– Babbo, por que Deus matou a gente?
– Filho, foi Ele quem nos criou. Ele sabe o que faz, Cristian…
– Mas por que ele deixou aquele carro bater na gente na contramão?
– Foi um acidente. Isso acontece.
– Acidente é perder da Lazio, Babbo. Você ainda viu o Totti ser campeão. A Itália ganhar a Copa. Eu vi pouco, Babbo. Eu só tenho sete anos..: Eu só tinha sete anos…
– Cristian, a maior alegria que um homem pode ter na vida é ser pai. Eu sou de você e da Michelle. Meu maior sonho depois disso era fazer vocês torcerem pela Roma. Isso eu também consegui, filho.
– Mas que adiantou, Babbo? Você ainda foi pai. E eu? Eu queria ser campeão. Eu queria continuar viajando pelo país e pela Europa só pra ver o nosso time.
– Nem precisava ser campeão, né, Cristian?
– Não, Babbo. Só precisava ser jogo da Roma. Você me ensinou. É injusto… A gente viu o jogo contra o Bayern no Olímpico. Você me falou do Guardiola jogando na Roma e eu imaginando como deveria ter sido. Depois não lembro mais nada. Eu não tenho muito lembrança de nada. Eu sou jovem… [longa pausa]. Eu era jovem. Só sete anos.
Stefano não fala mais. Não tem o que falar. Foi tudo muito rápido. Mais um jogo. Uma goleada terrível em casa. Nada que impedisse voltar à paixão desde os oito anos de Stefano. Desde os 11 no estádio. Trabalhando até como steward. Só para estar perto da Roma. Voltando pra casa depois do jogo e um carro na contramão atingindo o deles. Cristian morreu na hora. Ele, a caminho do hospital. Assistiam a todos os jogos em Roma. Viajavam pra ver fora de casa. Conheciam Totti. Tinham foto com ele.
– Babbo, eu não quero mais ver jogo da Roma. Eu não quero ver mais nada!
– Filho… Eu não sei o motivo de a gente estar aqui. Os dois mortos. Mas eu sei que aquilo que me fez ficar junto de você não morreu. A nossa camisa gialorossa me fez viver melhor por 33 anos. E ainda melhor os últimos sete.
– Desde que eu nasci, né?
– É… Os anos mais felizes da minha vida foram com você. E eles foram mais felizes na Curva Sud do Olímpico. A gente cantando o Hino do Venditti. Vendo o Totti jogar. O De Rossi… Lembra quando você era bem pequenino e chorava em uma derrota?
– Lembro!!! O pessoal em volta tentava me alegrar. Aí uma bola caiu fora de campo e um deles veio me entregar. Foi da hora!
– Viu como é bom torcer? A gente faz um monte de amiguinhos!
– Mas você sempre falava que seria difícil sem o Totti. Que um dia ele teria de parar… E ele está lá ainda muito vivo. E a gente… Eu não quero mais ver jogo da Roma, Babbo… Não quero mais!
Stefano não consegue convencer o pequeno Cristian. Não tem o que falar. Queria ver com o filho o primeiro jogo em casa depois da partida deles. Mas resolveu deixá-lo quieto, experimentando o novo par de asas.
Cristian sabe que, lá no fundo, não foi a Roma que o matou na volta para casa. Foram coisas da vida que ele ainda não entende. Não por ser criança. Mas por ser gente. Essa mesma vida que o fez mais ligado ao pai. Foi a Roma. E ele resolveu, então, sem dar o braço a torcer, ficar perto do pai, vendo lá pela Sky (deve ser a operadora exclusiva do céu) as duas equipes italianas entrando em campo no Olímpico. Torcendo com todo o corpo. E as asinhas de anjo.
– Babbo, que camisa branca é essa que a Roma tá usando??? Todo mundo tá vestindo ela! Tem uma foto na camisa. Parece…
Silêncio. Cristian reconhece a foto dele no colo do pai em jogo da Roma no Olímpico. Todo o time veste uma camisa com a selfie dos dois.
Stefano começa a chorar. Quando Cristian enfim fala alguma coisa ao ver a imagem de uma torcedora na tribuna chorando abraçada na filha:
– Olha a Mamma… Olha a Michelle…
Cristian então senta mais perto do pai. No colo. Passa o braço pelo pescoço dele, arruma o cachecol gialorosso asobre o peito, e pergunta se ele gostou da escalação.
Stefano não responde. Revê mais uma vez a mulher Luana e a filha presentes no Olímpico. Elas não sabiam da camisa. Nem da foto dos homens da casa no telão do estádio. Elas que várias horas e alguns dias perdiam pela paixão de pai e filho pela Roma, pela Roma agora ganhavam a chance de se unir com os amores perdidos.
Quanto foi o jogo? Quando foi isso?
Honestamente, só sei que faz um ano agora.
Sinceramente? Não importa.