Concorrência desleal

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A tecnologia mudou drasticamente a experiência de ver TV. Os aparelhos ganharam cores, definição, recursos de som e um nível de detalhamento que anteriormente era exclusividade das salas de cinema. Então, como os complexos sobrevivem? Por que as pessoas saem de casa e trocam o conforto do sofá por uma sala impessoal, distante de casa e paga?

A relação entre TV e cinema é algo que o esporte precisa começar a observar com mais atenção. Sobretudo no Brasil, país em que o ato de ver uma competição in loco ainda é basicamente o mesmo da primeira metade do século 20.

Pense nisso: a maioria dos equipamentos esportivos do Brasil foi construída até a década de 1970. Nesse período, os raros televisores disponíveis no país transmitiam em preto e branco. O som era ruim, o nível de definição das imagens era paupérrimo.

A experiência de ver um programa em uma TV daquela época é radicalmente diferente do ato de assistir a qualquer coisa em um potente aparelho atual. O esporte não acompanhou essa curva de evolução.

A estrutura física é o aspecto em que essa diferença fica mais clara, mas esse está longe de ser um fator isolado. Toda a experiência de ver uma competição esportiva está defasada.

No Brasil, isso passa até pelo nível do jogo. Algumas modalidades, como o vôlei, buscaram evolução técnica para serem mais palatáveis para a TV. Isso alterou a dinâmica de pontos e as regras da competição. E o espectador que está nos ginásios, como fica?

Um exemplo contrário é o futebol americano. O número de intervalos de uma partida da liga profissional dos Estados Unidos (NFL) também foi algo pensado para a demanda de quem transmite. No entanto, há uma preocupação simultânea com entretenimento do público que está nos estádios – e mais do que isso, com meios de fazer com que essas pessoas aproveitem as paralisações para consumir.

O Botafogo começou a fazer algo parecido com isso há dois anos, no Campeonato Brasileiro de futebol, quando criou uma agenda de shows antes de jogos no Engenhão (que na época ainda se chamava estádio João Havelange). A ideia da diretoria alvinegra era usar apresentações artísticas como argumento para que o público chegasse mais cedo. Com isso, diminuir filas e facilitar a entrada.

A medida é simples, mas é um exemplo de como um organizador de eventos deve se preocupar com toda a experiência que o consumidor tem. Não adianta proporcionar a ele um grande espetáculo durante 90 minutos, mas irritá-lo com serviços ruins em todos os aspectos que estão fora das quatro linhas.

Porque a evolução das TVs é apenas um dos aspectos favoráveis à experiência caseira. Também é necessário considerar que os ambientes estão melhores – os sofás são mais confortáveis e a oferta de comida é mais vasta, para dar dois exemplos banais.

Um dos segredos para a sobrevivência dos cinemas no mercado brasileiro foi entender o perfil do público. As salas comerciais saíram das ruas, onde ofereciam dificuldades de estacionar e tinham parcos serviços complementares, e migraram para dentro de shoppings.

Hoje em dia, ver um filme em uma sala comercial é uma experiência confortável. Além disso, o espectador pode unir o longa-metragem a uma série de atividades que o ambiente impessoal e higienizado dos shoppings oferece.

Se quiserem disputar público com as TVs, os estádios precisam "ir para dentro de shoppings". Em outras palavras, é fundamental que eles adotem um perfil de serviço mais adequado à demanda do consumidor de agora. E isso não quer dizer apenas uma nova aparência.

O Brasil terá 14 novos estádios nos próximos anos. A oferta de serviços vai mudar, assim como a aparência. Resta saber se eles estarão preparados para entender e atender o que o público deseja.

Essa discussão é fundamental para o esporte brasileiro no atual momento. Aliás, é fundamental para o esporte global. Nos Estados Unidos, a popularização dos pacotes de pay-per-view e o incremento de qualidade das transmissões esportivas têm gerado discussões sobre a experiência de quem vai às arenas. O foco do debate é como ter diferenciais ao vivo.

No último fim de semana, o Brasil teve três clássicos regionais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Juntos, os três jogos que movimentaram algumas das maiores torcidas do país não colocaram 51 mil pessoas nos estádios.

Em contrapartida, as transmissões televisivas de Flamengo x Botafogo e de Santos x Corinthians tiveram audiências expressivas e grande participação no número de TVs ligadas. Não é falta de interesse o motivo para as arquibancadas vazias.

Há vários caminhos para melhorar o serviço dentro dos estádios. Todos eles passam, necessariamente, por um entendimento maior sobre o perfil do público. Quais são os pontos mais relevantes para as pessoas que você quer levar para aquele espaço? Que tipo de restaurante elas preferem? Que tipo de produto elas consomem?

E mais do que isso: é preciso oferecer subsídios para que a experiência de ver o jogo seja diferente. O público no estádio precisa de acesso a replays, estatísticas e informações. Acabou a era do rádio de pilhas no ouvido.

A mídia é, hoje em dia, uma das fontes de receita mais relevantes do esporte. Não há grande liga esportiva no mundo que sobreviva sem vender direitos de transmissão. No entanto, é necessário repensar o produto para que a comunicação não passe de suporte a vilã.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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