Vaias, protestos e a segunda tela

Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade
Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade

A edição 2013 da Copa das Confederações, competição que tem para a Fifa um status de teste para a Copa do Mundo do ano seguinte, teve início no último sábado. E logo nos primeiros dias, o torneio serviu para escancarar três características em eventos de grande porte: os problemas, as inovações e as grandes histórias.

Falar sobre problemas da Copa das Confederações é praticamente um reducionismo. O torneio teve uma série de problemas próprios, como as imperdoáveis filas para retirada de ingressos e o débil serviço em bares e restaurantes dos estádios. No entanto, por ter relevância global, o evento serve para escancarar uma série de feridas que não são apenas do futebol.

Não é por acaso que manifestações tentam se apropriar do espaço de um evento como a Copa das Confederações. Aliás, isso não é sequer novidade. Basta ver a história recente de outras competições esportivas de grande porte. Classificar atos assim de oportunistas é ignorar a razão de eles existirem.

Portanto, alguns pontos relevantes: toda manifestação é legítima, e o uso do esporte para aumentar a repercussão é extremamente natural. Também é pouco produtivo discutir apenas "os motivos" ou "os culpados". Em situações como a que o país vive atualmente, é fundamental tentar aprofundar um pouco o debate.

E o esporte, dentro e fora do campo de jogo, é feito por homens. Por mais alienados que eles sejam, é impossível descolá-los de recortes ou análises sociais. Ainda que as manifestações e as reações dos últimos dias no Brasil tenham pouco ou nada a ver com o esporte, elas têm tudo a ver com quem pratica e curte o esporte.

É por isso que não se pode apenas “imaginar a festa”. Fechar os olhos para o que tem acontecido nas imediações de estádios brasileiros é ignorar a história. E se a mídia não serve para contar histórias, não tem razão de ser.

Em competições da Fifa, o sinal oficial é gerado pela HBS, uma empresa parceira da entidade. É ela que grava imagens dos jogos e distribui para parceiros de transmissão. Assim, há uma garantia de padronização em enquadramentos e exposição de patrocinadores, por exemplo.

A HBS pode ser parcial. Trata-se de uma empresa que presta serviços para a organizadora do evento. A HBS não é mídia.

Em outros casos, é fundamental entender o limite da parcialidade. Ainda que o esporte tenha se aproximado drasticamente do entretenimento em algumas empresas, não dá para ignorar questões jornalísticas tão relevantes.

Mas há quem ache pertinente ignorar. Foi assim nos primeiros dias da Copa das Confederações, com confrontos entre público e polícia nas imediações de estádios. Em algumas emissoras, o clima bélico e os protestos feitos nos arredores dos campos de jogo foram tratados como assunto alheio ao futebol. Como se o futebol pudesse ficar alheio ao mundo.

Todo esse contexto é fundamental em qualquer análise sobre as vaias que a presidente Dilma Rousseff e Joseph Blatter, presidente da Fifa, ouviram no último sábado. Os apupos foram direcionados aos dirigentes durante a cerimônia de abertura da Copa das Confederações.

A vaia não foi pessoal, tampouco improvisada. Foi parte de um movimento de insatisfação e iniciativa que tem se manifestado no Brasil e que tem usado os eventos esportivos como combustíveis.

A vaia também foi resposta ao sentimento popular diante dos R$ 7 bilhões em dinheiro público que foram investidos em estádios brasileiros. E ao sentimento geral de que a população age de forma bovina e que não responde a nenhum acinte desse porte.

A reação do público para Dilma e o volume das vaias, que ficou ainda mais intenso quando Blatter intercedeu e pediu respeito, não são coisas apenas do esporte. Mas afinal, quando acaba o esporte e quando começa a vida?

Tudo isso, dos protestos às vaias, é positivo. Gera esperança. O problema é que as reações escancaram uma série de mazelas e defeitos da sociedade brasileira. E isso produz frustração em igual proporção.

E aí não entra apenas a ação da Polícia Militar, que tem se comportado como um pai adepto das palmadas. Se uma criança faz algo errado, o jeito é bater para ensinar. Não existe didática ou conversa, mas violência. Eu poderia citar uma dúzia de pedagogos que mostram, há anos, o quanto a porrada é pouco eficiente para produzir aprendizado.

Também frustra a reação de uma parcela da população, a que só quer saber do bem estar individual e que acha que a reação virulenta é a melhor forma de coibir excessos. É em momentos extremos que a sociedade local mostra o quanto ainda precisa evoluir.

Os problemas que o Brasil tem mostrado na Copa das Confederações, contudo, vão muito além da parte ideológica. O país ainda convive com o ranço didático do período militar, mas sofre igualmente com a falta de planejamento e estrutura básica. Novamente, uma coisa não pode ser isolada da outra.

Um megaevento esportivo é a chance que um país tem para mostrar ao restante do mundo o que ele tem de melhor, mas também serve para concentrar e exacerbar problemas. O Brasil precisa trabalhar muito para que essa equação não produza, em 2014, uma imagem que jogue fora os bilhões investidos na Copa do Mundo.

E aí, o que falta é esse conceito de unidade. O Brasil precisa trabalhar, mas para isso é importante o país saber o que quer com a Copa. A sede foi definida em 2007, mas ainda não há sequer uma diretriz sobre o que a competição pode representar.

Potencial os eventos têm, e isso já ficou claro nos primeiros dias da Copa das Confederações. Uma das coisas mais legais em torno de um evento desse porte é a quantidade de histórias que ele produz.

Neste ano, dificilmente aparecerá algo mais legal do que o caso envolvendo Altair, lateral que foi campeão mundial com a seleção brasileira em 1962. Em Brasília para receber uma homenagem, o ex-atleta, que sofre do mal de Alzheimer, saiu perambulando pelas ruas da cidade e foi encontrado por um grupo de jornalistas. O relato inteiro está aqui, ó: http://tinyurl.com/nynpg44.

Um evento do porte da Copa das Confederações também serve como plataforma para uma série de lançamentos. O melhor exemplo até agora é o programa "Cabeça no jogo", que a "ESPN Brasil" exibiu durante a vitória do Brasil sobre o Japão.

O conceito que norteia o programa é o de segunda tela. A ideia é reunir comentaristas, mensagens de redes sociais e muito humor para
servir como um complemento ao jogo. A ESPN não tem direito de transmissão da Copa das Confederações.

Independentemente do tom do programa, que ainda pode ser ajustado, o "Cabeça no jogo" é uma tentativa de visão diferente. É uma linguagem nova, que complementa a transmissão e que coloca em um novo patamar a convergência de mídias.

Que seja apenas o começo. Que os eventos esportivos sirvam como mote para grandes histórias e grandes inovações. E que abarquem também os protestos e as vaias, sem que isso nos jogue na cara o quanto a evolução tecnológica não garante a evolução social.

 

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

Compartilhe

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
Share on pinterest

Deixe o seu comentário

Deixe uma resposta

Mais conteúdo valioso