O dono do futebol
Com o crédito consignado, o BMG de Ricardo Guimarães se tornou o banco mais rentável do país. Mas há novos concorrentes nesse jogo, e as regras estão mudando. É aí que entram Atlético, Cruzeiro, São Paulo, Palmeiras, Santos, Flamengo, Vasco...
Por Fred Melo PaivaRicardo Guimarães zapeava a televisão quando parou numa daquelas vigorosas peladas disputadas entre cabeças de bagre e pernas de pau. Estranhou o fato de o Duque de Caxias carregar no uniforme o logotipo do BMG, banco do qual é herdeiro, sócio e presidente. Não se lembrava de ter autorizado o patrocínio, embora até pudesse ser – financia tantas equipes de futebol, do ASA de Arapiraca ao Palmeiras, que podia lhe ter escapado o jovem time da Baixada Fluminense, fundado em 2005. Por via das dúvidas, consultou o responsável pelos contratos. Ouviu o seguinte: interessado em conseguir novos investidores, o Duque de Caxias estampara o logo por conta própria, fiando-se no poder de atração das três letrinhas laranjas que aparecem em nove das 21 camisas da primeira divisão do Campeonato Brasileiro. A estratégia do clube deu certo, pelo menos nesse quesito. Na disputa da série B, o Duque de Caxias, com desempenho de fazer corar até a estátua do patrono do Exército (uma única vitória até o fechamento desta edição), desfila agora um patrocínio de verdade – do próprio Banco BMG.
O mineiro Ricardo Annes Guimarães, de 50 anos, é um atleticano fanático, o que, bem sabem os boleiros, constitui uma redundância. Mas “o banco”, ele diz, “não torce, não tem clube, faz negócio e quer visibilidade”. Por isso o BMG, além de ser o acionista único de um fundo de investimentos que tem jogadores em diversas equipes, patrocina não apenas o Galo, presidido por Guimarães entre 2001 e 2006, mas o rival Cruzeiro – e também América-MG, Flamengo, Vasco, São Paulo, Palmeiras, Santos e Coritiba, todos da divisão de elite do futebol brasileiro. Na série B, Sport Recife, Grêmio Prudente (SP), Icasa (CE) e Boa (MG), além de ASA (AL) e Duque de Caxias, já rebaixado e detentor de todos os recordes negativos da temporada. Na série C, patrocina Ipatinga e mais três. Na D, a linha da miséria do ludopédio nacional, um Plácido de Castro Futebol Clube (AC) e mais quatro. Descendo a ladeira, o banco ainda opera a exemplo dos chilenos, ajudando a resgatar do fundo do poço mineiros como Fluminense de Araguari, Araxá e Uberaba, o América do Rio e outros 11 fora de séries.
Maior patrocinador do futebol brasileiro, o BMG estampa o uniforme de 39 clubes, seja em patrocínios de maior envergadura, em que a marca aparece no peito e nas costas, ou nos mais comedidos, em mangas de camisa. A exposição de seu logotipo financia, ainda, três equipes da Superliga masculina de vôlei e duas da feminina; três times de basquete, entre eles o Flamengo; a ginasta Jade Barbosa; o lutador Vitor Belfort. E até o apresentador Otávio Mesquita, convertido em piloto da Copa Mercedes, para o bem da audiência. O investimento na chancela esportiva chega a R$ 60 milhões anuais, mais de 90% de tudo o que o banco de Belo Horizonte destina ao marketing e à propaganda. “O futebol é caro, mas se fôssemos divulgar a marca com todo esse destaque que nos permite aparecer no Fantástico, no Jornal Nacional, na capa dos principais jornais, não teria dinheiro que bastasse”, diz Flávio Pentagna Guimarães, acionista majoritário do BMG, presidente do conselho e pai de Ricardo Guimarães. Aos 83 anos, “doutor Flávio” faz parte da segunda geração dos banqueiros de Minas, que dominaram o setor desde as primeiras décadas do século passado até o final dos anos 60, fomentando um dos ditos populares que enaltecem a discreta esperteza do mineiro – “aquele que vende queijos e possui bancos”.
No caso dos Pentagna Guimarães, a situação é mais complexa: são mineiros que possuem um banco mas tudo o que vendem é o crédito consignado a servidores públicos municipais, estaduais e federais, além de aposentados e pensionistas do INSS. Esse tipo de operação, que tem baixo risco de inadimplência porque desconta as parcelas devedoras diretamente da folha de pagamento, movimenta hoje no Brasil cerca de R$ 130 bilhões, gerados por pelo menos 60 instituições financeiras. Desse montante, R$ 23 bi foram emprestados pelo BMG – 18% do mercado, perdendo apenas para o Banco do Brasil. São números que o levaram ao primeiro lugar no ranking dos 20 bancos mais rentáveis sobre o patrimônio em 2010, segundo o anuário Valor 1000. E que conferem ao BMG perto de 10% de todo o crédito à pessoa física gerado hoje no país, independentemente de sua modalidade.
Essa maravilha de cenário deve começar a mudar em 2012, impondo ao BMG o desafio de abrir novas fronteiras de atuação – sob pena de ser engolido pela concorrência das grandes instituições bancárias. Mudanças nas regras do Banco Central vão aumentar os custos na concessão do crédito consignado, impactando especialmente as operações de expansão dos bancos médios. A maior fiscalização dos correspondentes bancários e “pastinhas”, que vendem o produto no consagrado modelo da Avon, é outro entrave para o BMG, que não possui agências. Ao mesmo tempo em que a legislação impõe obstáculos, os bancos maiores demonstram apetite novo para o consignado – que, embora menos rentável, é menos arriscado. Gigantes do setor têm aumentado a originação própria desse tipo de crédito, além de pagar comissões cada vez mais gordas aos correspondentes. Em outra ponta, investem pesado em tecnologia, de forma a permitir que o público contrate o empréstimo nas agências e nos caixas eletrônicos, eliminando a figura do intermediário. É o caso, por exemplo, do Bradesco, que opera 50 mil folhas de pagamento, entre funcionários do setor público e privado. “Se trabalharmos eficientemente essa matéria-prima”, diz Fernando Perrelli, diretor da Bradesco Promotora, “vamos atingir 20% do mercado em até três anos”.
“Até aqui, o BMG foi muito bem-sucedido em sua estratégia de atuação no mercado”, afirma o ex-diretor do Unibanco Ricardo Mollo, professor de Finanças Corporativas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e especialista no setor bancário. “No entanto, a concentração quase exclusiva de sua atividade no consignado gera pelo menos dois efeitos negativos: o aumento do risco e a perda da oportunidade de fidelização do cliente, que só encontra outros produtos na concorrência.” Atento a isso, o BMG saiu às compras: no primeiro semestre deste ano, adquiriu o Banco Schahin e a GE Money do Brasil; há dois meses, anunciou uma parceria com a Icatu Seguros. São movimentos que abrem caminho para a diversificação. A partir do primeiro semestre de 2012, o banco passa a oferecer cartões de crédito, empréstimos convencionais a pessoas físicas, seguros e financiamento de veículos usados. “O consignado continuará sendo nosso principal produto”, diz Ricardo Guimarães, “mas esperamos que a médio prazo represente no máximo 70% dos negócios.”