Reducionismo

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O reducionismo está entre os maiores males do futebol brasileiro. Tema muito presente no cotidiano local, o esporte é tratado recorrentemente como um tópico de domínio público. Essa abordagem prejudica a imagem, a comunicação e até a gestão do setor.

A questão do custo é um exemplo. A maioria das discussões é pautada por "está caro" ou "está barato". Ora, mas caro e barato são conceitos absolutamente subjetivos. O preço das coisas depende da demanda e do perfil de público que você pretende atrair.

Não defendo um esporte elitista. Aliás, ao contrário. Mas antes de saber a quem se destina, o futebol precisa testar sua abrangência. É inadmissível que o esporte não saiba a quem atinge e a quem pretende atingir.

Em crise no Campeonato Brasileiro, o São Paulo reduziu o preço dos ingressos nos jogos como mandante. Isso ampliou de 8.553 para 35.335 a média de pagantes em partidas do clube no Campeonato Brasileiro. Foi o suficiente para muita gente asseverar que o incremento de torcedores a despeito do momento ruim é prova irrefutável de que o preço afasta pessoas dos estádios.

O preço afasta, evidentemente. A questão, contudo, é muito mais abrangente. Discutir apenas o preço é um reducionismo que não ataca os problemas e não oferece nenhuma solução para a gestão do esporte.

No último domingo, após ter perdido para o Grêmio em pleno Morumbi, o São Paulo foi aplaudido por parte do público presente. Esse comportamento não vinha sendo registrado quando o clube cobrava mais caro.

Portanto, há dois argumentos favoráveis à redução do tíquete médio (o incremento do número de pagantes e o comportamento). Ainda assim, o tema não pode ser abordado com uma visão simplista.

A começar pela parte financeira: com mais gente, o São Paulo fatura mais com bilheteria. Mas e a receita completa de match day? E o consumo no interior do estádio? Com mais gente no Morumbi, o clube está aproveitando para vender mais produtos e expor melhor os parceiros?

A segunda questão é: ainda que a média de público tenha aumentado, o Morumbi está aquém da lotação. O São Paulo não pode mais mexer no preço. Então, como fazer para atrair outras dezenas de milhares de torcedores ao estádio?

Uso o São Paulo apenas como exemplo, mas a lógica vale para todos os times do futebol brasileiro. As equipes precisam urgentemente se questionar sobre o porquê de não jogarem para estádios abarrotados. A evolução do público pagante no Morumbi mostra que o preço é um dos fatores, mas que pode haver outros aspectos a serem trabalhados.

Outro ponto é: para que serve um público maior no estádio? A resposta mais óbvia é que o futebol é uma atividade popular. Times e adeptos têm relação de interdependência. De novo, porém, encerrar a discussão assim seria simplificar demais uma questão que não é simples.

Com mais gente no estádio, um time tem a chance de comercializar mais produtos, incrementar a receita de match day e expor melhor os patrocinadores, por exemplo. A equipe também pode atrair novos mercados e fazer ações institucionais para construir uma imagem adequada.

Público no estádio não é apenas receita de bilheteria. Tampouco é apoio ou crítica aos times que estão em campo. Torcedores que decidem ir a um campo de jogo são um campo de possibilidades. Não ver isso é um reducionismo extremo.

No entanto, esse não é o único assunto em que há simplificações. Outro exemplo é a discussão sobre calendário. Um grupo de jogadores de futebol das duas primeiras divisões do Campeonato Brasileiro lançou na última semana um manifesto chamado Bom Senso F.C., coletivo que pede participação dos atletas em discussões sobre a condução da modalidade.

Desde que esses atletas publicaram o manifesto, tenho acompanhado bastante a repercussão do caso em redes sociais e comentários de textos publicados na internet. Em geral, o assunto gera uma discussão dicotômica entre os que defendem mais jogos e os que preferem uma redução.

A polarização entre os que dizem que jogadores de futebol ganham milhões e não podem reclamar de entrar em campo e os que condenam o excesso de partidas desperdiça uma oportunidade de aprofundar o debate. A questão não é apenas a quantidade de apresentações.

Ainda que o número de jogos interfira diretamente no rendimento dos atletas, a discussão tem de ser ampliada. Um calendário mais adequado pode aumentar a velocidade e a qualidade das partidas, por exemplo. Mas é fundamental que essa teoria seja embasada por estudos e análises consistentes.

Nos Estados Unidos, a temporada regular do futebol americano tem 17 rodadas distribuídas entre o início de setembro e o fim de novembro. Os playoffs são realizados no começo do ano, e o Super Bowl, jogo que define a NFL, é realizado normalmente em fevereiro. São seis meses de atividade por ano.

A enorme janela que a NFL cria no calendário tem uma série de explicações. A liga se preocupa com o condicionamento dos atletas, por exemplo, e reduz o número de jogos para transformar todos em eventos verdadeiramente especiais. Mas também há uma relação direta com os calendários de outras ligas esportivas.

Um calendário mais adequado no futebol brasileiro afetaria diretamente a televisão, que paga caro para transmitir o esporte e teria de abrir mão de algumas datas. O exemplo dos Estados Unidos mostra que essas janelas podem ajudar a desenvolver e dar espaço para outros esportes.

É claro que as realidades dos dois países são muito diferentes e que a TV aberta do Brasil dificilmente colocaria numa noite de quarta-feira um jogo de outro esporte. Transportar para cá o exemplo dado pelos norte-americanos seria mais um reducionismo. O que eu peço é que as pessoas olhem para o que está além da simples discussão sobre o número de partidas.

O reducionismo afeta até análises sobre jogos. No Brasil, muitos partem da premissa de que entender de futebol é sinônimo de acompanhar futebol, conhecer regras e saber detalhes históricos. O pecado aí é ignorar os motivos.

Nesta semana, ouvi pelo menos cinco comentaristas de rádio dizendo que "o problema do Corinthians é que não faz gols" ou coisas similares. O time alvinegro é outro que está em crise: não vence há oito partidas, e balançou as redes apenas uma vez nesse período.

Dizer que o problema é não fazer gols é mais um reducionismo. A discussão deve ser o porquê de a equipe não atingir a meta adversária. Relatar o que acontece é relevante, mas não provoca e não cria debates. Já passou da hora de o futebol ser visto como um evento complexo.

A mesma dicotomia provocada pela discussão sobre calend&aa
cute;rio aparece nesse ponto. Comentários na internet dividem o público entre os que dizem "tal comentarista nunca jogou bola e não tem direito de opinar" e os que preferem o "esse cara não estuda e não tem conteúdo para opinar".

Boleiros ou estudiosos podem cometer erros similares. A questão não está na formação ou na abordagem, mas no conteúdo. Assim como as pessoas, o futebol é complexo e tem perfis muito diferentes. Não ver isso é reducionismo.

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