parece ser feito apenas como resposta, sem compromisso com mudanças reais.
Já passou da hora de a CBF se preocupar com o que acontece em campo e discutir se é esse produto que seus consumidores querem. Sobretudo porque o Campeonato Brasileiro tem entrado em uma fase mais aguda de discussão sobre venda de direitos para o mercado internacional. Afinal, sabemos se o material oferecido está adequado aos anseios desse público?
Precisamos pensar em qual é o futebol que queremos. Precisamos pensar em medidas que possam interferir no ritmo, no perfil e no modelo do jogo enquanto produto. O triste, porém, é constatar essas demandas e ver também o quanto a CBF está alheia a esse processo.

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