A sombra do Brasileirão de 2018

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O Campeonato Brasileiro de futebol deste ano ainda está em meio à primeira rodada – faltam dois jogos, que serão disputados na noite desta segunda-feira (16). Entretanto, já é possível identificar uma sombra que vai acompanhar todas as partidas desta temporada na principal competição do esporte mais popular em âmbito nacional. Enquanto a Fifa e as maiores ligas do planeta discutem há anos a adoção de árbitro de vídeo, pensando em modelos e discutindo a eficiência desse advento, os dirigentes locais preferiram fazer da novidade uma verdadeira influência externa. No processo de comunicação, pelo menos.
Foi assim em Vitória x Flamengo, no último sábado (14). O árbitro Wagner Reway (Fifa-MT) viu toque de mão num chute que acertou o rosto de Éverton Ribeiro, que estava em cima da linha do gol e acabou expulso logo aos 10min do primeiro tempo. Depois, ele e os auxiliares validaram lance em que Willian Arão estava impedido e tornaram possível que os cariocas fossem às redes – Réver marcou aos 26min da etapa final do confronto que acabou num empate por 2 a 2. Influenciaram de forma determinante no resultado e no andamento da partida, e prova disso é que acabaram afastados pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) – a equipe que trabalhou no Barradão, em Salvador (BA), foi encaminhada a uma reciclagem.
O Flamengo havia sido um dos defensores da adoção do VAR (árbitro de vídeo) já no Campeonato Brasileiro de 2018. Em votação promovida pela CBF, foi acompanhado por Bahia, Botafogo, Chapecoense, Grêmio, Internacional e Palmeiras entre os defensores da ideia. Perderam para um contingente que julgou alto o custo – a confederação nacional trabalhava com uma estimativa de R$ 20 milhões para as 380 partidas deste ano.
O ponto central da reunião em que a CBF discutiu a possibilidade de adotar o VAR no Brasil, contudo, não foi o resultado da votação. A questão é que não houve qualquer debate sobre o modelo ou o porquê de a ferramenta ter esse custo. Não houve discussão sobre alternativas, parcerias ou outros caminhos que pudessem tornar viável a adoção do árbitro de vídeo. E mais importante: não houve por parte dos clubes uma pressão para que a conta fosse parar nas mãos da entidade que comanda o futebol nacional, tem nas mãos a responsabilidade sobre as competições locais enquanto produtos e tem sido superavitária há anos.
Também não houve na reunião em que o VAR foi rechaçado uma discussão sobre o modelo de arbitragem no Brasil. Não houve qualquer conversa sobre profissionalização de árbitros ou caminhos para que eles sejam mais bem preparados. Cobrá-los a cada erro é o caminho mais curto para desviar foco e construir narrativas em que o culpado é sempre o outro. O difícil, no caso da mediação de jogos de futebol no país, é trabalhar para que os erros não aconteçam.
A mesma questão vale para a pressão que o Palmeiras tem feito na FPF (Federação Paulista de Futebol) por suposta interferência externa em um lance da decisão estadual. No segundo tempo da partida em que o Corinthians vencia por 1 a 0, resultado que levava a disputa para os pênaltis, Ralf travou Dudu na área. O árbitro Marcelo Aparecido Ribeiro de Souza chegou a apontar a infração, mas mudou de ideia e no fim anotou apenas escanteio. Foram oito minutos de ínterim entre uma coisa e outra.
Se está convicto de que houve interferência externa, o Palmeiras tem total direito de perseguir seus direitos e fazer pressão para que a decisão seja colocada sob lupa. Mas cabe ao acusador o ônus da prova, algo tão fora de moda no país ultimamente, assim como um cuidado com a pessoa por trás da decisão. A narrativa de que o time foi prejudicado por “alguém de fora” é conveniente para reduzir a pressão sobre a equipe alviverde, mas joga aos leões os profissionais que estavam trabalhando naquele jogo – e que em última instância acertaram, importante dizer.
Em nota oficial emitida na semana passada, o Palmeiras cobrou uma série de medidas da FPF. Pediu, entre outras coisas, a imediata adoção do VAR nas partidas do Estadual. Mais uma vez, um pedido que ignorou o cerne da questão: Como? Com qual modelo? Com quantas pessoas? Operado por quem? Com qual custo? Com qual regulamento?
As semifinais da Superliga de vôlei têm usado árbitro de vídeo em ambos os naipes. E isso não encerrou totalmente as polêmicas – o modelo adotado por eles limita a revisão a alguns tipos de lances, e os árbitros erraram em situações não compreendidas no espectro.
Há uma série de modelos e caminhos possíveis para o VAR, portanto. Dependendo da escolha, é possível que o árbitro de vídeo seja usado para dirimir muitas polêmicas, mas não consiga resolver todas. No futebol brasileiro, porém, ainda não houve qualquer debate sobre todo esse universo de coisas entre o “usar” e o “não usar” o recurso.
Do jeito que está colocada, a questão do VAR é apenas uma sombra. A cada erro que acontecer no Campeonato Brasileiro de 2018, os prejudicados vão reclamar e lembrar que o futebol nacional está aquém das principais ligas do planeta nesse aspecto. Em todas as rodadas haverá gente falando que deixou de somar pontos por causa de falhas humanas, como se a mudança para a máquina fosse uma transposição simples.
Todavia, esse caminho não é nada simples. Se os árbitros que hoje são mal preparados forem os operadores do VAR e não tiverem treinamento adequado para a tecnologia, como garantir eficiência? Se a possibilidade de revisão estiver condicionada à existência de um replay que encerre totalmente a polêmica, o poder não será colocado inteiramente nos geradores de imagem?
Há muitas questões sobre o VAR, e nenhuma delas é se o sistema deve ou não ser adotado no Campeonato Brasileiro. Enquanto a conversa estacionar nessa dicotomia, a sombra que acompanhará toda a competição nacional em 2018 servirá apenas para o que tem sido usada: criar subterfúgios narrativos e evitar as verdadeiras responsabilidades.

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